Procurador queria controlo mais apertado para skinheads

Ministério Público pediu prisão preventiva para um dos 21 suspeitos e para todos os outros a proibição de frequentarem certos locais. Juíza optou apenas por apresentação às autoridades.

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Entre as 20 vítimas (negros, comunistas, homossexuais e judeus) deste processo várias identificaram os seus alegados agressores AFP PHOTO/ PATRICIA DE MELO MOREIRA

O Ministério Público pediu medidas de coacção mais pesadas do que as que foram aplicadas pela juíza de instrução aos 21 skinheads detidos na semana passada numa operação levada a cabo pela Unidade Nacional de Contra-Terrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária, confirmou a Procuradoria-Geral da República (PGR) ao PÚBLICO.

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O Ministério Público pediu medidas de coacção mais pesadas do que as que foram aplicadas pela juíza de instrução aos 21 skinheads detidos na semana passada numa operação levada a cabo pela Unidade Nacional de Contra-Terrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária, confirmou a Procuradoria-Geral da República (PGR) ao PÚBLICO.

O procurador da 11.ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, que dirige o inquérito, pediu a prisão preventiva para um dos suspeitos, mas a juíza de instrução apenas o obrigou a apresentar-se diariamente às autoridades policiais. Todos acabaram por sair em liberdade, apesar de alguns estarem indiciados por crimes como tentativa de homicídio, ofensa à integridade física qualificada, discriminação racial, religiosa ou sexual, entre outros.

Relativamente aos restantes 20 arguidos, segundo a PGR, o Ministério Público pediu que fossem aplicadas cumulativamente três medidas de coacção: a proibição de utilizarem determinado material de propaganda, a proibição de frequentarem certos locais e a obrigação de se apresentarem semanalmente no órgão policial da área da residência. Mas a juíza de instrução considerou suficiente que os skinheads ficassem sujeitos apenas a apresentações periódicas às autoridades: alguns têm de fazê-lo semanalmente, outros quinzenalmente e um mensalmente. Um outro ficou simplesmente sujeito ao termo de identidade e residência, uma medida aplicada a qualquer arguido.

Questionado pelo PÚBLICO sobre se pretende recorrer de alguma das medidas de coacção aplicadas, a PGR não fecha a porta a essa possibilidade. “O Ministério Público encontra-se a analisar a decisão, com vista a uma tomada de posição”, refere a resposta da Procuradoria.

Vítimas identificaram agressores

O arguido para quem o Ministério Público tinha pedido a prisão preventiva é suspeito de ter participado numa tentativa de homicídio de um jovem negro na estrada de Benfica, em Lisboa, em Novembro de 2013. A vítima foi esfaqueada várias vezes pelos seus agressores, além de ter sido atingida a soco e a pontapé. O suspeito que escapou à prisão preventiva foi identificado pela vítima num reconhecimento feito após a sua detenção.

Entre as 20 vítimas (negros, comunistas, homossexuais e judeus) deste processo – que reuniu cerca de uma dezena de episódios violentos ocorridos entre Novembro de 2013 e Setembro de 2015 – várias identificaram os seus alegados agressores, após a operação policial da semana passada, o que reforçou a prova existente no processo.

Esta investigação começou em Setembro do ano passado após uma agressão violenta de um militante do Partido Comunista Português à saída de um comício da CDU no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Este caso serviu como um alerta para as autoridades que foram depois procurar outros crimes de ódio associados ao movimento skinhead, agregando vários inquéritos que corriam de forma isolada.

Para pedir a aplicação de todas as medidas de coacção, o Ministério Público invocou a existência de dois perigos, o de perturbação do inquérito e o de continuação da actividade criminosa, ainda que em graus diferentes face às imputações feitas a cada um dos arguidos. Mas a juíza de instrução apenas considerou que existia perigo de continuação da actividade criminosa.

Seguranças, estudantes, um guarda prisional...

A maior parte dos suspeitos — seguranças privados, estudantes, desempregados e um guarda-prisional — faz parte do grupo Portuguese Hammerskin (PHS) que integra um movimento de extrema-direita considerado o mais violento e organizado do mundo.

Uns dias após a operação da PJ, no domingo passado, o Partido Nacional Renovador (PNR) fez questão de se manifestar em Lisboa contra a imigração à mesma hora que um protesto organizado em defesa dos direitos dos imigrantes. A polícia acabou por deter para identificação o vice-presidente do partido, que, quando os dois protestos se cruzaram na mesma praça, violou os limites estabelecidos pela polícia para a manifestação dos nacionalistas.

Houve ainda relato de um ataque violento, por elementos que estariam na manifestação do PNR, a dois espanhóis, noticiou o jornal i. Contudo, o porta-voz do comando metropolitano da PSP, Sérgio Soares, diz que nenhum polícia se apercebeu de nada e garante que não foi apresentada qualquer queixa.

Não há, contudo, qualquer relação entre o protesto do PNR, que foi comunicado às autoridades em Outubro, e a operação da PJ que ocorreu terça e quarta-feira da semana passada — aliás, fonte da UNCT garante que actualmente não existe qualquer ligação entre o grupo Portuguese Hammerskin e o PNR. Há uns anos havia pessoas que faziam parte das duas organizações, sendo o antigo líder dos PHS, Mário Machado (que se mantém preso), um importante membro daquele partido. O actual cabecilha dos Portuguese Hammerskin terá passado pela Juventude Nacionalista, mas a ligação ao PNR ter-se-á quebrado há vários anos. “Depois da operação da PJ de 2007 houve uma cisão total entre o PNR e os Portuguese Hammerskin”, sustenta fonte da PJ, que justifica essa separação com o receio do partido ficar associados a crimes violentos. 

Militantes e organizações neonazis a aumentar

O último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), relativo a 2015, afirma que o movimento skinhead neonazi tem registado um “elevado dinamismo” ao nível da organização de eventos, o que gera um crescimento de militantes e de organizações com aquela ideologia. Isto apesar de referir que não há registo de acções violentas no contexto da extrema-direita, um dado contrariado pela investigação da PJ.

“Continuou a registar-se um elevado dinamismo ao nível das actividades do movimento skinhead neonazi (concertos, encontros) situação que tem impacto directo no crescimento do número de militantes e de organizações desta matriz ideológica”, lê-se no relatório divulgado em Março. Nos relatório de 2013 e 2014 também se referia o “incremento das actividades do movimento skinhead neonazi”, mas direccionadas para o interior desse grupo. Em 2014, dava-se ainda conta que tinha sido “caracterizada e avaliada a ameaça representada pelas actividades e organizações do movimento skinhead neonazi”, considerando-se essa análise uma “ferramenta útil na prevenção e contenção dessa actividade”.