Britânicos no Algarve preocupados com o day after

São 50 mil pessoas que se dedicam ao turismo, ao mercado imobiliário, à cultura ou a usufruir da reforma. Cá como lá, estão divididos entre os benefícios da UE e o receio dos imigrantes.

Foto
O resultado do referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE está a preocupar os britânicos que vivem no Algarve AFP/CHRIS J RATCLIFFE

A comunidade britânica residente no Algarve está apreensiva com o referendo de 23 de Junho, quando o Reino Unido decide se vai permanecer ou sair da União Europeia. Desde que foi anunciado, diz Bruce Hawker, “os investimentos estão em stand by”. Ninguém sabe como vai ser o day after.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A comunidade britânica residente no Algarve está apreensiva com o referendo de 23 de Junho, quando o Reino Unido decide se vai permanecer ou sair da União Europeia. Desde que foi anunciado, diz Bruce Hawker, “os investimentos estão em stand by”. Ninguém sabe como vai ser o day after.

Fundador do grupo Open Media, que integra entre outros títulos o semanário Algarve Resident, Hawker é filho que uma família inglesa que, na década de 1970, escolheu a região para se fixar. Como muitos outros nesta comunidade de 50 mil pessoas, não pode votar. Os britânicos que residem há mais de 15 anos no estrangeiro não têm direito de voto.

O Museu do Trajo, em São Brás de Alportel, é um dos pontos de encontro dos estrangeiros residentes na região, sobretudo os que se interessam por acontecimentos culturais. Jane Compton, presidente da Associação Arqueológica do Algarve, é uma das dinamizadoras do convívio intercultural. “Tenho a sorte de poder votar”, diz, lembrando que lhe faltam seis meses para completar 15 anos a viver em Portugal. Uma vez ultrapassado esse período, sublinha, “ficamos impedidos de exercer o direito de voto, não é justo”, protesta.

Esta insatisfação, acrescenta a arqueóloga, foi veiculada pela imprensa inglesa sedeada na região, mas não teve eco junto do Governo de David Cameron, o primeiro-ministro conservador que convocou o referendo. “Recebo uma pensão da Inglaterra, pago impostos e esta vai ser a última vez em que vou poder votar”, protesta Jane Compton.

Hawker, empresário, não vota mas, diz, está a torcer para que o Reino Unido se mantenha na União Europeia. “Tenho lá três votos a favor do sim”, conta, referindo-se aos filhos que vivem em Inglaterra.  “Estou com um grande receio sobre o que Brexit poderá significar para o Algarve”, acrescenta.

A possibilidade de uma nova crise bater à porta da Europa  – a exemplo da última que eclodiu nos  Estados Unidos em 2008, estendendo-se por todo o mundo – paira no horizonte. O empresário da Open Media recorda o que aconteceu então noutra das revistas do grupo, a revista Essencial Algarve: “Sofremos uma quebra de receitas de publicidade de 80%”. Desde há dois anos, diz, “as coisas melhoraram”.  

Marcio Smith, de 36 anos, partilha da mesma perplexidade. “A saída da União Europeia, para quem cá vive, pode ser muito má”. Tal como Hawker, Smith pertence à segunda geração de britânicos que escolheram o Algarve não apenas para passar férias ou desfrutar de uma reforma tranquila, mas para se afirmarem, profissionalmente, numa Europa sem fronteiras. Marcio descobriu o Algarve  ainda em criança, pela mão dos pais. Agora regressou para trabalhar, numa região onde os restaurantes colocam em primeiro lugar da ementa os pratos escritos em  inglês.

Smith chegou a Portugal há cinco meses com a família – mulher e dois filhos – trilhando caminhos já conhecidos. Não foi por acaso que comprou uma moradia em Querença – os  pais tinham casa de férias nesta aldeia do barrocal algarvio. A zona do turismo de luxo onde trabalha, a  Quinta do Lago, fica a meia hora do sítio onde vive. Os filhos frequentam a escola pública na aldeia.

“Se estivesse em Inglaterra votava pela saída, por causa da imigração". “Os adeptos da saída levam vantagem, porque falam na necessidade do controlo de fronteiras e de impor restrições aos imigrantes, e acho bem que assim seja”, diz Smith. O Reino Unido, no seu entender, “não tem condições para aguentar tanta gente a pedir auxílio”.

Mas "uma vez que vivo em Portugal, a minha posição é claramente a favor da permanência na União Europeia”, enfatiza Smith, que trabalha numa empresa ligado ao sector imobiliário/turístico.

No barrocal algarvio, nos tempos de juventude, Marcio Smith descobriu o perfume das plantas silvestres e o gosto pela natureza, quando passava férias com os pais, junto à fonte Benémola. Embora a grande maioria dos britânicos tenha começado por conhecer o Algarve a partir de Albufeira, Carvoeiro e Praia da Rocha, são cada vez mais os que preferem o sossego do interior ao litoral massificado.

Durante os anos mais recentes, passaram tardes à sombra das alfarrobeiras ou à beira das piscinas a ouvir o cantar das cigarras. De repente, sentem que algo os inquieta: “As coisas estavam a ir bem, em termos de investimentos, mas agora pararam as compras e vendas”, diz Marcio, colocando muitas interrogações em relação ao resultado do referendo.    

