Se Fillon enfrentar Marine Le Pen, em quem votará a esquerda francesa?

Surpresa na escolha de candidatos do centro direita baralha ainda mais as cartas para as presidenciais de 2017.

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O novo favorito dos conservadores é tão à direita com Sarkozy Martin Bureau/AFP

Se François Fillon for mesmo o candidato do centro direita para disputar as presidenciais francesas em 2017 e passar à segunda volta com Marine Le Pen, será capaz de convencer os eleitores de esquerda a votar nele? A resposta a esta pergunta vale o Palácio do Eliseu e o futuro de França, e o “sim” é bem menos garantido do que se fosse Alain Juppé, que vai disputar com Fillon a segunda volta das primárias, no próximo domingo, mas em posição de desvantagem.

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Se François Fillon for mesmo o candidato do centro direita para disputar as presidenciais francesas em 2017 e passar à segunda volta com Marine Le Pen, será capaz de convencer os eleitores de esquerda a votar nele? A resposta a esta pergunta vale o Palácio do Eliseu e o futuro de França, e o “sim” é bem menos garantido do que se fosse Alain Juppé, que vai disputar com Fillon a segunda volta das primárias, no próximo domingo, mas em posição de desvantagem.

Durante largos meses, Alain Juppé, a ex-primeiro-ministro do Presidente Jacques Chirac, foi apontado pelas sondagens como o vencedor anunciado das primárias, face a Nicolas Sarkozy, que tinha regressado à política para repor a ordem no partido fracturado e tentar reconquistar a presidência, que François Hollande lhe tinha arrebatado nas eleições de 2012, numa renhida competição. A estratégia de se colar ao discurso de extrema-direita da Frente Nacional (FN) não estava a dar bons resultados em 2016, tal como em 2012.

Mas nas últimas semanas, houve uma reviravolta de que foi protagonista François Fillon, o primeiro-ministro de Sarkozy, que o ex-Presidente não se cansou de humilhar ao longo dos cinco anos do seu mandato - entre outros epítetos, chamou-lhe o seu “colaborador”, como um patrão designaria um funcionário, ou até “Mr. Nobody”. Acabou por ter 44,1 % dos votos na primeira volta e uma sondagem atribui-lhe 56% das intenções de voto na segunda volta.

Os debates televisivos com os sete candidatos das primárias de centro-direita, em que Fillon se destacou projectando uma imagem de político “sério”, com um projecto sólido, criticando os jornalista por tentarem criar um espectáculo fez um clique com o eleitorado que não queria Sarkozy mas preferia alguém mais tradicionalmente de direita do que Juppé, sobretudo que ao contrário dele, não se tivesse aliado aos partidos do centro, que apoiaram Hollande na segunda volta, em 2012, possibilitando a chegada aos socialistas ao poder.  

O entendimento da campanha de Juppé com François Bayrou, do MoDem, que se comprometeu a não se candidatar à presidência se Juppé fosse o candidato saído das primárias, transformou-se numa desvantagem por acção da campanha de Sarkozy. “Bruscamente, Juppé foi deportado para a esquerda, tornado insípido por causa do seu compromisso com o centro”, escreveu a editorialista do Le Monde Françoise Fressoz. Foi a partir do início desta operação de descredibilização da campanha de Sarkozy que Fillon começou a subir.

Fillon impôs-se com o apoio da direita católica mais conservadora, de província - ao contrário de Juppé, que defendeu uma França laica e tolerante face ao Islão. Aliás, uma das chaves do sucesso de Fillon foi ter o apoio de uma das organizações saídas do movimento de contestação à lei do casamento gay – a direita que quer mudar as reformas da governação socialista de François Hollande.

Uma das marcas fortes de François Fillon é o programa de reformas neoliberais “digno dos anos 1980”, inspirado em Margaret Thatcher, como diz o editorial do Le Monde. Dá corpo a uma ideia que ele expressou já em 2007, nos seus primeiros tempos como primeiro-ministro: a que “França é um Estado em falência”. Sarkozy corrigiu na altura o arrojo do “colaborador”.

Agora, propõe um “choque liberal” para fazer uma redução de 100 mil milhões de euros na despesa pública. Para isso, quer despedir meio milhão de funcionários públicos, aumentar a idade da reforma para os 65 anos em 2022, e acabar com as 35 horas semanais - se chegar à presidência, quer fixar como limite as 48 horas, o máximo autorizado pelo direito europeu.

Ideias pouco populares com a esquerda, mas que darão também munição à Frente Nacional de Marine Le Pen  - forte entre trabalhadores e operários, sobretudo no Norte de França.

O novo favorito dos conservadores é tão à direita com Sarkozy - mas com uma patine mais refinada. Enquanto o ex-Presidente fazia campanha dizendo que as crianças que não comessem carne de porco nas cantinas escolares podiam ficar-se com dose dupla de batatas fritas, Fillon publicou, dois meses após o atentado de Nice (a 14 de Julho) um livro de 150 páginas sobre como lutar contra o terrorismo (Vaincre le totalitarisme islamique).

O PS gere o choque de ter perdido o que considerava o candidato quase certo, Sarkozy. François Hollande acreditou, durante muito tempo, que haveria uma reedição do combate de 2012. Conhecidos os resultados, dirigentes socialistas chegaram-se à frente para criticar Fillon como o “candidato da Manif pour tous [contestação à lei do casamento gay], de ideias conservadoras e ultra-liberais”.

Mas também há que ver a posição do primeiro-ministro Manuel Valls, que ainda não se declarou oficialmente candidato, mas que se distancia cada vez mais do Presidente, preparando o momento de avançar, face à vez mais improvável (ou impossível) recandidatura de Hollande. Raros são os exemplos de um primeiro-ministro que tenha conseguido candidatar-se, com sucesso, após o Presidente sob o qual serviram - ainda mais contra ele. “Houve Georges Pompidou, em 1969. E talvez François Fillon em 2017”, diz a editorialista do Le Monde Françoise Fressoz. É um desafio para Valls.