Padre Freitas: Igreja, carisma e serviço

Arrojada, foi também a forma como, por volta de 1983-1984, introduziu o ensino misto num colégio que sempre fora exclusivamente masculino.

1. Falar do Padre Freitas é falar de carisma. Foi sem dúvida, em todos os campos do conhecimento e da acção com que fui lidando – seja a academia, seja a cultura, seja a política, seja a religião, seja a vida empresarial –, a pessoa mais carismática que conheci. Confesso: não conheço poucas e não conheço muitas – conheço as conheço, ponto. Mas nessa esfera média de conhecimentos que é a minha, ninguém o igualou em capacidade de inspirar, de motivar, de marcar, de influenciar, de convencer. E de o fazer, indistinta e discretamente, entre a razão e a emoção. Ninguém se equiparava também, digo-o bem certo do que estou a dizer, em capacidade de fazer e, mais do que isso, em engenho de “fazer” fazer. A sua cultura era poderosa, a sua inteligência era fulgurante, a sua palavra era penetrante, o seu exemplo era desconcertante, a sua simplicidade era desarmante. A sua sageza, o seu bom senso, a sua ciência da natureza humana, a sua compaixão para com as fraquezas e as grandezas dos seus semelhantes, a sua longa e profunda experiência pedagógica, a sua excelência universitária que a todos os colegas fez pasmar – tudo isto e tudo isso fazia dele um homem de excepção, um homem da Providência: em suma, um homem providencial. Um homem providencial no sentido religioso; mas outrossim um homem providencial no sentido político. Se não tivesse sido uma vocação sacerdotal, o Padre Freitas teria sido um enorme homem político. Como escrevi num livro que lhe dediquei – Uma Democracia Sustentável, 2010 – foi um “estadista sem Estado”.

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1. Falar do Padre Freitas é falar de carisma. Foi sem dúvida, em todos os campos do conhecimento e da acção com que fui lidando – seja a academia, seja a cultura, seja a política, seja a religião, seja a vida empresarial –, a pessoa mais carismática que conheci. Confesso: não conheço poucas e não conheço muitas – conheço as conheço, ponto. Mas nessa esfera média de conhecimentos que é a minha, ninguém o igualou em capacidade de inspirar, de motivar, de marcar, de influenciar, de convencer. E de o fazer, indistinta e discretamente, entre a razão e a emoção. Ninguém se equiparava também, digo-o bem certo do que estou a dizer, em capacidade de fazer e, mais do que isso, em engenho de “fazer” fazer. A sua cultura era poderosa, a sua inteligência era fulgurante, a sua palavra era penetrante, o seu exemplo era desconcertante, a sua simplicidade era desarmante. A sua sageza, o seu bom senso, a sua ciência da natureza humana, a sua compaixão para com as fraquezas e as grandezas dos seus semelhantes, a sua longa e profunda experiência pedagógica, a sua excelência universitária que a todos os colegas fez pasmar – tudo isto e tudo isso fazia dele um homem de excepção, um homem da Providência: em suma, um homem providencial. Um homem providencial no sentido religioso; mas outrossim um homem providencial no sentido político. Se não tivesse sido uma vocação sacerdotal, o Padre Freitas teria sido um enorme homem político. Como escrevi num livro que lhe dediquei – Uma Democracia Sustentável, 2010 – foi um “estadista sem Estado”.

 2. João de Freitas Ferreira nasceu na freguesia do Faial, concelho de Santana, Madeira, em 1933 – por acaso que não descuro, o ano de nascimento do meu pai. Cedo ingressou no seminário aos 12 anos, como era hábito nos anos quarenta. Fez já o noviciado nos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia, e, em 1954, professou votos perpétuos na Ordem dos Missionários do Coração de Maria, mais conhecidos por missionários claretianos. Nesse mesmo ano, rumou a Francoforte sobre o Meno, onde se haveria de licenciar em teologia, na universidade jesuíta de St. Georgen em 1958. Nesse ano, 1958 foi também ordenado sacerdote católico na cidade alemã de Weisserhorn.

