Governo faseia a descentralização para conseguir consensos

Os diplomas começam a ser aprovados na quinta-feira. É uma reforma da administração pública, que passa pela desconcentração de serviços e criação de novos órgãos autárquicos.

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Conselho da Concertação Territorial reuniu-se na passada quarta-feira Daniel Rocha

Para obter consenso político sobre o pacote legislativo da descentralização, o Governo vai ceder em alguns aspectos e fasear a entrada em vigor das medidas, garante ao PÚBLICO o ministro-adjunto, Eduardo Cabrita.

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Para obter consenso político sobre o pacote legislativo da descentralização, o Governo vai ceder em alguns aspectos e fasear a entrada em vigor das medidas, garante ao PÚBLICO o ministro-adjunto, Eduardo Cabrita.

A reforma das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) será feita em dois momentos. Em 2018, avança a eleição dos presidentes pelo colégio de autarcas da região eleitos em Outubro de 2017. Em 2019, será feita a transferência dos serviços do Estado para as CCDR.

Quanto às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o Governo admite que a eleição directa pelos cidadãos dos presidentes seja feita só em 2021, assumindo que este diploma surja sob a forma de projecto lei, apresentado pela bancada parlamentar do PS.

Com a aprovação em Conselho de Ministros anunciada para a próxima quinta-feira pelo primeiro-ministro, os diplomas do Governo estão agora em fase de ultimação, depois de aprovados pelo Conselho de Concertação Territorial, na quarta-feira passada - uma reunião que, segundo o ministro adjunto, “superou todas as expectativas”.

Eduardo Cabrita explica que “a ideia é avançar rapidamente com um programa legislativo intenso”, assim “o conjunto legislativo será entregue no Parlamento até ao fim do debate da lei-quadro”, cuja entrada na Assembleia da República ocorrerá ainda durante Fevereiro. Além da lei-quadro sobre transferência de competências para as autarquias e a alteração à lei sobre CCDR, está também em fase de finalização uma proposta de lei de alteração à lei das finanças locais, para adequar o financiamento das autarquias às novas competências, e uma proposta de lei sobre organização dos serviços municipais.

O ministro adjunto é frontal a assumir as cedências do Governo para obter consensos políticos no que toca às CCDR. “Vamos avançar já com o primeiro movimento, o da eleição indirecta pelos colégios de autarcas da região dos presidentes - mas com as actuais competências” destas comissões, explica. Acrescentando que ”só depois da eleição dos novos dirigentes o Governo vai trabalhar com eles na integração dos serviços desconcertados dos vários ministérios nas CCDR.”

Justificando a decisão de separar os dois aspectos da lei, Cabrita afirma: “São duas revoluções profundas ao mesmo tempo, a democratização das CCDR e a desconcentração dos serviços regionais. Convém não fazer as duas ao mesmo tempo. O nosso compromisso é com os dois movimentos, faremos um de cada vez.”

Resistência do aparelho

Cabrita salienta a importância desta desconcentração e sublinha que “o modelo centralista” em vigor “é que gera desarticulação e ineficiência”, uma vez que “cada área funciona por si, na sua cadeia hierárquica vertical”. Mas o ministro reconhece que “há resistência do aparelho do Estado” a esta mudança.

Quanto aos poderes dos presidentes das CCDR, o ministro-adjunto explica que não haverá aumento de tutela em relação à gestão de fundos estruturais. “Os presidentes eleitos das CCDR irão construir a parte regional dos programas de fundos estruturais regionais, contribuirão para construir esses projectos, mas continuarão a não participar nos programas nacionais”, avança Cabrita. Prosseguindo no esclarecimento sobre poderes das CCDR, diz: “Vão gerir os programas de fundos estruturais regionais, como já hoje acontece. A mudança é que eles vão participar com o Governo na negociação, a nível regional, dos programas regionais do próximo quadro comunitário de apoio que substituirá o Portugal 2020 e que se destina ao período entre 2021 e 2018.”

Desfazendo os “equívocos” que considera terem sido noticiados, Cabrita lembra que a eleição indirecta dos presidentes das CCDR pelo colégio eleitoral “está no programa do Governo” e defende que não houve nesse aspecto nenhuma cedência. Sublinha mesmo o apoio público que o Presidente da República tem dado a esta reforma e garante que nunca houve um conflito nesse domínio.

A prová-lo, refere a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa na sessão sobre 40 anos de poder local democrático a 3 de Fevereiro. Então, o Presidente referiu-se ao “reforço da democraticidade”, para considerar que “o passo dado, não apenas nas áreas metropolitanas, mas nomeadamente na democratização das CCDR, é uma resposta ao mesmo tempo inteligente e sensata a um desafio constitucional desde 1976”. E frisou que então a Constituição consagrou “realidades que pudessem ser supramunicipais, antevendo os desafios do desenvolvimento económico, social e cultural.”

Sem deslocalização

Outro “equívoco” que o ministro adjunto faz questão de desfazer tem a ver com as competências que os municípios vão receber. Garante que “a lei das finanças locais será adequada” e tudo será “enquadrado na lei sobre organização dos serviços municipais”. Adianta que apenas os serviços mudarão de tutela e que “não haverá deslocalização de funcionários” de uma zona para outra do país.

Já sobre contratação de funcionários exigida pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) durante o processo negocial, o ministro adjunto sublinha que “as autarquias já podem contratar, pois no Orçamento do Estado para 2017 caiu para as autarquias a cláusula-travão da contratação de funcionários”, ela “só se mantém para as autarquias com dívida, que são cerca de trinta”.

Explicando as alterações que se verificarão neste domínio, Cabrita adianta que “as câmaras irão receber recursos humanos e acesso a redes de informação que são hoje do Estado central”. Quanto à situação dos funcionários afirma que “a transferência de competências leva a que a entidade patronal dos funcionários mude, passem a ser as autarquias e não as direcções-gerais”. E exemplifica: “Numa escola a entidade patronal dos funcionários não docentes passa a ser o município, e não o Ministério da Educação, mas o funcionário da escola é o mesmo e continua no mesmo sítio.” Reconhece, contudo que “há situações em que a transferência de competências obrigará à criação de chefias adequadas”.

PSD já foi a jogo

O PSD já marcou presença no debate sobre descentralização. Apresentou na mesa da Assembleia da República um conjunto de diplomas que incluem um projecto de lei sobre “descentralização de competências para os municípios e entidades intermunicipais” e três projectos de resolução, recomendando ao Governo a “reorganização e prestação de serviços de atendimento da administração pública”, a “criação de centros de serviços partilhados e valor acrescentado ao nível das entidades intermunicipais” e que se “dê continuidade ao processo de concretização da descentralização no âmbito da saúde, educação e cultura através da celebração de contratos interadministrativos”.

Na nota de apresentação dos diplomas, o PSD defende que “o anterior Governo foi o único que deu início e concretizou um processo de efectiva delegação de competências por contrato interadministrativo e acompanhado dos meios financeiros e materiais adequados”.

A transferência de competências que o PSD propõe abrange áreas que se sobrepõem aquelas que o Governo incluirá nas suas propostas: a gestão de infra-estruturas nas áreas da educação, da saúde, do apoio social, na gestão florestal, na gestão da orla costeira e na gestão territorial. Neste último domínio propõe também novas competências para as freguesias. O PSD pede ainda o reforço de competências das autarquias no domínio da medicina veterinária e segurança alimentar.