Devia haver mais pausas escolares? E semestres em vez de períodos?

A propósito do anunciado calendário escolar para 2016/17 surgiram propostas como esta: tal como nas universidades, também no básico e no secundário devia haver “semestres” em vez de três períodos. Mas não só. Professores pedem debate sobre a organização dos tempos da escola.

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“Qual a o número de aulas que é útil ter em cada dia? E quantos dias de trabalho por semana?” Daniel Rocha

O ano lectivo nas escolas básicas e secundárias devia estar organizado em dois semestres, em vez de em três períodos? Devia haver mais pausas ao longo do ano, para descansar? As férias de Verão deviam ser tão longas? Ou o problema não está no tempo, se é mais ou menos passado com aulas, mas no modo como ele é ocupado? Este é o tipo de debate sobre a organização dos anos lectivos que várias organizações e professores têm defendido que deveria ser feito.

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O ano lectivo nas escolas básicas e secundárias devia estar organizado em dois semestres, em vez de em três períodos? Devia haver mais pausas ao longo do ano, para descansar? As férias de Verão deviam ser tão longas? Ou o problema não está no tempo, se é mais ou menos passado com aulas, mas no modo como ele é ocupado? Este é o tipo de debate sobre a organização dos anos lectivos que várias organizações e professores têm defendido que deveria ser feito.

João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional dos Sindicatos de Educação (FNE), acrescenta interrogações: “Qual é o número de aulas que é útil ter em cada dia? E quantos dias de trabalho por semana?”

Em França e na Holanda, em muitas escolas, à quarta à tarde não há aulas. Na Itália e na Alemanha a semana lectiva pode ser de cinco ou de seis dias — e no caso alemão uma semana de seis dias implica, no entanto, dois sábados livres por mês, como exemplifica um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, de Outubro de 2014, sobre Os Tempos na Escola. Dias da Silva lembra que Portugal apresenta uma das maiores cargas horárias semanais nos primeiros anos de escolaridade e nem por isso tem os melhores resultados.     

O tema voltou à agenda com a divulgação, no final de Junho, do calendário escolar para 2016/2017. O documento não trouxe grandes mudanças e mantém o ano lectivo “organizado de acordo com o calendário festivo religioso, ainda que o mesmo não se compagine com os ritmos e tempos de aprendizagem”, denunciou logo a Federação Nacional de Professores (Fenprof).

A FNE também fez ouvir as suas críticas. Ao PÚBLICO Dias da Silva explica que “defende há muito” a organização do ano lectivo em semestres “para reduzir de três para dois os momentos em que o aluno é avaliado quantitativamente ao longo do ano”.

E por que razão isso seria importante? Porque três momentos de avaliação são três momentos do ano em que os professores têm de se reunir, avaliar, dar notas, para afixar pautas na escola, o que o secretário-geral da FNE acha que é um gasto de tempo desnecessário. “Os professores perdem demasiado tempo a avaliar.” Dois momentos de avaliação quantitativa bastavam — um a meio do ano, outro no fim.

“Vamos ter [em 2016/17] um 1.º período com 67 dias de aulas, o 2.º terá 54 e o 3.º será de 29 dias, no caso dos alunos do 9.º, 11.º e 12.ºanos”, sublinhou na altura da divulgação do calendário Filinto Lima, presidente da ANDAEP-Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas. “Um aluno que tem negativa nos dois primeiros períodos, fica desmotivado e não acredita que consegue recuperar num período de apenas 29 dias.” A organização em semestres ajudaria.

Não significaria que se reduzisse o número de pausas lectivas ao longo do ano, diz Dias da Silva. Nota, a propósito: “Temos menos pausas lectivas ao longo do ano do que outros países”. E férias de Verão mais prolongadas do que muitos outros.     

Mais uma pausa

José Eduardo Lemos, presidente do Conselho das Escolas, que ao contrário dos anteriores não vê vantagem nenhuma numa organização por semestres, também tem algumas propostas sobre uma organização diferente do ano lectivo.

Considera que faz falta, por exemplo, mais uma pausa escolar, para além das que existem (e que coincidem essencialmente com o Natal, Carnaval e Páscoa). A saber: dois dias, “em torno” do 1 de Novembro.

