O piano sonhador de Peter Broderick está em Portugal

É uma carta de amor a John Cage. Belo disco para piano e voz, aquele que o americano Peter Broderick vem apresentar a Aveiro, Porto e Lisboa no Misty Fest.

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É bem possível que o americano Peter Broderick nunca venha a ouvir o seu último álbum, lançado durante o Verão pela editora inglesa Erased Tapes. O multi-instrumentista e compositor americano deu instruções claras para poder manter uma distância de segurança em relação à versão final de Partners. “Gosto de impor a mim próprio alguns limites”, diz-nos, passando a explicitar: “Tinha a música muito bem preparada, sabia exactamente o que queria, aprimorei previamente as composições e quando fui para estúdio limitei-me a tocá-las, deixando algumas indicações sonoras finais, mas dizendo ao produtor e engenheiro de som que não as queria ouvir a partir daí. E assim aconteceu.”

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É bem possível que o americano Peter Broderick nunca venha a ouvir o seu último álbum, lançado durante o Verão pela editora inglesa Erased Tapes. O multi-instrumentista e compositor americano deu instruções claras para poder manter uma distância de segurança em relação à versão final de Partners. “Gosto de impor a mim próprio alguns limites”, diz-nos, passando a explicitar: “Tinha a música muito bem preparada, sabia exactamente o que queria, aprimorei previamente as composições e quando fui para estúdio limitei-me a tocá-las, deixando algumas indicações sonoras finais, mas dizendo ao produtor e engenheiro de som que não as queria ouvir a partir daí. E assim aconteceu.”

Três concertos trazem-no esta semana a Portugal a convite do festival Misty Fest, que até ao próximo dia 13, em diversas cidades do país, dará a ouvir nomes como os de Andrew Bird, José James, Rodrigo Leão & Scott Matthew, Selma Uamusse, Hindi Zahra, Dino D' Santiago ou Melingo: esta quarta-feira no Teatro Aveirense, em Aveiro, quinta-feira na Casa da Música, no Porto, e sexta-feira no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, Broderick irá apresentar-se ao vivo recorrendo apenas ao piano e voz. Ao lado de Nils Frahm, Hauschka ou Ólafur Arnalds, faz parte de um núcleo de jovens músicos por vezes apelidados de neoclássicos, pós-clássicos ou clássicos contemporâneos – um sem número de qualificações que só revelam dificuldade em situá-los, por se colocarem numa terra híbrida, nem música clássica, nem pop, nem folk, mas tudo isso ao mesmo tempo.

Ao longo dos anos, entre meia dúzia de álbuns a solo, colaborações diversas e as andanças com os dinamarqueses Efterklang, cuja formação de palco integrou regularmente, ainda compôs música para cinema, dança e instalações. Agora, aos 29 anos, lança um álbum que é uma espécie de carta de amor ao compositor John Cage, ou pelo menos às suas técnicas de composição. São peças para piano emocionais, intimistas e calorosas, com a dose certa de familiaridade e estranheza, algumas instrumentais, como a versão de In a landscape, de John Cage, outras com a presença da voz, como em Sometimes, versão de uma canção da noiva, a cantora folk Brigid Mae Power.  

“A minha aproximação à música foi sempre muito mais pelo lado intuitivo e sensitivo do que pelo lado analítico, mas John Cage é um fascínio que vem de longe”, explica ao PÚBLICO. “No último Inverno acabei a ler uma biografia dele e tudo o que absorvi foi muito inspirador, em particular a forma como entendia o processo de criação, como se se ausentasse dele, num processo de remoção pessoal em que o ego parecia ocultar-se por completo. Há peças da sua autoria que podem roçar o quase inaudível mas existem outras que me agradam bastante, nomeadamente In a landscape, que comecei a tocar, o que contribuiu para que me reaproximasse do piano. Foi como se tivesse recebido uma energia nova." A ideia de "criar um disco apenas para piano e voz ganhou consistência” aí.   

Peter Broderick é o tipo de músico que necessita de ter um ponto de partida, um conceito operatório. Qualquer coisa que, numa fase inaugural do processo, atribua sentido ao que produz, mesmo que o resultado final acabe por ter pouco a ver com o idealizado inicialmente. “Gosto de criar balizas que me permitam explorar ao máximo a partir desses limites por mim impostos”, justifica. “Para este álbum assumi que iria apenas utilizar o piano e ocasionalmente a voz, e a partir daí o meu foco foi tentar extrair o máximo desses elementos. Percebo que para algumas pessoas possa ser uma limitação. Para mim é motivador.”  

Ao contrário de outros pares, como Nils Frahm, com quem já colaborou por diversas vezes, não atribui grande relevância à formação musical. No início da adolescência dedicou-se ao violino, mas pouco tempo depois “só queria era tocar guitarra eléctrica e teclas”, diz por entre risos, recordando os tempos de juventude. “Só mais tarde, em adulto, voltei a estudar. Numa escola de música sem grandes tradições, mas na qual acabei por encontrar um professor fantástico que me ajudou bastante. Para ser sincero nunca senti que isso fosse fundamental para que a minha música viesse a criar ressonância junto das pessoas.”

O que é essencial, afirma ele, é estar disponível para a surpresa, para dar sentido ao erro, ou mesmo ao acaso. “Durante muitos anos fui um pouco obsessivo com a minha música, no sentido perfeccionista do termo. Ouvia-a repetidamente à procura de fragilidades. Depois fui relaxando, ou melhor, aprendi a estar mais disponível para aceitar a imperfeição. Foi em parte por isso, e também pelo mistério, que prescindi de participar na fase final da gravação deste disco, deixando apenas algumas indicações. A partir do momento em que sinto que as composições estão totalmente integradas em mim liberto-me delas.”

Agora, ao vivo, trata de as devolver ao público, em performances onde existe um misto de lirismo, sonho e transcendência.