3. É tudo o que sei até ao ano iniciático de 1974. Nesse ano foi nomeado Director do Colégio Internato dos Carvalhos, cargo que ocuparia 27 anos até 2001. E a partir dali, já no final dos setenta, comecei a ouvir falar no Padre Freitas; o seu colégio era como alguns outros no país uma instituição lendária, famoso em todo o país pelo rigor da sua disciplina e pela excelência do seu ensino.

O colégio vinha ainda de uma tradição educacional repressiva. A chegada do Padre Freitas à direcção do colégio abre um tempo novo: ciente de múltiplas resistências, conseguiu gradualmente erradicar a prática de aplicação de castigos físicos. E rapidamente, encetou um processo de modernização do colégio, aproveitando a plêiade extraordinária de professores que por ali tinha e que, verdade seja escrita, pelo seu saber e pela sua pedagogia, mais pareciam universitários.

Uma das suas causas tornou-se, nos anos difíceis do pós-revolução, a liberdade de ensino. Foi um membro proeminente da luta por essa liberdade, ao lado dos jesuítas Amadeu Pinto e Nuno Burguete, designadamente nessa grande jornada que foi o III Congresso do Ensino Particular e Cooperativo (Lisboa,1983). Outra, bem mais perene, foi a luta incansável pela introdução do ensino técnico-profissional e profissional nos currículos do secundário e até do básico. Trabalhou arduamente com vários Ministros da Educação, mas muito intimamente com José Augusto Seabra, que havia sido seu professor na Faculdade de Letras do Porto, quando, a rondar os 50 anos, se abalançou a uma segunda licenciatura e ao mestrado. Contra ventos e marés, no final dos anos oitenta e nos anos noventa, transformou o Colégio dos Carvalhos numa escola de referência do ensino técnico e tecnológico, franqueado à frequência de todas as classes sociais. Esta era sua grande causa, decerto aprendida na Alemanha, onde o sistema de ensino dual e a sua contribuição para a mobilidade social o marcaram indelevelmente.

A importância que deu ao desporto na formação dos alunos foi constante. Apaixonado pelo voleibol – disciplina em que as equipas do colégio chegaram bem longe –, deu prioridade à educação física e aos desportos de equipa como pilares da integração e de desenvolvimento. Arrojada, foi também a forma como, por volta de 1983-1984, introduziu o ensino misto num colégio que sempre fora exclusivamente masculino. Ele não acreditava na educação segregada e promoveu, ciclo a ciclo, dos mais altos para os mais baixos, a formação de turmas mistas. Muito importante foi também a sua tenaz resistência ao sistema de internato, que ele sempre viu como um serviço, mas que considerava a ultima ratio de qualquer estabelecimento educativo. Internos, só em casos excepcionais, devidamente avaliados e justificados. Absolutamente excepcional era o modo como estimulava a que as artes – a escrita, o teatro, o desenho, a música – entrassem na vida diuturna do colégio. E com igual entusiasmo a abertura às novas tecnologias, mesmo quando elas ainda eram só o incipiente radio-amadorismo.

4. Mais importante é naturalmente o seu lado humano. A paixão pela literatura e por Camões, que conhecia e recitava como ninguém. O amor incomensurável que devotava ao Evangelho de João, que era fonte inesgotável da sua meditação. A disposição para receber pais e aquietar as suas angústias. O modo verdadeiro e honesto com que falava e se dirigia a todos os alunos. O orgulho que sentia em ver centenas de miúdos ditos problemáticos a singrarem na vida.  A felicidade com que recebeu o convite para em 1986 presidir às bodas de prata de casamento de meus pais e em 2011, já com primeiros sinais de doença, presidir às bodas de ouro. O Padre Freitas foi Igreja, foi carisma, mas não quis ser poder. Preferiu ser serviço.

SIM e NÃO

SIM. François Fillon. Conseguiu um feito memorável, evitando a colagem à direita radical de Sarkozy e à herança do velho “establishment” de Juppé. Caso para dizer: “chappeau”.

NÃO. Nicholas Sarkozy. O terceiro lugar nas primárias dos Republicanos mostram que a sua aproximação ao discurso de Le Pen e o seu distanciamento da Europa não vingaram entre o eleitorado moderado.