“O 1.º período é muito extenso, uma pausa seria bom para os alunos recarregarem baterias e para os professores poderem parar e reflectir sobre o progresso dos seus alunos”, diz.

Esta mesma proposta, recorda ainda Lemos, foi feita pelo Conselho de Escolas, no ano passado, mas não teve eco no calendário que o ministério publicou para 2016/2017. Um calendário que adiou o fim do ano, nomeadamente para os alunos do 1.º ciclo (em 2016 foram de férias no final de primeira semana de Junho, para o ano só a 23). Faz falta um ano de escola mais comprido?

O presidente do Conselho das Escolas diz que não sabe se é benéfico ou não, mas certamente “será do agrado das famílias que as crianças fiquem mais tempo na escola”.

Seja como for, “como o 3.º período é curto, prolongando-o os alunos podem ter mais tempo para recuperar”, se tiverem tido resultados mais fracos no 2.º, admite.

João Dias da Silva é que não concorda nada que as crianças estejam na escola só para estarem ocupadas. “Não se pode confundir o que são tempos de instrução e de aprendizagem com os tempos de ocupação dos alunos nos períodos em que as famílias os não podem acompanhar. De um lado estão as responsabilidades do sistema educativo, com os seus docentes; do outro lado estão responsabilidades sociais, que não podem ter resposta através do alargamento sem limites do tempo escolar.” 

Um calendário para vários anos

Mas o que realmente importaria, insiste, seria que estas questões do calendário escolar fossem debatidas com tempo e que se fixasse um que durasse alguns anos, o que permitiria que escolas e pais já soubessem com o que contar, em vez de mudar todos os anos. “O problema é que os ministros chegam ao ministério e passam o tempo a apagar incêndios, em vez de dedicarem o tempo a construir com os parceiros soluções duradouras em questões estruturais.” E esta é estrutural?

“Os tempos lectivos surgem entre as variáveis indicadas como podendo ter algum peso nos diferentes resultados encontrados nas avaliações internacionais [dos sistema educativos]”, lembra o estudo Os Tempos na Escola. E em vários países “têm sido propostas alternativas aos horários tradicionais”, como, por exemplo, “a distribuição da carga lectiva pelo ano inteiro, sem férias longas” ou “a alteração da duração da semana escolar”, por exemplo, com a concentração em quatro dias.

“Para mim, o importante é o que se faz com o tempo”, diz a ex-presidente do Conselho Nacional de Educação Ana Maria Bettencourt.  Não é se há semestres, em vez de trimestres, ou se se dá mais tempo de aulas, ou não. “Se for para fazer o que já se faz, não se ganha nada dar mais tempo.”     

O que importa é o que se faz com o tempo

Bettencourt lembra, por exemplo, que em muitos países há muitas actividades programadas ao logo do ano lectivo, que passam por “sair da escola”, fazer projectos, visitas culturais, passeios, algo que não existe em Portugal, por falta de recursos (“por vezes é preciso pedir a ajuda dos pais e, para alguns pais, é difícil”), mas, sobretudo, por “insuficiente valorização das aprendizagens que se fazem com esse projectos”. E que, garante, podem, na verdade, ter muito valor para o desenvolvimento das crianças. Sobretudo para as que, fora da escola, menos possibilidade têm de aceder a certas actividades culturais.

“É o que se faz com o tempo que se deve discutir. Se, por exemplo, os dias de escola deviam estar divididos em tantas unidades curriculares, com o aluno a ter de saltar entre várias disciplinas ao longo do dia”, acrescenta Ana Maria Bettencourt, que é também presidente do conselho geral do Instituto Politécnico de Lisboa.

Às perguntas do PÚBLICO, nomeadamente sobre se ainda nesta legislatura poderá haver uma nova organização dos anos escolares, o ministério da Educação limitou-se a dizer, por email, que “a tentativa será sempre a de garantir estabilidade e enquadrar todas as decisões não como medida administrativa, mas como salvaguarda das melhores condições para cumprimento dos projectos das escolas”.