Trump tenta dar uma cambalhota na imigração sem dizer que se mexeu

Depois de ter garantido que iria deportar os 11 milhões de imigrantes que estão no país sem documentos, o candidato do Partido Republicano diz agora que só quer deportar os "maus". Nova estratégia incomodou alguns apoiantes.

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Donald Trump recebeu algumas críticas de apoiantes mais radicais Carlo Allegri/Reuters

Aquele indomável e politicamente incorrecto Donald Trump que garantiu a nomeação pelo Partido Republicano ao pontapé, decidiu experimentar esta semana um novo fato, mais engomado e feito à medida dos discursos moderados que aumentam as hipóteses de vitória numas eleições gerais para a Presidência dos Estados Unidos.

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Aquele indomável e politicamente incorrecto Donald Trump que garantiu a nomeação pelo Partido Republicano ao pontapé, decidiu experimentar esta semana um novo fato, mais engomado e feito à medida dos discursos moderados que aumentam as hipóteses de vitória numas eleições gerais para a Presidência dos Estados Unidos.

Esse esforço, que começou no sábado após um encontro com líderes da comunidade hispânica, é tão surpreendente que até põe em causa uma das suas promessas mais sagradas, deixando muitos dos seus fervorosos apoiantes a coçar a cabeça – afinal, um possível Presidente Trump já não vai criar uma "força de deportação" e até já considera insensível expulsar os cerca de 11 milhões de imigrantes que entraram no país sem documentos, pelo menos sem que antes se separe os "bons" dos "maus".

Mas se é verdade que Donald Trump está a tentar virar o barco, muitos responsáveis do Partido Democrata e os críticos do magnata no Partido Republicano acham que já é tarde demais. Depois de propostas como a deportação em massa, a proibição da entrada de muçulmanos no país e outras do mesmo género, que o ajudaram a vencer as primárias no Partido Republicano mas que foram afastando uma minoria de cada vez, o barco da campanha de Trump tornou-se num petroleiro tão pesado que qualquer tentativa de mudança de direcção poderá demorar mais do que os dois meses e meio que faltam até ao dia das eleições.

Em Novembro do ano passado, Donald Trump garantiu que se for eleito Presidente dos Estados Unidos irá ordenar a deportação de todas as pessoas que estão no país de forma ilegal – um número que ninguém conhece ao certo, mas que o instituto independente Pew Research Center estima em puco mais de 11 milhões.

No programa do canal Fox News "The O’Reilly Factor", em Novembro, Trump foi várias vezes pressionado pelo apresentador, o conservador Bill O'Reilly, a explicar de que forma seria possível juntar 11 milhões de pessoas e empurrá-las para o México, incluindo milhares e milhares de crianças nascidas nos Estados Unidos. "Vamos fazer tudo de forma humana", respondeu Trump, sem nunca – nem antes nem depois de Novembro – ter explicado os pormenores dessa proposta. E, mesmo que fosse possível, o candidato do Partido Republicano (tradicionalmente avesso ao aumento de gastos públicos) estava também a propor a criação de uma nova agência federal, com a contratação de milhares de novos funcionários.

Nove meses depois, e com a luta pela nomeação já resolvida, Donald Trump começa a aproximar o seu discurso da dura realidade – tanto da vida em geral, como da configuração do eleitorado que vai escolher o próximo Presidente, que é muito mais diverso do que os eleitores que lhe deram a vitória no Partido Republicano.

"Apenas quero cumprir a lei"

Na segunda-feira, Trump regressou ao programa de Bill O'Reilly e começou logo por tentar inverter os papéis – desta vez é ele o mais moderado dos dois, ou pelo menos o mais pragmático. "Está mesmo a repensar a sua estratégia de deportação em massa?", perguntou o apresentador. "Eu apenas quero cumprir a lei", respondeu Trump.

O candidato que defendia a deportação de 11 milhões de pessoas, boas ou más, adultos ou crianças, homens ou mulheres, diz agora que quer apenas "expulsar os maus". "Temos membros de gangues, temos homicidas, temos muitas pessoas más que têm de sair deste país. E eles vão sair deste país tão depressa que a tua cabeça até vai andar à roda", disse Trump. Quanto aos restantes, vão "passar pelo sistema, tal como acontece agora, talvez de uma forma um pouco mais enérgica", disse o candidato do Partido Republicano, salientando que tem sido esta a prática durante a Administração Obama e que foi assim também durante a Administração Bush.

