Coreia do Norte – a estratégia dissimulada

O que parece uma louca agressividade nuclear é, de facto, uma inteligente coreografia de extorsão.

Logicamente existe um tenebroso risco quando armas nucleares e mísseis balísticos intercontinentais se encontram sob controlo de um regime agressivamente psicopata como o norte-coreano. Mas, não sendo impossível, é implausível um ataque nuclear ou mesmo um ataque convencional de grande dimensão. A ameaçadora estratégia nuclear é, essencialmente, um inteligente instrumento de coação internacional que a Coreia do Norte utiliza para suportar o regime perante críticas dificuldades. Trata-se de um jogo de extorsão mundial que este país joga com mestria há quase 2 décadas. E que, invariavelmente, ganha.

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Logicamente existe um tenebroso risco quando armas nucleares e mísseis balísticos intercontinentais se encontram sob controlo de um regime agressivamente psicopata como o norte-coreano. Mas, não sendo impossível, é implausível um ataque nuclear ou mesmo um ataque convencional de grande dimensão. A ameaçadora estratégia nuclear é, essencialmente, um inteligente instrumento de coação internacional que a Coreia do Norte utiliza para suportar o regime perante críticas dificuldades. Trata-se de um jogo de extorsão mundial que este país joga com mestria há quase 2 décadas. E que, invariavelmente, ganha.

O risco aparente é superior ao que o Ocidente supõe. A Coreia do Norte possui as quartas maiores forças armadas do mundo com mais de 1 milhão de efetivos, mais de 4 vezes superior aos do Japão. Parte do equipamento militar convencional está obsoleto mas é poderoso. As forças especiais são muito bem treinadas. Esta nação detém um número crescente de armas nucleares, embora subsistam dúvidas sobre a sua miniaturização e sobre a adaptação aos mísseis de longo alcance.

Com alta tecnologia, inclusive de ciberguerra, existe uma forte aposta em mísseis que podem atingir o Japão e mesmo a costa ocidental dos Estados Unidos. Potencialmente piores são os mísseis lançados de submarinos, os SSN-6. Os norte-coreanos rapidamente podem atingir a Coreia do Sul, cuja capital, com 12 milhões de habitantes, se encontra apenas a 50 km da Zona Desmilitarizada que separa as duas Coreias inimigas. A uma distância inferior a 100 km dessa fronteira encontram-se 70% do exército da Coreia do Norte e 50% das suas forças aérea e naval. Esta é a zona com a maior concentração militar do planeta. Um ataque nuclear da Coreia do Norte sobre a Coreia do Sul ou o Japão colocaria em convulsão dantesca toda esta região, com consequências enormes para a estabilidade mundial. O mundo mudaria dramaticamente em escassos dias.

Perante este quadro de pavor, por que motivos não deveremos assustar-nos excessivamente?

O único apoio relevante da Coreia do Norte tem sido a China, que se encontra já saturada e irritada com as ações irresponsáveis dos dirigentes norte-coreanos. Os Estados Unidos, com a sua poderosíssima presença militar na Ásia Oriental e no Pacífico, constituem a principal força protetora da Coreia do Sul e do Japão perante a ameaça norte-coreana. Existem planos de contingência para diversos cenários de ataque pela Coreia do Norte, cujos dirigentes sabem que, no caso de uma sua ofensiva nuclear ou em larga escala, o regime seria esmagado apesar de um elevado custo para os seus inimigos. Assim, o regime da Coreia do Norte sente-se sem opções de ataque vencedor sobre outros.

Mas por que motivo a Coreia do Norte persiste com o crescimento acelerado da sua capacidade nuclear ofensiva se sabe que existe uma enorme capacidade militar externa que converge para intervir devastadoramente sobre o país?

Em parte, o poder nuclear norte-coreano indica aos seus inimigos que, para eles, uma guerra teria custos enormes. Mas o objetivo essencial é, inteligentemente, o da preservação da estabilidade interna da Coreia do Norte e do seu regime. Como? Vejamos.

A Coreia do Norte é um país isolado. A sua economia é disfuncional, sujeita a sanções e sem acesso a mercados globais. Tem alta tecnologia mas também uma carência indescritível de petróleo e de dinheiro. Pior ainda, enfrenta quase todos os anos, em especial no inverno e na primavera, uma dramática falta de alimentos. E fome. Na década de 1990 mais de 1 milhão de norte-coreanos morreu com fome. Se falta energia, petróleo, dinheiro e alimentos, germina rapidamente o caos interno que, a partir de um certo nível, poderá induzir a implosão estrutural do país. Muitos milhões de refugiados em absoluta fome entrariam descontroladamente na China e na Coreia do Sul, o que aterroriza estes dois países. Implodiria o regime e ninguém quer arriscar uma situação de caos e de indivíduos com acesso ao arsenal nuclear num momento de desespero.

A verdade é que ninguém no seu perfeito juízo deseja a perigosíssima implosão do regime norte-coreano. Desejamos que mude mas não desse modo. E esta é a vulnerabilidade mundial. Para evitar um desastre, o mundo (em especial a China, a Coreia do Sul, o Japão e os Estados Unidos) não tem melhor opção do que a de fornecer a este país aquilo que evite a implosão. Isto é, fornecer petróleo, muito dinheiro e muitos alimentos, especialmente cereais.

O que parece uma louca agressividade nuclear é, de facto, uma inteligente coreografia de extorsão com que este regime exige ao mundo aquilo de que necessita para sobreviver. Os norte-coreanos ganham sucessivamente este “jogo”. Paradoxalmente, o mundo preserva o regime da Coreia do Norte porque, por enquanto, não tem uma alternativa melhor.

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