Reactor de fusão nuclear está atrasado e cada vez mais caro

Primeiros testes de fusão nuclear no reactor internacional – em construção em França desde 2010 – só terão lugar em 2025, e não em 2020, como estava inicialmente previsto.

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A sua ambição é grande: materializar a fusão nuclear. Mas a construção do Reactor Internacional Termonuclear Experimental (ITER, na sigla inglesa), em Cadarache, no Sul de França, sofreu novos atrasos importantes – o que agravará ainda mais a factura, que não pára de aumentar, deste projecto que reúne 35 países.

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A sua ambição é grande: materializar a fusão nuclear. Mas a construção do Reactor Internacional Termonuclear Experimental (ITER, na sigla inglesa), em Cadarache, no Sul de França, sofreu novos atrasos importantes – o que agravará ainda mais a factura, que não pára de aumentar, deste projecto que reúne 35 países.

Objecto de um tratado internacional assinado no Outono de 2006, o ITER tem a ambição de reproduzir na Terra a energia do Sol e das estrelas. A esperança é que a energia nuclear se torne uma das energias do futuro, dando assim ao mundo uma nova forma de energia “limpa” e “quase ilimitada”. No entanto, tem sido alvo de críticas recorrentes dos ecologistas, que o vêem como um “sorvedouro financeiro” e “uma miragem científica”.

Neste momento, um enorme tokamak – a câmara de confinamento magnético onde se fará a fusão dos núcleos de duas formas de hidrogénio, deutério e trítio – encontra-se em construção em França, em Saint-Paul-lez-Durance (Bouches-du-Rhône).

O director-geral da Organização ITER, o francês Bernard Bigot, à frente deste projecto desde Março de 2015, levou a cabo uma averiguação dos prazos e dos custos. A magnitude dos atrasos e da derrapagem orçamental surpreendeu os parceiros do projecto.

Há um atraso “grosso modo de cinco anos”, disse à agência noticiosa AFP Bernard Bigot, de 66 anos, antigo responsável pelo Comissariado para a Energia Atómica (CEA) francês. O teste para a produção do primeiro plasma – gás quente electricamente carregado – no reactor “far-se-á em 2025 e não em 2020”, como estava programado. “O reactor atingirá a sua potência plena em 2035 e não em 2025-2027 como previsto.” Será nessa altura que saberemos se a fusão nuclear é tecnicamente controlável e economicamente interessante.

Este novo calendário, apresentado por Bernard Bigot, foi “validado” a 16 de Junho pelo Conselho do ITER, onde têm assento os representantes dos parceiros do projecto. “O calendário anterior era irrealista. Agora temos um calendário ambicioso mas credível.”

O ITER é financiado por sete parceiros – a União Europeia, os Estados Unidos, a Rússia, o Japão, a China, a Índia e a Coreia do Sul. A Europa financia 45% do investimento público do projecto (os 28 Estados-membros da União Europeia mais a Suíça).

O bastão do peregrino

Corolário dos atrasos acumulados: o custo do ITER tem disparado. Estimado à partida em 5000 milhões de euros, já ultrapassou “os 14.000 milhões de euros para o período 2007-2020”, segundo Bernard Bigot. Para o período de 2007 a 2035, está agora avaliado em 18.600 milhões de euros, o que é mais do triplo das estimativas iniciais.

Os parceiros vão assim ser chamados a pôr 4000 milhões de euros públicos nos próximos dez anos e depois outros 600 milhões de euros para ir até 2035, especificou o director-geral do reactor. Para a Europa, isto representa um custo adicional de 2000 milhões de euros. A França, que acolhe o ITER, deverá entrar com 20% destes encargos (400 milhões de euros) e a Alemanha com 13% (260 milhões de euros).

Os representantes dos sete parceiros, que estiveram no Conselho do ITER de Junho, “terão de convencer, até ao final do ano, as suas autoridades políticas e financeiras que é do interesse comum validar este custo adicional”, sublinha Bernard Bigot. Ele mesmo vai pegar no “bastão de peregrino” e levar a cabo um trabalho de explicação, em nome da “clareza e transparência”, junto de diferentes países.

“O projecto começou com o entusiasmo de uma cooperação internacional e o objectivo político era obter o primeiro plasma dez anos depois do início. Mas ninguém na altura teve o cuidado de estabelecer claramente a sequência de todas as actividades a realizar e os prazos indispensáveis do ponto de vista industrial.”

Um grupo de peritos independentes esteve a inspeccionar as obras, que começaram em 2010, e “ficou convencido de que não as podíamos fazer mais depressa e com menos custos”.

O ITER também tem uma organização muito complexa. O projecto é em grande parte financiado “em géneros”, com equipamentos desenvolvidos por cada um dos 35 países. Depois, é preciso montar este gigantesco puzzle, por vezes quase ao milímetro. “Agora toda a gente aceita trabalhar de maneira integrada.”

E depois do “Brexit”?

Agora que o Reino Unido votou em referendo a sua saída da União Europeia, esta é mais uma preocupação para o ITER? Bernard Bigot mostra-se confiante de que o Reino Unido vai querer continuar a participar neste projecto, mesmo depois do “Brexit”.

“O compromisso da Grã-Bretanha no ITER é abrangido pelo tratado Euratom, que institui a Comunidade Europeia de Energia Atómica”, disse. Esse compromisso é distinto do tratado que criou o Mercado Único Europeu, ainda que ambos tenham sido assinados em Roma a 25 de Março de 1957.

A Comunidade Europeia de Energia Atómica não se fundiu com a União Europeia e tem assim uma personalidade jurídica distinta, embora partilhando as mesmas instituições. “Normalmente, os membros do tratado Euratom não têm o direito de sair, excepto por unanimidade”, explica Bernard Bigot. “Penso que a Grã-Bretanha, que está interessada na fusão nuclear, quer permanecer como parceiro”, acrescenta, lembrando que em território britânico existe o Joint European Torus, ou JET, um equipamento de investigação em fusão nuclear fruto de uma colaboração europeia. “[Com a sua saída da União Europeia], a Grã-Bretanha pode manter-se parceira do ITER, nas mesmas condições do que a Suíça, sob o chapéu do Euratom.”

Sinal da sua “confiança” de que o Reino Unido não vai deixar o ITER, Bernard Bigot assinou a 27 de Junho – apenas quatro dias depois do referendo britânico – um contrato para dez anos que envolve uma empresa inglesa. No valor de 174 milhões de euros, este contrato encarrega um consórcio internacional – liderado pela Amec Foster Wheeler, uma sociedade de engenharia londrina, em parceria com a Assystem (França) e a Kepco (Coreia do Sul) – de coordenar a montagem das peças do tokamak. A data de assinatura “não foi um acaso”: “Simbolicamente, não quis mudar nada no nosso calendário, porque a minha convicção é que a Grã-Bretanha vai ficar [no ITER].”