Lisboa com legendas – reclames que não são de deitar fora

Cidade Gráfica. Letreiros e reclames de Lisboa no século XX está fora das portas do Mude, mas ainda no centro da cidade, para mostrar décadas de néon, publicidade e fachadas.

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A antiga loja de penhores tem a garantia no nome: A Lealdade Lda., fundada em 1916. E a exposição que este letreiro integra, Cidade Gráfica. Letreiros e reclames de Lisboa no século XX, inaugurada este sábadotem um ligeiro alívio logo na casa de partida – foi guardada uma pequena parte do património de néon, das letras em metal, das portas de vidro de letras serifadas, com arrebiques e elegância, que são nomes de lojas, reclames e marcas, mas sobretudo uma espécie de legendas da paisagem urbana.

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A antiga loja de penhores tem a garantia no nome: A Lealdade Lda., fundada em 1916. E a exposição que este letreiro integra, Cidade Gráfica. Letreiros e reclames de Lisboa no século XX, inaugurada este sábadotem um ligeiro alívio logo na casa de partida – foi guardada uma pequena parte do património de néon, das letras em metal, das portas de vidro de letras serifadas, com arrebiques e elegância, que são nomes de lojas, reclames e marcas, mas sobretudo uma espécie de legendas da paisagem urbana.

No antigo Convento da Trindade, em pleno Chiado, a segunda exposição do Mude Fora de Portas (os meses em que a sede do Museu do Design e da Moda está em obras e a programação sai para novas moradas) é tipografia e uma cidade a mudar, a sua relação com a publicidade e com a vida económica. O Rossio quando tinha néons nos telhados a toda a volta e a livraria do Diário de Notícias e o seu tipo de letra gótico inconfundível na esquina. A Estefânia quando até há meses tinha uma Tarantela cor de mel a servir bolos, o Rei das Fardas de coroa amarela acesa ou as portas guarda-vento de uma alfaiataria da Baixa pintadas com esmero.

Rita Múrias e Paulo Barata são designers gráficos, um casal e fundadores do seu Projecto Letreiro Galeria, que nasceu em 2014 quando começaram “a fazer um registo fotográfico de fachadas". "Percebemos que de uma semana para outra os letreiros já não estavam lá”, lembram. É esse projecto que serve de base à exposição que comissariam e que contém 75 peças de várias épocas: filmes (RTP), plantas e documentos dos arquivos da Câmara de Lisboa, bem como algumas reproduções ou fotografias do que já foi e já não é, como a fachada do Cinema Império, que já não é cinema, mas que na geografia oral da cidade será sempre o que as suas letras diziam. 

Eles, e outros designers como eles, repararam na riqueza do que diziam os rostos do edificado de Lisboa – no seu design, na sua variedade. Aliás, há exactamente dez anos, a Association Typographique Internationale (ATypI), dedicada aos tipos de letra e à tipografia, fez uma visita guiada no centro histórico de Lisboa para se maravilhar com a quantidade de "velhos letreiros de lojas, usando os velhos métodos de produção, que sobreviveram”.

Em Londres, dizia na altura ao PÚBLICO Phil Baines, professor de tipografia e curador no Central Lettering Record, da Central Saint Martins College of Art & Design, “resistiram cerca de 20%; em Lisboa mantêm-se dois terços”. Hoje, a proporção ter-se-á alterado, e muito. Fazer esta exposição, diz a directora do museu municipal, Bárbara Coutinho, é “muito importante no momento que estamos a viver, de mudança rápida e muito abrupta de Lisboa – sobretudo no seu centro histórico e nomeadamente com o encerramento dos estabelecimentos de comércio tradicional e a perda do património vivo”.

Os comissários contam como o seu armazém cheio de letreiros, agora bem mais vazio com dois terços da colecção na mostra do Mude, se foi fazendo de muitos donativos, de algumas compras e de muitas voltas pela cidade, folhetos distribuídos e conversas com lojistas ou novos proprietários de velhas lojas. “Só temos dois letreiros que já estavam fora da fachada”, quando a eles chegaram, diz Paulo Barata sobre peças emprestadas (como as letras do DN, cedidas pelo Grupo Leya), os restantes foram resgatados in loco.

É preciso, diz Bárbara Coutinho, sensibilizar “o público sobre o património que ainda é possível preservar”, e os lojistas ou os proprietários de que aquelas letras e reclames não são de deitar fora.

“Os nossos maiores concorrentes são o lixo e as lojas vintage”, diz Paulo Barata sobre o renascer do interesse por estes objectos na sua versão decorativa e comercial, “que descaracterizam os letreiros e vendem as letras individualmente”. Têm mercado porque há um afecto renovado. “Quando se entra aqui”, na exposição, “ou se entra no nosso armazém, há um momento de design industrial muito forte. As pessoas sentem que já estiveram ali, há um regressar às suas memórias”, diz Rita Múrias no primeiro dos dois andares de Cidade Gráfica .

É que “a cidade não se faz só de arquitectura e urbanismo, faz-se muito do seu grafismo”, explica Bárbara Coutinho, sobre uma exposição que está organizada por tipologia e materiais, que identifica autorias como a do arquitecto Raul Tojal, com vários trabalhos na cidade, ou o trabalho de empresas como a Neolux ou a Apamilux.

“Sobretudo nos anos 1950, 60 e 70, Lisboa procura ser mais moderna e cosmopolita, e a cidade tinha uma identidade e uma qualidade gráfica que era diferente de dia e de noite”, descreve Coutinho. A cidade acendia-se e ficava outra, e o desenho das letras, como as técnicas de feitura dos letreiros, iluminam agora as ligações entre ambas as dimensões desta técnica.

Entre a colecção e o que foi aprofundado com os arquivos da CML e da Fundação Gulbenkian com imagens e planos de uma Lisboa desaparecida, Cidade Gráfica está até 18 de Março no centro da capital. Será também um livro, sobretudo documental, diz Bárbara Coutinho.

Entretanto, os comissários trabalham numa tese de doutoramento sobre o tema e sonham com um museu, como o que existe em Berlim e que os inspirou a criar o Projecto Letreiro Galeria, para juntar o que inevitavelmente é um work in progress.