Uma inauguração no Museu dos Coches, ainda à espera da sua grande exposição

O museu abre este sábado uma exposição que festeja os 300 anos da embaixada de D. João V ao Papa. Mas está ainda à espera de ver instalada a sua museografia, para que a colecção se veja “como deve ser”.

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De um lado da rua, o do picadeiro do Palácio de Belém, tem 111 anos. Do outro, pouco mais de um. No primeiro mantém a patine de um museu do início do século XX, obra de uma rainha culta e dedicada. No segundo olha para o presente à espera do futuro – o que virá quando a museografia estiver instalada e aos coches da casa real portuguesa se vierem juntar as grandes projecções de filmes nas paredes e os painéis interactivos que permitirão ao visitante espreitar o interior destes carros feitos para transportar príncipes e impressionar papas.

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De um lado da rua, o do picadeiro do Palácio de Belém, tem 111 anos. Do outro, pouco mais de um. No primeiro mantém a patine de um museu do início do século XX, obra de uma rainha culta e dedicada. No segundo olha para o presente à espera do futuro – o que virá quando a museografia estiver instalada e aos coches da casa real portuguesa se vierem juntar as grandes projecções de filmes nas paredes e os painéis interactivos que permitirão ao visitante espreitar o interior destes carros feitos para transportar príncipes e impressionar papas.

Para já, há uma nova exposição a inaugurar no Museu Nacional dos Coches, e nela estão em destaque três coches que fizeram parte de uma importante embaixada que o rei D. João V (1689-1750) enviou a Roma há precisamente 300 anos. Uma embaixada que se destinava a exibir o poder da coroa portuguesa junto do Papa Clemente XI e que acabou por contribuir para que Lisboa passasse a ser reconhecida, a partir de Novembro de 1716, como cidade patriarcal (o capelão do rei recebia assim o título de patriarca, algo raro já que só Roma e Veneza tinham um bispo com tal estatuto).

“Esta embaixada ao Papa é uma megaoperação de marketing, absolutamente sumptuosa, em que o rei dá continuidade à estratégia diplomática do pai, D. Pedro II, e do respectivo primeiro-ministro”, explica ao PÚBLICO António Filipe Pimentel, historiador de arte que se especializou no período de D. João V e é autor da obra Arquitectura e Poder (Livros Horizonte, 2002). Uma estratégia de afirmação internacional que passa por reivindicar para Portugal um “estatuto de paridade” com as potências católicas de primeira grandeza da Europa de finais do século XVII e inícios do século XVIII: Espanha e França.

“Roma era na altura o que Bruxelas é hoje – o palco da diplomacia europeia. Com esta embaixada, o rei monta um happening para apresentar Portugal como uma potência multicontinental, que resgatou o mundo para a fé católica e que, por isso, só pode ser posta entre as maiores”, explica Pimentel, também director do Museu Nacional de Arte Antiga. Esta ideia de Portugal como coroa que une continentes está bem patente no desfile de cinco carros triunfais – temáticos – e dez de acompanhamento que compõem o cortejo que o terceiro Marquês de Fontes, o embaixador do rei, liderou há 300 anos. As três viaturas alegóricas – a dos Oceanos, a da Coroação de Lisboa e a do Embaixador  que ainda fazem parte da colecção do museu, “belos exemplos da produção barroca italiana”, mostram nos seus grupos de esculturas os oceanos Atlântico e Índico a tocarem-se (Coche dos Oceanos, o único inteiramente restaurado), dois homens representando a África e a Ásia (Coroação de Lisboa) e o Adamastor e um leão, símbolo do poder real, entre figuras que exaltam as navegações e as conquistas portuguesas (Embaixador).

Uma embaixada que pretendia demonstrar através deste “programa iconográfico triunfal” que D. João V merecia o título que ostentava, o de “Senhor da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”. Um título a que depois se vem somar, com Lisboa elevada a cidade patriarcal, o de “fidelíssimo”  lembra o historiador , o que o equiparava de facto aos reis de Espanha e de França.

“D. João V vai servir-se da Igreja de Roma para, de certa forma, afrontar a Igreja de Roma.” Como? “Passando a sua capela real a patriarcal, passa a ter um mini-Vaticano em Lisboa, passa a ter um quase papa que não deixa, apesar de tudo, de ser o seu capelão, de ser seu funcionário e de ter, naturalmente, de lhe obedecer.”

