O Louvre tem uma sala vazia à espera da pintura portuguesa

Há actualmente três portugueses em exposição no museu de Paris: Baltazar Gomes Figueira, a sua filha Josefa d’Óbidos e Domingos Sequeira. Com mais um ou dois quadros, parece possível contar-se uma primeira história da arte portuguesa no Louvre.

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Chega-se lá subindo ao primeiro piso (Ala Denon), passando primeiro pela sala da Mona Lisa e da pintura italiana, depois pela da pintura espanhola, e andaluza. Mas dificilmente alguém encontrará o lugar da pintura portuguesa no Museu do Louvre se não for acompanhado por um guia. Fica ao fundo da grande sala, à esquerda: primeiro, temos um Domingos Sequeira (1768-1837), Alegoria da fundação da Casa Pia (1793/4), que retrata Pina Manique numa paisagem de Lisboa, rodeado de deuses e génios. Está ao lado de um Goya (Mariana Waldstein, ca. 1792) e de um Francisco Bayeu (A rendição de Granada, 1492), e debaixo de duas telas de grande dimensão de Francisco Herrera, “o Velho”, representando S. Boaventura e S. Basílio.

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Chega-se lá subindo ao primeiro piso (Ala Denon), passando primeiro pela sala da Mona Lisa e da pintura italiana, depois pela da pintura espanhola, e andaluza. Mas dificilmente alguém encontrará o lugar da pintura portuguesa no Museu do Louvre se não for acompanhado por um guia. Fica ao fundo da grande sala, à esquerda: primeiro, temos um Domingos Sequeira (1768-1837), Alegoria da fundação da Casa Pia (1793/4), que retrata Pina Manique numa paisagem de Lisboa, rodeado de deuses e génios. Está ao lado de um Goya (Mariana Waldstein, ca. 1792) e de um Francisco Bayeu (A rendição de Granada, 1492), e debaixo de duas telas de grande dimensão de Francisco Herrera, “o Velho”, representando S. Boaventura e S. Basílio.

Entrando pela estreita porta que dá acesso à galeria lateral, mais duas obras portuguesas, e em família: Maria Madalena confortada pelos anjos (1679), de Josefa d’Óbidos (1630-1684), e Natureza morta com peixe (1645), do seu pai Baltazar Gomes Figueira (1604-1674). Em cima, estão um Francisco Gutierrez (O festim de Ester, 1666) e um colega de Figueira em Sevilha, Francisco de Zurbarán (Santa Apolónia, 1636).

Estes são os três quadros que actualmente representam a pintura portuguesa no maior museu do mundo. E todos eles resultaram de doações, a mais recente das quais, a tela de Josefa d’Óbidos, foi feita no ano passado pelo galerista luso-francês Philippe Mendes.

“Foi, antes de mais, um gesto afectivo, uma forma de ligar Portugal a França e de afirmar o orgulho que tenho de ser português”, diz ao PÚBLICO o galerista e antiquário, proprietário de uma galeria em pleno centro de Paris, junto ao Eliseu. Mas foi também – adianta – uma forma de fazer com que “a arte portuguesa saia de Portugal e seja vista e melhor conhecida em França”; e o Museu do Louvre é naturalmente o palco privilegiado para isso.

Philippe Mendes localizou a pintura Maria Madalena confortada pelos anjos, primeiro em Londres, e depois em Nova Iorque, onde viria a adquiri-la num leilão da Sotheby’s, em 2015. Mesmo a tempo de ela ter sido incluída na exposição que nesse ano o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) dedicou à grande pintora do barroco português, em Lisboa.

A doação ao Louvre teve como contrapartida a instalação da obra de Josefa d’Óbidos ao lado da do pai, que era então a única visível no museu parisiense – na ala dedicada à arte da Andaluzia. E também a ressurreição, das reservas, da tela de Sequeira (doada ao museu por um coleccionador francês, em 1979).

Philippe Mendes preparava assim o caminho para o passo seguinte do seu ambicioso projecto: a criação no Louvre de uma sala dedicada à história da pintura portuguesa.

Guillaume Kientz, conservador do departamento de pintura espanhola, acha que esse é um programa possível, e desejável. “É tão importante para Portugal como para o Louvre, que tem por missão mostrar todos os artistas importantes de todas as escolas europeias, e mundiais, aos seus visitantes”, diz Kientz, conhecedor da obra de Josefa d’Óbidos, “a maior artista do século XVII português”.

