Vinil ultrapassou pela primeira vez a música digital no Reino Unido, mas há um lado B

Os discos estão mais caros e na moda, mas o digital continua a dominar. Este marco histórico é uma mistura de Natal e do que é ser fã.

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NELSON GARRIDO

É uma ascensão, e um regresso, amplamente documentados: “o velho vinil está a renascer”; “o triunfo do vinil”; “o outro lado da crise da indústria discográfica”. São títulos do PÚBLICO de 2005, 2006 ou 2008, com 2014 a marcar a entrada de um novo disco em vinil como o mais vendido em 20 anos. E agora, 2016, o ano em que na importante indústria musical britânica as receitas das vendas dos discos no velhinho vinil destronaram pela primeira vez as de música digital.

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É uma ascensão, e um regresso, amplamente documentados: “o velho vinil está a renascer”; “o triunfo do vinil”; “o outro lado da crise da indústria discográfica”. São títulos do PÚBLICO de 2005, 2006 ou 2008, com 2014 a marcar a entrada de um novo disco em vinil como o mais vendido em 20 anos. E agora, 2016, o ano em que na importante indústria musical britânica as receitas das vendas dos discos no velhinho vinil destronaram pela primeira vez as de música digital.

As notícias deste novo momento triunfal dos discos mais analógicos do mercado estão recheadas de termos associados às modas mas também à época de festas que agora começa - falam de hipsters, de nostalgia e de Natal. Melómanos e não só terão contribuído para o marco que na semana passada se assinalou, quando pela primeira vez na história os britânicos gastaram mais dinheiro a comprar vinil do que em descargas digitais de música.

Os dados são da Entertainment Retailers Association (ERA) britânica, que divulgou que se gastaram 2,8 milhões de euros em discos de vinil e 2,4 milhões em formatos digitais. Há exactamente um ano, recorda o Guardian, os números eram bem díspares. Compraram-se 1,2 milhões de euros em vinil contra 5,1 milhões em música digital. O mesmo diário nota que, desde 2008, o crescimento da força do vinil no mercado foi constante depois dos anos mais duros do início do século XX e da quase extinção.

Ainda assim, há que ver as nuances destes números e das suas circunstâncias. Na semana passada foram vendidos 120 mil álbuns de vinil no Reino Unido e foram vendidos 295 mil em versão digital – em unidades, o digital continua a vender mais. A moda também tem um efeito nos preços, que subiram no caso dos discos raiados em vinil e por isso se torna mais fácil gerar mais receita.

No cômputo geral, o vinil representa apenas 2% do mercado musical. Que, por seu turno, também está a crescer. Em 2015, segundo a Federação Internacional da Indústria Fonográfica, o mercado musical mundial cresceu 3,2% e as vendas digitais foram pela primeira vez a principal fonte de receita, representando 45% do mercado.

Por outro lado, este boom do vinil surge a menos de um mês de Natal e Kim Bayley, presidente da ERA, atribui aos presentes da época de festas parte da responsabilidade. E também tem tudo a ver com a oferta a ir ao encontro da procura. Não só “agora a vasta maioria das edições sai em vinil” novamente mas também cada vez mais lojas vendem vinil – não só lojas de música, mas sobretudo lojas de vestuário, de decoração ou supermercados que não têm sequer outros suportes disponíveis. E em lojas/editoras míticas como a Rough Trade de Londres, diz o Guardian, até se aumentaram as prateleiras para os LP. O vinil, em tempos o formato dominante, volta a estar presente de uma forma que a cassete, ela própria sujeito de um comeback sectorial, certamente inveja.

“Há não muito tempo, o download digital era suposto ser o futuro. Poucos teriam previsto que o formato do álbum, inventado em 1948 e baseado em imprimir uma música num pedaço de plástico, estaria a vender mais que o digital em 2016”, disse Kim Bayley à BBC.

O factor coleccionável, que não é isento das modas, entra também nas contas. Uma sondagem da BBC mostrou no início deste ano que 48% dos seus inquiridos admitiam que não punham a tocar os discos de vinil que compravam e que 7% nem sequer eram proprietários de um gira-discos. A ligação à música digital estava também presente nesse estudo de opinião, indicando que quem ouve música em serviços de streaming como o Spotify ou idênticos compra mais vinil quando é mesmo fã do artista que ouve.

“As pessoas tornaram-se propensas a apoiar os seus músicos favoritos ao entrar nesse conceito de propriedade”, do mais tangível que é ter o objecto musical na mão, opina Kim Bayley. E há outras que simplesmente continuam a comprar alguns dos álbuns de veteranos como Kate Bush ou compilações como Now That’s What I Call Christmas – alguns dos títulos mais vendidos na semana passada, com o triplo Before the Dawn de Bush a ser vendido por 60 euros e a versão digital da mesma actuação a valer 14 euros.

Um dos lados mais positivos desta ressurgência do vinil é o impacto que tem nos bolsos dos artistas, cada vez mais dependentes das actuações ao vivo para fazer dinheiro. A associação britânica de editoras BPI divulgou este ano um estudo em que se mostrava que as vendas de vinil de 2015, que renderam 29,4 milhões de euros em receitas no ano passado, geraram mais dinheiro para os músicos do Reino Unido do que o YouTube.

O site de vídeos, onde se faz uma parte significativa do consumo musical actual, divulgou esta semana, aliás, que nos últimos 12 meses pagou 932 milhões de euros de receitas vindas da publicidade à indústria musical. É um número contestado por fontes do sector e que surge no âmbito de relações difíceis entre o agregador e a indústria no que toca aos direitos. Mas “isto é só o princípio”, escreveu Robert Kyncl, responsável pelo negócio do YouTube num blogue da empresa. “À medida que mais dinheiro da publicidade vai da TV, rádio e imprensa para os serviços online, a indústria musical vai gerar ainda mais receitas dos anúncios. No futuro, a indústria musical tem a oportunidade de se parecer muito com a televisão, onde as subscrições e a publicidade contribuem mais ou menos o mesmo para as receitas, apoiada nas vendas digitais e físicas”.