Conflitos de interesse e questões éticas da Administração Trump na mira do Congresso

As audiências de confirmação das personalidades escolhidas por Trump para o seu governo vão marcar o tom das relações entre o Congresso e a Casa Branca

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O senador do Alabama, Jeff Sessions, foi um dos primeiros apoiantes da candidatura de Donald Trump Reuters/MARVIN GENTRY

Conflitos de interesse, racismo, nepotismo ou inaptidão: o Senado dos Estados Unidos identificou, nas personalidades escolhidas por Donald Trump para compor o seu governo, muitos dos problemas éticos, ideológicos e de falta de transparência ou de preparação que também encontram no Presidente eleito.

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Conflitos de interesse, racismo, nepotismo ou inaptidão: o Senado dos Estados Unidos identificou, nas personalidades escolhidas por Donald Trump para compor o seu governo, muitos dos problemas éticos, ideológicos e de falta de transparência ou de preparação que também encontram no Presidente eleito.

Sem poder para interpelar Trump directamente sobre as implicações desses constrangimentos no desempenho do cargo, os legisladores no Senado querem aproveitar o processo de audiências de confirmação para manifestar reservas e expor as fragilidades da futura Administração, que é quase um reflexo ao espelho do próprio Presidente eleito. Donald Trump rodeou-se de milionários, nacionalistas, indivíduos sem qualquer experiência de governação ou serviço público e também da família: a nomeação do seu genro, Jared Kushner, para conselheiro da Casa Branca foi interpretada pela imprensa norte-americana como o primeiro sinal de como o futuro Presidente está disposto a testar ou mesmo quebrar os limites da lei.

Além do mais, parte da equipa escolhida por Trump partilha com ele a mesma repugnância pelo “sistema” da política tradicional, e idêntica disposição para ignorar ou desrespeitar as convenções – será interessante perceber como vai reagir o establishment de Washington perante a perspectiva de um ataque “existencial”. A sua postura mais belicosa ou mais conivente pode marcar o tom da futura relação do Congresso com a Casa Branca.

O Presidente eleito prometeu elucidar todas as dúvidas e responder às questões numa conferência de imprensa que foi originalmente marcada para 15 de Dezembro e depois adiada para esta quarta-feira, supostamente porque os seus advogados precisavam de mais tempo para estudar a melhor maneira de separar Trump da sua teia de negócios. No entanto, a sessão com a imprensa – que será a primeira vez que responderá a perguntas desde Julho – ainda não foi oficialmente confirmada.

O primeiro a experimentar a sindicância do Senado foi o senador do Alabama Jeff Sessions, nomeado para o cargo de Procurador- geral, equivalente ao de ministro da Justiça. Como veterano da bancada republicana, tinha o respaldo dos senadores conservadores, que elogiaram a sua “dedicação à causa pública” e a sua natureza “genuinamente decente, imparcial e justa”. Pelo seu lado, a minoria democrata lembrou que Sessions tem de “assegurar-se que a lei e a Constituição são respeitadas acima de tudo o resto”, para questionar a independência de Sessions. “Vai ser independente da Casa Branca? Vai ser capaz de dizer não ao Presidente?”, quis saber, assinalando que Trump ainda não tomou posse e já existe “enorme preocupação e ansiedade” com as políticas da sua Administração.

Linha de ataque

Apesar de não ter a confirmação em risco, Sessions passou a audiência na defensiva, tendo que justificar posições polémicas sobre a imigração, a tortura, o aborto, o casamento de casais do mesmo sexo ou a legalização da marijuana. O senador também quis refutar alegações sobre o seu passado, negando simpatias pela segregação racial. “Odeio o Ku Klux Klan e a sua tenebrosa ideologia”, afirmou, para desmentir acusações de racismo – que de resto já tinham estado na base do chumbo da sua nomeação para juiz federal em 1986. “Compreendo a história do movimento pelos direitos cívicos, porque fui testemunha do terrível impacto que a discriminação implacável e sistémica, e a negação do direito ao voto, tiveram sobre os nossos irmãos e irmãs afro-americanos”, declarou.

Sessions procurou rebater o argumento da oposição de que as suas opiniões e convicções pessoais o inabilitam para o cargo que vai ocupar, uma vez que a sua missão extravasa a gestão do Departamento de Justiça: também cabe ao Procurador-geral aplicar a Justiça em nome do governo federal, iniciando investigações e apresentando acusações em tribunal. Os democratas quiseram saber qual seria a sua em relação ao processo dos emails privados de Hillary Clinton, ou ao caso dos ataques informáticos da Rússia aos servidores da candidatura da rival presidencial de Trump. Sobre o primeiro caso, Sessions lembrou que “no país não existe punição para inimigos políticos” mas prometeu pedir escusa se novas investigações forem abertas contra a democrata. Quanto ao segundo, esclareceu “não dispor de nenhuma informação” sobre o assunto.

A exposição das ideias e do passado de Sessions, serviu de abertura para atacar Donald Trump, através da associação do futuro Presidente às opiniões do senador: o raciocínio é que quem escolhe nomear um alegado racista também é racista. E essa é a estratégia que a bancada democrata pretende seguir nas audições dos outros nomeados cujas declarações, habilitações, conexões, riqueza e percurso pessoal oferecem munições de sobra para uma prolongada batalha política no Congresso.

Por exemplo, a recusa de vários dos nomeados em cumprir com as exigências do gabinete de ética do Congresso, apresentando declarações de rendimento, mostra até que ponto o futuro Presidente (que também não o fez) está disposto a governar sem transparência e a beneficiar do cargo para promover os seus próprios interesses. A ligação dos principais responsáveis pela condução da política financeira e económica da futura Administração ao banco Goldman Sachs e fundos de investimento compromete a promessa de pôr fim à influência de Wall Street e à corrupção nos corredores do poder. E a amizade pessoal de Rex Tillerson, o CEO da petrolífera Exxon Mobil indicado para secretário de Estado, com o Presidente da Rússia, ameaça a independência da Casa Branca na definição da política externa dos EUA.

No caso particular do homem indicado por Donald Trump para chefiar a diplomacia norte-americana, Donald Trump corre mesmo o risco de ver a nomeação barrada por dois senadores republicanos, John McCain e Lindsey Graham, que mantêm a sua intenção de votar contra Tillerson.