Se Terry O'Neill começasse a fotografar hoje não tinha nada que o inspirasse

Uma exposição sobre os 50 anos de carreira do fotógrafo inglês é inaugurada esta quinta-feira no Centro Comercial Colombo.

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Sempre que a luz do flash se apagava o cão saltava. Um novo disparo e voltava a ladrar, enfurecido, lançando-se na direcção do flash. Queria mordê-lo. Ao lado, David Bowie mantinha-se imperturbável. Atrás da câmara fotográfica, Terry O’Neill registava uma das mais icónicas imagens da carreira do músico.

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Sempre que a luz do flash se apagava o cão saltava. Um novo disparo e voltava a ladrar, enfurecido, lançando-se na direcção do flash. Queria mordê-lo. Ao lado, David Bowie mantinha-se imperturbável. Atrás da câmara fotográfica, Terry O’Neill registava uma das mais icónicas imagens da carreira do músico.

A fotografia, captada nos anos 1970 para a promoção do álbum Diamond Dogs, é uma das 50 imagens da exposição Terry O’Neill – Faces of the Stars, que a partir desta quinta-feira vai ocupar a praça central do Centro Comercial Colombo até 28 de Setembro.

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David Bowie numa fotografia de promoção do álbum Diamond Dogs Terry O'Neill

O rosto do músico de Life on Mars é, aliás, um dos mais presentes nesta exposição que esboça um olhar sobre a carreira do fotógrafo inglês. Com ele, “cada fotografia era uma verdadeira arte de representação, cada vez mais desafiador e inventivo”, descreveu O’Neill. “Era naturalmente e maravilhosamente excêntrico”. Para além desta imagem de Bowie, nesta exposição vemo-lo ainda de semblante entre o exausto e o desafiante na fase Thin White Duke, ou a enlear Elizabeth Taylor como se formassem um par da época gloriosa de Hollywood.

Entre a encenação e o improviso, esta fotografia, que resultou de um encontro combinado pelo próprio Terry O’Neill, desvenda um dos aspectos essenciais da obra do fotógrafo: o poder revelador da cumplicidade.

O’Neill, agora com 77 anos, começou a fotografar nos anos 1960, em Londres. A história é curiosa e conta-se rapidamente. É a história de um rapaz que sonhava ser baterista de jazz e que, para poder tocar nos clubes de Nova Iorque, decidiu candidatar-se ao cargo de comissário de bordo na British Airways. Acabou admitido para a equipa de fotografia da companhia aérea.

No aeroporto fotografou um homem de aspecto ilustre que descansava num café. O homem era afinal, R.A. Butler, o secretário britânico de Estado e de Assuntos Internos da época, e a fotografia foi comprada e publicada na primeira página de um popular jornal britânico. Foi o início da carreira de O’Neill, que com 21 anos se tornou o mais jovem fotógrafo a trabalhar em Fleet Street, a rua cujo nome se tornou sinónimo de toda a imprensa inglesa.

A par de David Bailey ou Terence Donovan, Terry foi um dos fotógrafos que, mais do que documentar, desenharam de raiz a imagem dos famosos Swinging Sixties, quando os jovens londrinos se mobilizaram, década e meia depois do pós-guerra, num movimento cultural de subversão.

“Estava no lugar certo, na hora certa”, resumiu um dia o fotógrafo. “A sensação era que a cada dia acontecia algo novo”. E Terry estava lá para fotografar o que despontava. Na redacção perguntaram-lhe qual seria a próxima grande banda e ele foi fotografar a sua aposta. Os editores ficaram horrorizados com os elementos da banda, disseram que pareciam cinco monstros pré-históricos. Terry O’Neill tinha fotografado os Rolling Stones.

Quando os Beatles gravaram o seu primeiro álbum de estúdio, O’Neill estava lá. Foi fotografá-los nas traseiras dos estúdios de Abbey Road e a imagem foi a primeira da banda a aparecer num jornal de cobertura nacional. “Ninguém tinha fotografado uma banda pop antes, por isso podia safar-me com qualquer coisa. Fotografei aquilo que achava que um grupo pop devia parecer.”

O’Neill registou a vertigem dos acontecimentos e dos seus intérpretes sem ser seduzido por ela. Não vivia durante a noite. Queria estar no jornal de manhã cedo porque tinha de revelar as imagens do dia anterior e também porque essa era a única maneira de impor a sua presença.

E assim continuou mesmo quando, com 26 anos, rumou aos Estados Unidos, nomeadamente a Hollywood. Entrava assim no olho do furacão da cultura das celebridades. Fotografou Clint Eastwood, Paul Newman, Katherine Hepburn, Steve McQueen, Ava Gardner, Faye Dunaway (com quem esteve casado entre 1983 e 86), Jane Fonda, Brigitte Bardot, Audrey Hepburn, Elvis Presley, Bruce Springsteen, Al Pacino, Tina Turner ou Frank Sinatra. A lista de nomes podia continuar e seria igualmente impressionante.

Dedicou-se sobretudo à intrincada arte do retrato. Particularmente complicada porque à sua frente estavam personalidades sobejamente conhecidas, estrelas de cinema, da música, da moda, da política também, aquelas cujo rosto já tinha sido registado tantas e tantas vezes. O’Neill respondeu com outra das suas estratégias habituais: a sua invisibilidade.

“Nunca quis atenção, não queria ser famoso”, revelou numa entrevista ao Telegraph. “Nunca me senti verdadeiramente fascinado por ninguém, apreciava a ajuda que os famosos me davam mas nunca vivi para isso.” Terry O’Neill passava muito tempo com os seus fotografados. Podia ou não conquistar a sua amizade, mas ganhava a sua confiança. Foi essa equação de imprecisa resolução, que em doses iguais mistura tempo e confiança, que lhe permitiu desvelar muita da espontaneidade reflectida no seu trabalho.

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O actor Al Pacino Terry O'Neill

Olhar para os retratos de Terry O’Neill é também descobrir em suspenso uma época que já dificilmente reconhecemos e uma visão de fotografia de artistas que está cada vez mais distante. O próprio O’Neill olha com desdém para as actuais passadeiras vermelhas das estreias de cinema, com actores que estacam diante dos fotógrafos e estes a disparar dezenas e dezenas de vezes na esperança de que pelo menos uma das fotografias esteja boa.

Na já citada entrevista ao inglês Telegraph, o desconsolo é evidente. “Se estivesse a começar agora, não sei onde iria buscar inspiração. As estrelas de cinema tinham personalidade, agora são apenas 15 minutos de fama. Não quero fotografar pessoas que participaram no Factor X.”