Na visita em que guiou o PÚBLICO nesta ala do museu, o conservador justificou também o regresso da pintura de Sequeira, não apenas pela sua qualidade – e daí a colocação ao lado de Goya e do seu cunhado Francisco Bayeu –, mas igualmente pela visibilidade que o pintor português ganhou, com reflexo em França, com a operação que permitiu a aquisição do seu quadro Adoração dos Magos para o MNAA.

Kientz justificou ainda a localização actual dos três quadros portugueses – numa sala recheada de Goyas, Murillos, Zurbarán, El Greco e duas telas do atelier de Velasquez… – “por óbvias razões históricas, culturais e geográficas”. “Também podíamos dizer que é a pintura espanhola que está misturada com a pintura portuguesa! É tudo uma questão de proporção. É verdade que há muito menos pintura portuguesa actualmente, mas não sabemos como é que isso vai evoluir”, acrescenta o conservador responsável pela representação ibérica no Louvre.

E a confirmar a disponibilidade do museu para aumentar a representação lusa, Kientz conduz-nos a uma pequena sala, vazia, contígua à que acolhe 12 Tiepolos: “Esta pode vir a ser a Sala da Pintura Portuguesa, mas é preciso preenchê-la”, desafia.

E se é compreensível que para encher esse espaço sejam precisas mais do que as três telas actuais, mais importante é que o conjunto faça sentido e permita ao visitante ter uma visão histórica da arte portuguesa. “Falta-nos, por exemplo, um pintor do século XVI, o grande século da pintura”, nota Kientz, citando o nome de Nuno Gonçalves, consciente, no entanto, da dificuldade de o encontrar no mercado. “Mas se tivermos algum da geração seguinte, Francisco Henriques, Frei Carlos, Gregório Lopes ou Gaspar Vaz, todos grandes artistas europeus, podíamos começar a construir uma história da pintura portuguesa no Museu do Louvre”, diz o conservador.

A seu lado, Philippe Mendes confirma que “seria bom ter um ou dois ‘primitivos’, mas também “um quadro da primeira metade do século XVIII para fazer a ligação com a obra de Sequeira” – “Isso já nos permitiria fazer uma cronologia”, nota.

O galerista mostra-se empenhado em prosseguir o seu trabalho de procura, e também de angariação de mecenas para a sala portuguesa. E explica que, na conjuntura actual, o Louvre não está disponível para comprar pintura portuguesa – o recurso terá de continuar a ser a doação.

Ouvido também pelo PÚBLICO, o director do MNAA, António Filipe Pimentel, diz que “o museu está disposto a colaborar neste projecto” na medida em que lhe for possível. E refere mesmo a possibilidade de se fazer um depósito, à imagem do que o Metropolitan Museum, de Nova Iorque, fez com o seu congénere de Lisboa, emprestando em 2013 a tela de Frei Carlos, S. Vicente. “Mas sabemos que essa não é a política do Louvre”, acrescenta Pimentel.

Sobre a doação da pintura de Josefa d’Óbidos e a presente exposição das três obras portuguesas em Paris, o director do MNAA acredita que é um bom ponto de partida para a concretização da sala da pintura portuguesa. E realça que é o resultado de “uma feliz conjugação de circunstâncias, um círculo virtuoso”, referindo-se, por um lado, à militância de Philippe Mendes, mas também ao trabalho científico realizado no MNAA, que, com a exposição dedicada a Josefa d’Óbidos, mostrou ao mundo das artes a importância de uma figura até aqui “considerada uma personagem pitoresca, mas menor”. “Ela era vista como uma artista prendada que pintava bolinhos e meninos enfeitados como arrufadas, mas, com a nossa exposição, passou a ser uma pintora com a grandeza e a espessura que lhe permitiram integrar a plêiade dos grandes artistas do século XVII e do movimento barroco”, acrescenta Pimentel.

Além das três pinturas atrás referidas, o centro de documentação do Museu do Louvre refere a existência de uma outra atribuída a um primitivo português, Álvaro Pires de Évora (século XV), S. Jerónimo a ler, mas tanto a biografia do artista como a autoria do quadro suscitam dúvidas.

Fora de questão parece estar definitivamente o caso de Homem com copo de vinho, que no século passado chegou a ser atribuído a Nuno Gonçalves, mas a investigação-comparação feita em Lisboa, aquando da exposição Primitivos Portugueses (2010/11), levou ao abandono dessa possibilidade – que inclusivamente tinha inspirado um poema de Vasco Graça Moura.

“Chegou-se mais ou menos a acordo sobre que não só não é de Nuno Gonçalves, como nem sequer será português; talvez seja francês, mas sempre com um ponto de interrogação”, explica Guillaume Kientz, referindo que o quadro é actualmente exibido na ala das colecções francesas.