Ainda à espera

É precisamente para festejar o aniversário desta operação diplomática que abre este sábado aquela que é a primeira proposta da equipa do museu para a sala de exposições temporárias do edifício desenhado pelo arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha. Um museu que foi inaugurado em Maio do ano passado, depois de um longo e polémico processo que envolveu dificuldades no financiamento – já depois de concluída, a obra que custou 40 milhões de euros esteve mais de dois anos à espera que o Executivo tivesse dinheiro para garantir a abertura – e muitas acusações entre o então Governo de coligação PSD-CDS e a oposição socialista.

O museu abriu, recorde-se, mas incompleto, já que o projecto expositivo está ainda por montar. Co-assinado por Mendes da Rocha e pelo arquitecto português Nuno Sampaio, foi entregue ao mesmo tempo que os planos para o novo edifício, em 2009, e revisto já em 2014 para que pudesse ser lançado o concurso para a sua execução (a museografia tem uma forte componente tecnológica que precisou de actualização).

“Não sei como está o concurso, nem fui informado se estaria para breve a execução da museografia”, disse ao PÚBLICO Nuno Sampaio. “Só sei que o senhor ministro da Cultura disse publicamente que já havia dinheiro para montar a exposição.” Luís Filipe Castro Mendes garantiu aos deputados da comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto a 17 de Maio, quando estava há apenas um mês no cargo, que a museografia já estava aprovada e que em breve o museu ficaria “como deve ser”.

A separar o visitante dos coches, berlindas e landaus há agora, como desde a inauguração, uns postes de fita semelhantes aos das filas nos aeroportos. Nas vitrinas as legendas são provisórias e muitas das peças estão apenas dispostas no chão. Nas paredes não há textos de apoio, pelo que, se não marcar visita com um técnico da casa, a quem entra só lhe resta comprar um guia/desdobrável na loja do museu ou recorrer ao audioguia para navegar pela colecção, uma das melhores do mundo no seu género. A ponte pedonal sobre a linha do comboio, ligando o museu ao Tejo, continua por construir.

Quanto à museografia, garante o gabinete do ministro, através de email enviado pela assessora de imprensa, Teresa Bizarro, o processo está “na fase final de contratação, prevendo-se que esteja pronta no decurso do primeiro trimestre de 2017”. Está orçada em quase 1,4 milhões de euros e o seu pagamento será assegurado pelas contrapartidas do Casino de Lisboa que foram entregues ao Turismo de Portugal. O concurso público da passagem para o rio está concluído, “aguardando-se a desactivação de verbas para a adjudicação da obra”, “uma questão processual que deverá ser resolvida em breve”.

O museu, que recebeu em 2015 quase 350 mil visitantes – número que traduz um significativo aumento face ao ano anterior, o último em que funcionou em exclusivo no antigo picadeiro (207 mil) –, fechou o primeiro semestre de 2016 com 187 mil entradas, o que faz prever um crescimento que, para o gabinete de Castro Mendes, acompanha a tendência de muitos dos outros museus, palácios e monumentos sob a tutela da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC).

Mais visitantes traduz-se em mais capacidade de gerar receita, o que no caso dos Coches é particularmente importante, já que os seus custos de funcionamento – com o anexo de Vila Viçosa (onde está parte da colecção) e o novo e o antigo edifícios – são, segundo o actual tutela, de um milhão de euros. Um número bem diferente do avançado pelo anterior Governo, que à data da inauguração colocava esses mesmos custos nos 2,7 milhões, estimando que 2,3 milhões desse montante viessem a ser garantidos pelo aluguer de espaços a privados.

O gabinete de Castro Mendes diz agora ao PÚBLICO que este “modelo de gestão não foi o aplicado na abertura do novo Museu dos Coches” e que os actuais custos de um milhão de euros são inteiramente assegurados pelo Estado através da DGPC, que gera receitas próprias que ultrapassam os 55% do seu orçamento de funcionamento. Isto sem especificar quanto gerou em receitas próprias o museu em 2015.

O que se sabe, para já, é que um dos principais espaços comerciais do edifício, o restaurante, continua por abrir (a cafetaria é inaugurada agora com a nova exposição). O atraso na concessão poderá estar ligado ao facto de a sua grande janela sobre os jardins do Palácio de Belém poder representar um risco para a segurança do Presidente da República. Sem comentar esta hipótese, o ministério diz apenas que o concurso público de concessão deste espaço será lançado “brevemente”, sendo “asseguradas todas as condições para que o restaurante possa abrir ao público em pleno”.