António Domingues: "Estamos a respeitar escrupulosamente a lei"

Presidente da Caixa tem um parecer que recusa equiparação a gestor público. Não entregar declaração de rendimentos foi condição para aceitar o cargo. Bloco já exige demissão.

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Miguel Manso

"Estamos a respeitar escrupulosamente a lei", afirma ao PÚBLICO António Domingues. O novo presidente da Caixa Geral de Depósitos acredita que legalmente tem razão e vai insistir que a administração a que preside não tem de entregar qualquer declaração de rendimentos e património no Tribunal Constitucional.

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"Estamos a respeitar escrupulosamente a lei", afirma ao PÚBLICO António Domingues. O novo presidente da Caixa Geral de Depósitos acredita que legalmente tem razão e vai insistir que a administração a que preside não tem de entregar qualquer declaração de rendimentos e património no Tribunal Constitucional.

Domingues não quis acrescentar mais comentários, mas, ao que o PÚBLICO apurou, o gestor tem garantido na instituição que não tem qualquer problema em mostrar a sua declaração de rendimentos, tendo-a até entregue já ao presidente do Comité de Remunerações da Caixa. Acrescentando que os seus rendimentos serão sempre publicados nos relatórios e contas do banco que dirige, como acontece nos bancos privados. Mas nos bancos privados essa obrigação não se aplica à declaração de património, que até aqui era de entrega obrigatória no TC para os gestores da Caixa. Se este é o ponto mais sensível da actual polémica, Domingues acredita que, com a exclusão dos administradores do banco do Estatuto do Gestor Público (EGP), feita pelo Governo em Julho, os actuais administradores não são gestores públicos - ponto final. 

É assim que, apurou o PÚBLICO, Domingues vai justificar a recusa em entregar as declarações de toda a equipa no Tribunal Constitucional. A equipa jurídica do banco público preparou um documento que será enviado ao TC, no qual se alega que, por terem estes administradores sido excluídos do âmbito do EGP, também não se lhes aplica a lei de 1983, para o controlo da riqueza dos titulares de cargos políticos e equiparados. Esta lei aplica-se a todos os "gestores públicos" (artigo 4, 3-a), mas no parecer da Caixa alega-se que não poderá incluir os administradores do banco por estes legalmente já não poderem ser considerados gestores públicos.

Se a questão se coloca agora, para Domingues esta era decisão encerrada desde Abril, quando foi convidado para o cargo. Segundo apurou o PÚBLICO, não apresentar declarações de património foi uma das condições que apresentou ao ministro das Finanças. Em Abril, quando enviou a Mário Centeno as suas condições para aceitar o cargo, o novo presidente da CGD incluiu três condições: a aprovação externa de um processo de recapitalização robusto; a exclusão das limitações salariais; e, no mesmo sentido, a equiparação total deste banco a um banco privado - na independência face ao poder político e nas obrigações a que os gestores estariam sujeitos.

Para António Domingues, nenhum destes elementos está desligado. Ou seja, só a absoluta equiparação da CGD a um banco privado - ou seja, sob escrutínio do Banco Central Europeu (BCE) por via do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, com o Estado a entrar na equação apenas enquanto accionista - garantiu que o BCE e a Comissão Europeia tivessem aceitado um processo de recapitalização como o que foi acordado, sem que este fosse considerado ajuda de Estado. E esse processo está ainda em curso - e não está seguro. Um elemento da Caixa colocava a questão desta forma ao PÚBLICO. "O Estado quer recapitalizar sem um bail in? Quer fazê-lo fora do quadro das ajudas de Estado?" (ou seja, sem que a Caixa entre em resolução).

Nesta história entra ainda o resto da equipa. Domingues terá convidado várias pessoas precisamente no pressuposto de que não haveria escrutínio público sobre os patrimónios individuais. Incluindo os dois banqueiros estrangeiros que são, agora, não executivos: Herbert Walter; e Ángel Corcostegui. Tendo o ministro das Finanças aceitado essa pré-condição, Domingues não vê como recuar dois meses depois. E defende-se, dizendo que o seu vice-presidente, Rui Vilar, tem delegados poderes especiais de fiscalização, que em tudo a Caixa está a cumprir as regras bancárias europeias e que a confiança dos investidores depende, em muito, da preservação do banco e da sua estabilidade.

Acontece que a polémica também uma dimensão política. Este bater do pé do novo presidente da CGD está a gerar confusão no próprio Governo. Quando a questão foi colocada no início desta semana, a primeira reacção do Ministério das Finanças, em resposta ao PÚBLICO, foi a de que a administração da CGD seria escrutinada pelos órgãos internos, pelo accionista (o próprio Estado) e pelo BCE. Já António Costa, remeteu o problema para Domingues e para o TC

Bloco faz ultimato: ou mostra ou sai

Se o Governo já tentou matar o assunto, o certo é que o assunto não vai morrer no Parlamento. E Catarina Martins deu  provas disso na sexta-feira. A líder do BE recentrou a questão na não entrega dos documentos, e não na parte legal, fazendo um ultimato: "Não pode estar à frente da CGD quem não quiser cumprir deveres de transparência sobre os seus rendimentos".

A ideia de que não faz sentido e que prejudica a transparência isentar a administração da CGD da entrega das declarações também foi defendida por Passos Coelho e Assunção Cristas. O Presidente da República, na Colômbia, disse que só quando regressar a Portugal decidirá se comenta o assunto.

O incómodo cresce agora no PS, sobretudo depois de o partido perceber que António Domingues e a restante administração não têm intenções de entregar a declaração no TC. Contudo, para já, cingem-se a uma questão legal: se o TC não notificar Domingues para fazer a entrega, é porque lhe deu razão. Quando se coloca a questão no plano político - o porquê da excepção - o silêncio é a resposta.

E se o TC notificar e a administração insistir em não entregar? Aí o caso muda de figura, dizem socialistas contactados pelo PÚBLICO, mas que não querem fazer um “drama”, antes que algo aconteça. 

Para o PCP e para o BE, o assunto nova administração da CGD nunca foi pacífico e ambos se juntam ao PSD, pelo menos na intenção de apresentarem um projecto-lei que volte a colocar estes gestores no âmbito das regras aplicadas a todos os gestores públicos. Acontece que, se um destes projectos for aprovado (PSD já entregou, BE diz que vai entregar, o PCP está a "avaliar" a reapresentação de um projecto e o CDS admite o mesmo cenário), os administradores passam a ter de seguir as mesmas regras de transparência que os restantes gestores públicos.

Marcelo não fala, por ora

Em Cartagena das Índias, Colômbia, onde se encontra para participar na 25.ª Cimeira Ibero-Americana, que decorre entre esta sexta-feira e sábado, o Presidente da República voltou a recusar comentar no estrangeiro as polémicas relacionadas com a administração da CGD e disse que, "se for caso disso", falará do assunto quando chegar a Portugal.

Questionado sobre a polémica em torno da obrigatoriedade ou não de os administradores da CGD entregarem declarações de rendimentos no TC, respondeu: "Eu não vou comentar nada sobre política interna no estrangeiro. Sou muito constante e teimoso nessa matéria". "Portanto, se for caso disso, quando chegar a Portugal, logo veremos se faz sentido comentar o que quer que seja, mas aqui não", completou Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações aos jornalistas