As deportações de pessoas sem documentos durante a Presidência de Barack Obama aumentaram nove vezes em relação aos 20 anos anteriores – em 2014, a Administração Obama tinha ordenado a deportação de dois milhões de pessoas, um número superior a qualquer outro Presidente norte-americano. Obama argumenta que tem as mãos atadas pelo Congresso, onde a maioria do Partido Republicano se recusa a discutir uma reforma da imigração que inclua uma porta para a concessão de cidadania a muitas dessas pessoas. Ainda assim, não se livrou de ser rotulado como "deportador-em-chefe" pela maior organização hispânica de defesa da reforma do sistema de imigração nos EUA, o National Council of La Raza.

A campanha de Donald Trump tinha anunciado que o candidato iria explicar a sua nova proposta em pormenor esta semana, mas esse discurso foi adiado para a próxima semana. Nos últimos dias, Trump tem andado ocupado a explicar aos seus apoiantes mais radicais que não se trata de uma viragem de 180 graus – algo que alguns deles têm alguma dificuldade em acreditar.

A ultraconservadora Ann Coulter, defensora intransigente da construção de um muro na fronteira com o México e da deportação de todos os imigrantes sem documentos, abriu fogo no Twitter contra a aparente mudança de direcção de Donald Trump, dando voz aos que ficaram sem perceber ao certo o que pretende o candidato – "aligeirar" a sua proposta ao deportar apenas os "maus" e obrigar os "bons" a pagar impostos sem lhes conceder cidadania formal, como disse quarta-feira numa entrevista ao entrevistador Sean Hannity, na Fox News; ou manter a palavra dada durante as eleições primárias e cumprir uma das promessas mais importantes no seu caminho para a nomeação no Partido Republicano?

Falar ao eleitorado negro 

Para além do aparente piscar de olho à comunidade hispânica, Trump tem também tentado falar mais com os negros – dois segmentos do eleitorado que estão em peso com Hillary Clinton, segundo as sondagens. Mas também neste caso a mudança está a ser complicada, e muitos analistas consideram que o candidato está a falar mais para o eleitorado branco com cursos superiores (para lhes dizer que não é racista) do que para a comunidade negra, que só por milagre conseguirá convencer nas próximas semanas.

"Eu não o ouço a falar para os negros; ouço-o a falar para os brancos sobre os negros, para que eles pensem que se preocupa com os negros. O que ele está a tentar fazer é segurar uma parte do eleitorado branco, ao sugerir que é uma pessoa que se preocupa", disse ao The New York Times Alexis Scott, antigo proprietário do jornal Atlanta Daily World, uma publicação fundada em 1928 para dar voz aos cidadãos negros.

Parte do problema desta nova tentativa de reinvenção de Donald Trump como candidato mais moderado é que o seu discurso pinta um quadro em que a população negra não se revê – num comício no estado do Ohio, na segunda-feira, Trump falou em cidades norte-americanas que se assemelham a "zonas de guerra", onde as populações negra e hispânica são as principais vítimas por causa da violência e da pobreza em que vivem.

"De quem é que ele está a falar?", questionou-se Demeitrus Williams, um afro-americano reformado de 61 anos, também no The New York Times. "Eu não sei – a maioria dos negros que eu conheço têm instrução e vivem em bons bairros. Nós exigimos que toda a gente da nossa família tenha um curso superior", disse Williams.

De acordo com os números relativos a 2014, 14,8% de toda a população norte-americana vive na pobreza, uma percentagem que aumenta para 26,2% entre os negros. Ainda assim, a realidade é que a maioria dos negros não são pobres, nem criminosos – uma visão da América que Donald Trump acaba por transmitir mesmo quando tenta aproximar-se dessa comunidade.

"É uma caracterização incorrecta da comunidade, que tenta defini-la apenas pelos seus maiores desafios", disse ao The New York Times Marc Morial, presidente da organização National Urban League. "A América negra tem problemas profundos – problemas económicos profundos –, mas a América negra tem também uma enorme comunidade de pessoas lutadoras, bem-sucedidas e trabalhadoras. Com cursos superiores e no mercado de trabalho."

Depois de umas eleições primárias muito duras, em que triunfou como o candidato mais distante do chamado establishment, Donald Trump tem agora a complicada tarefa de se aproximar desse mesmo establishment e, ao mesmo tempo, continuar a apresentar-se com um candidato que diz tudo o que pensa.

Falta saber se esta nova estratégia veio para ficar, e se vai conquistar mais apoios entre o eleitorado branco com mais instrução ou se vai alienar apoios entre a sua base mais radical. Ou, o que é igualmente provável, nem uma coisa nem outra.