O seu vizinho Leonard Beard, 58 anos, não tem dúvidas. “A saída da União Europeia seria um desastre”, enfatiza. Vive no Algarve há 12 anos, aprendeu a falar português, embora trabalhe só com estrangeiros. Na sua página do Facebook, este  pastor promove os seu serviços de oficiante para quem deseja fazer uma cerimónia de casamento, um baptizado ou um funeral, à maneira inglesa.  A conversa tem de ser rápida: “Tenho de ir celebrar um casamento”.

No entender deste britânico, trata-se de um “engano” pensar-se que a saída da UE seria vantajosa para o Reino Unido. “A Inglaterra só produz 45% da electricidade que consome”. O preço das matérias primas, importadas, diz, pode disparar. “As pessoas não pensaram ainda bem nas consequências”. Mas, por outro lado, reconhece que esta é uma questão que está a dividir a sociedade britânica: “A minha filha e o meu filho, que vivem na Inglaterra, vão votar pela saída”, lamenta.  

Bruce Hawker olha para a Europa como um espaço aberto à livre circulação de pessoas e capitais.  “Discute-se a questão das fronteiras de uma forma muito emotiva, sem atender a todos os outros factores”, diz. Considera que o Reino Unido, mesmo que venha a decidir-se pela saída da UE, “continuará a ser a quinta maior economia do mundo”. Porém, a correlação de forças económicas e politicas pode alterar-se. “Os especialistas dizem que haverá uma quebra da libra face ao dólar, o mesmo poderá suceder, embora em percentagem menor, em relação ao euro”. O resultado, diz, terá reflexos directos no turismo, que a par do sector imobiliário envolve muita da comunidade britânica no Algarve e mexe com todas as áreas de negócio na região. Por isso, uma eventual queda da libra face ao euro, em consequência de um "Brexit",  “pode  desencadear uma nova crise”, diz Hawker. "A Europa ficará mais cara para os britânicos”.

Ingleses não se sentem europeus

No Colégio Internacional de Vilamoura (uma instituição com os currículos do Ministério da Educação português e de Cambridge), a docente Elizabeth Currach-Hall, de 53 anos, culpa David Cameron por ter  criado a “confusão” quando, no papel de candidatou a primeiro-ministro – reelegeu-se em Maio do ano passado, com maioria absoluta –, prometeu o referendo. “Os ingleses nunca se sentiram europeus, nunca”, enfatiza. Chama a atenção para as diferenças culturais dentro do próprio Reino Unido. “Os escoceses são diferentes, são muito europeus”.

Uma colega, Elizabeth Catherine Coelho, irlandesa de 62 anos casada com um português, entende que a campanha sobre o referendo está a descambar para o lado pior da política. “Se um diz que é branco, o outro diz que é preto – não informam quais vão ser as consequências”, critica.  

No caso do seu país, a Irlanda do Norte, diz, “estão a ameaçar com o terrorismo”. Mas ela, que vive em Portugal, gostaria de ter respostas para outras perguntas: "Como podemos, nos serviços públicos de saúde, beneficiar dos mesmos direitos dos cidadãos europeus, se sairmos da União Europeia?”. A mãe de Elizabeth, de 90 anos e a viver no Reino Unido, defende a saída "porque o país perdeu capacidade económica – as fábricas fecharam, por acordos comerciais externos”. 

No Museu do Trajo de Brás de Alportel, concelho onde reside uma significativa comunidade de estrangeiros reformados, Alice Toso, da Universidade de York, vai falar sobre “Dieta Islâmica em Portugal”, a convite da Associação Arqueológica do Algarve. Mas a pergunta "O que irá acontecer ao Reino Unido?" domina as conversas do quotidiano. "O meu marido [médico] acha que deve ficar, eu penso que deve sair”, diz Maxime Srivastava, magistrada, reformada, a caminho da conferência. A questão dos refugiados, justifica, é o que a faz optar pela saída. Na sua opinião, as razões invocadas pelo primeiro-ministro, David Cameron, “não têm sido convincentes” – o primeiro-ministro conservador tem centrado a sua campanha no risco da saída na economia. Mas os opositores, ou seja os que defendem a saída, “também não têm sido muito claros”.

“De um lado e do outro não estão a transmitir a mensagem correcta”, diz a magistrada reformada. Da parte das vantagens em permanecer na UE, Srivastava destaca o intercâmbio cultural e científico. “Devíamos ouvir mais os jovens – há 15 mil vagas nas universidades europeias, e essas portas podem fechar-se”, adverte. Mas se por um lado "o mercado comum é bom", por outro "os refugiados é mau”.

A palestra onde se falará dos valores da cultura islâmica está quase a começar. Ruth Gale, de 80 anos, está sentada na esplanada do museu com mais quatro amigas. Vive em Portugal há 25 anos. “Sim, estou excluída” da votação, comenta. “Mas eu acho que devemos ficar. Já a minha filha quer sair”. Explica que compreende o lado de quem está contra a União Europeia: “As pessoas não gostam dos elevados montantes que pagam a Bruxelas”. Mas desde o pagamento das pensões às relações comerciais e culturais, conclui, “tudo é muito mais fácil se estivermos no mercado comum”. 

Cá como lá, os britânicos estão divididos quanto a permanecer ou a saír da União Europeia. No Algarve como no Reino Unido, de um lado usa-se o argumento da economia e dos negócios, do outro o dos imigrantes. Feito o balanço dos prós e contras, Maxime Srivastava, dá o seu veredito: “Vai vencer o sim, por uma margem muito pequena”. António Bolivar, um quadro das Nações Unidas reformado e casado com uma artística plástica inglesa, também faz o seu comentário: “Cameron caiu sobre a própria espada, quando lançou a ideia do referendo”.