Com Lampedusa na memória, Lesbos espera ansiosa as palavras do Papa

Na companhia do patriarca de Constantinopla e o arcebispo ortodoxo de Atenas, Francisco visita o centro de detenção de Moria, onde o desespero cresce a cada dia. Vaticano insiste que "é estritamente humanitária, não política".

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No campo de Moria estão já mais de três mil pessoas, entre elas muitos menores totalmente por sua conta Aris Messinis/AFP

Passaram quase três anos desde que Francisco foi a Lampedusa chorar “os mortos esquecidos” e lamentar a “globalização da indiferença” perante o sofrimento de quem foge da miséria e da guerra. A denúncia ressoou pelo mundo, mas desde então mais sete mil pessoas morreram afogadas no Mediterrâneo, mar a que já chamou de “grande cemitério” e ao qual vai regressar neste sábado – desta vez acompanhado pelo patriarca de Constantinopla e o arcebispo ortodoxo de Atenas, para ir ao encontro dos refugiados que a Europa encerrou em campos de detenção.

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Passaram quase três anos desde que Francisco foi a Lampedusa chorar “os mortos esquecidos” e lamentar a “globalização da indiferença” perante o sofrimento de quem foge da miséria e da guerra. A denúncia ressoou pelo mundo, mas desde então mais sete mil pessoas morreram afogadas no Mediterrâneo, mar a que já chamou de “grande cemitério” e ao qual vai regressar neste sábado – desta vez acompanhado pelo patriarca de Constantinopla e o arcebispo ortodoxo de Atenas, para ir ao encontro dos refugiados que a Europa encerrou em campos de detenção.

O Vaticano insiste que o Papa vai à ilha de Lesbos a convite dos seus “irmãos ortodoxos” (Bartolomeu é o líder espiritual das igrejas ortodoxas, Jerónimo II preside à Igreja da Grécia) numa visita que é “estritamente humanitária e ecuménica, não política”, em “solidariedade” tanto com os refugiados como com a população grega, que tem sido “tão generosa no acolhimento".

Mas será difícil não fazer leituras políticas na visita dos três bispos à pequena ilha que viu passar grande parte dos mais de um milhão de refugiados que entraram na Europa no último ano. Tanto mais que a deslocação acontece quando a Grécia, cumprindo o polémico acordo entre a União Europeia e a Turquia, começou a expulsar os que chegaram às ilhas após 20 de Março.

Desde então, as chegadas quase estancaram, mas a Organização Internacional das Migrações (OIM) alertou nesta sexta-feira que a pressão migratória está a transferir-se para Itália, onde em apenas três dias desta semana foram resgatados mais de cinco mil migrantes, a grande maioria de origem subsariana. Receando um “fluxo migratório descontrolado”, a Áustria avançou com planos para repor os controlos fronteiriços na região do Tirol.

Conhecedoras do mediatismo que o Papa argentino traz consigo, organizações humanitárias e movimentos católicos pediram a Francisco que não poupe nas palavras para condenar o anunciado fecho da rota do Egeu. “Ele tem de denunciar as violações, o medo e a incerteza em que vivem milhares de refugiados e imigrantes encurralados no limbo de Lesbos e do resto da Grécia”, disse à AFP Gauri van Gulik, director adjunto para a Europa da Amnistia Internacional.

“Se houver qualquer coisa para dizer, ele vai dizê-la”, limitou-se a responder o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano. Numa entrevista ao jornal católico Il Messagero, Bartolomeu foi um pouco mais longe, dizendo que visita “representa uma forte mensagem ao mundo” para que, como pediu São Paulo, “não esqueça a hospitalidade, porque por ela alguns, sem o saberem, hospedaram anjos”.

Almoço em Moria

A estadia é curta – cinco horas, um pouco mais do que o Papa passou em Lampedusa –, mas no programa cuidadosamente preparado sobejam oportunidades para Francisco e os seus pares enviarem aos líderes europeus os recados que muitos deles não têm querido ouvir. Especialmente num lugar como Moria, um hotspot criado por instrução da UE para que ali fossem registados todos os que chegaram à ilha, mas que com a entrada em vigor do acordo com a Turquia se transformou num centro de detenção – as 2300 vagas iniciais foram já ultrapassadas e agora, entre os contentores montados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) multiplicam-se tendas de campismo.

Dentro da vedação, os três líderes religiosos vão reunir-se com 150 menores, muitos deles totalmente por sua conta, antes de um encontro com outros 250 migrantes de “diferentes condições” que Francisco, Bartolomeu e Jerónimo querem cumprimentar um a um. Almoçam depois com oito refugiados, num contentor igual aos que servem de dormitório, terminando a visita no porto de Mitilene, a capital da ilha, para um encontro com a população e uma oração ecuménica pelos que morreram no mar.

Na ilha, que nos últimos meses viu mais tragédias do que os seus habitantes poderiam imaginar, as opiniões dividem-se sobre o impacto da visita. Spyros Galinos, presidente da câmara de Mitilene, fala numa visita “histórica” e “altamente simbólica”. “Quem sabe se ele não consegue abrir as fronteiras”, iludia-se também Nedal, um sírio que chegou com a família a Lesbos antes de 20 de Março, mas que continua na ilha à espera de uma vaga no muito atrasado sistema de redistribuição acordado pela UE.

Outros estão menos optimistas. “Se não for por mais nada pode ser que a visita do Papa sirva para dar melhores condições a alguns detidos durante alguns dias”, disse à Reuters Alison Terry-Evans, responsável por uma organização que se dedica a lavar os cobertores distribuídos pelo ACNUR e que, como muitas outras, denuncia a gritante falta de condições dentro do campo. “Temos ouvido histórias de pesadelo sobre o que se passa lá dentro”, contaram ao Guardian dois voluntários dos Médicos Sem Fronteiras, uma das ONG que, seguindo o exemplo do ACNUR, deixaram de cooperar com as autoridades gregas, recusando ser coniventes com a detenção dos migrantes.

“A visita do Papa a uma das linhas da frente da crise dos refugiados acontece num momento crítico, em que a Europa enfrenta um vazio de liderança”, disse ao Catholic News Service Josh Kyller, coordenador de uma ONG católica a trabalhar em Lesbos. Mas a Francisco não interessa entrar no debate político nem liderar a oposição ao acordo europeu, diz o activista, que vê na visita papal uma forma de “chamar a atenção do mundo para as dezenas de milhares de pessoas que estão a sofrer”.

Pessoas como Farydoon, um afegão de 23 anos detido em Moria, e que contou à AFP que vários dos seus companheiros de viagem tentaram suicidar-se nos últimos dias, tal é o desespero que ali reina. Já nesta sexta-feira, testemunhas contaram à BBC que um sírio que fazia parte de um grupo que recebeu ordem de expulsão para a Turquia tentou enforcar-se, o que só não aconteceu porque a polícia interveio a tempo. “Talvez o Papa compreenda, pelo menos, aquilo que nos aconteceu”, lamentou-se Farydoon.