Regresso à Psicopátria: os GNR voltam a 1986

Disco clássico da música portuguesa será revisto na íntegra esta quarta-feira, no Rivoli, na primeira edição do ciclo Porto Best Of. Não é nostalgia, nem revisão museológica. “Tem sido uma surpresa”, diz Rui Reininho.

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A capa fixou um Porto a preto e branco que era passado e teimoso presente: uma mulher em atlético salto para o rio Douro onde outra juventude se banhava. O disco, de nome Psicopátria, tornou-se um clássico da música portuguesa e episódio fundamental do percurso dos GNR. O álbum, a celebrar 30 anos, é revisitado na íntegra esta quarta-feira à noite, no grande auditório do Teatro Rivoli, no Porto. Será o primeiro momento do ciclo Porto Best Of, no qual bandas emblemáticas da cidade vão tocar – na íntegra – o seu disco mais influente.

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A capa fixou um Porto a preto e branco que era passado e teimoso presente: uma mulher em atlético salto para o rio Douro onde outra juventude se banhava. O disco, de nome Psicopátria, tornou-se um clássico da música portuguesa e episódio fundamental do percurso dos GNR. O álbum, a celebrar 30 anos, é revisitado na íntegra esta quarta-feira à noite, no grande auditório do Teatro Rivoli, no Porto. Será o primeiro momento do ciclo Porto Best Of, no qual bandas emblemáticas da cidade vão tocar – na íntegra – o seu disco mais influente.

“O facto de termos ali um Porto a preto e branco na capa do Psicopátria não é acidental”, afirma Rui Reininho, vocalista dos GNR, ao PÚBLICO. “Foi uma escolha entre um Pedro Cabrita Reis e uma fotografia que se focalizou na cidade do Porto. [Sem aquela fotografia de Beatriz Ferreira] Seria diferente, se calhar nem se chamaria Psicopátria. É como as crianças: eu gosto de as baptizar depois de as ver. E depois de nós vermos o que seria a capa é que ele foi baptizado.”

Revisitar Psicopátria, obra que consolidou a ideia de uns GNR como imparável força pop (mesmo que uma pop que bebe de muitas artes insubordinadas, a começar nas letras surrealistas de Reininho), foi uma ideia de Miguel Guedes, vocalista dos Blind Zero e curador do Porto Best Of. Feito o convite, a banda começou “a pensar nisto em Novembro ou Dezembro” de 2015, conta Reininho. “É agradável. Mal comparado, é como se fôssemos uma companhia de teatro e fôssemos buscar uma peça que já tínhamos feito antes. Um Brecht [risos].” A lotação está esgotada – os bilhetes foram vendidos em cerca de 24 horas, diz a banda.

Já antes do desafio de Miguel Guedes os GNR tinham recuperado ao vivo temas de Psicopátria habitualmente arredados dos alinhamentos dos concertos: Nova Gente e, por pressão popular via redes sociais, Pós Modernos. Iniciou-se uma sucessão de surpresas face ao material gravado há três décadas. “As maneiras de compor são diferentes. Às vezes ficamos surpreendidos pelo lado naïf das estruturas, porque é um disco que tinha autoprodução e em que cada um tinha muita liberdade para fazer os disparates que lhe apetecesse. As estruturas são até um bocadinho... cómicas, pelo menos para nós. Só temos que nos rir de nós próprios, é um bom sintoma.”

No Rivoli, as canções de Psicopátria vão surgir necessariamente diferentes. “Tem sido uma surpresa, porque as coisas são diferentes, há uma evolução técnica por parte das pessoas e também não há dúvida que os instrumentos soam de maneira diferente uns anos depois. E a disponibilidade física e mental é diferente”, observa Reininho. “O Psicopátria é interessante de se fazer neste formato. Para nós, é o vinil puro e duro: o lado A e o lado B. E estas músicas são interessantes de se fazer, têm um lado de energia e um lado contemplativo.”

Psicopátria é presença comum nas listas de melhores discos pop-rock nacionais. Não faltam argumentos para isso: a pompa pop de Pós Modernos; a glória new wave de Choque Frontal; as baladas avariadas (Bellevue, Efectivamente); o punk-funk de To Miss, dissonante como o mais dissonante pós-punk anglo-saxónico.

Quando pensou nos GNR para o ciclo Porto Best Of, Miguel Guedes não teve dúvidas sobre que disco deveria ser interpretado: “Pensei logo no Psicopátria. Foi um disco que ouvi muito na altura. Tenho a recordação imediata da capa, uma das capas mais importantes da música portuguesa. E a capa é um pouco o imaginário do disco, é um disco muito portuense, um disco que encontra os GNR num momento incrível de forma, com uma enorme urgência de dizer as coisas e com músicas maravilhosas.”

O álbum, o último com Alexandre Soares, leva em definitivo os GNR para a primeira liga da música portuguesa – tocavam nos Coliseus quando poucos grupos nacionais o faziam, recorda Reininho. É “a profissionalização da banda, em termos fiscais até”, afirma a rir-se. “É exacto, porque nesta altura nós reunimo-nos e isto passa a ser GNR, Lda., com as declarações de impostos em dia.”

Mais do que nostalgia

O ciclo Porto Best Of nasceu de conversas entre Miguel Guedes, o então vereador da Cultura da Câmara do Porto Paulo Cunha e Silva (falecido em Novembro do ano passado) e o seu assessor Guilherme Blanc. O objectivo era levar “a música para o palco principal do Rivoli”, complementando o “papel extraordinário” que o equipamento municipal estava a ter para artes como a dança e o teatro, explica Guedes.

Até ao final de 2017, o ciclo, cuja programação ainda não foi revelada, deverá apresentar uma dezena de noites, juntando sempre “sangue novo” aos clássicos. Esta quarta-feira, antes dos GNR, apresentam-se os Lobo, cujo álbum Reverberação (2015) inclui uma versão de Homens temporariamente sós, original da banda de Rui Reininho.

Revisitar um álbum seminal – uma tendência no circuito de música ao vivo – não é um mero exercício nostálgico para os GNR (mesmo que falar em 1986 com Reininho seja pescar-lhe memórias de um Porto que se abria às artes e à boémia, com bares como o Griffon’s e o Aniki-Bobó e espaços como a galeria Roma e Pavia). Só há celebração porque os GNR estão vivos (o mais recente disco, Caixa Negra, foi lançado há apenas um ano).

“Nunca fomos muito de comemorações. As coisas começam a atropelar-se. Depois dos 35 anos dos GNR, os 30 do Psicopátria… É uma confusão de aniversários e de comemorações que não é muito o nosso género, sabendo nós que uma grande parte dessas comemorações são um bocadinho fictícias. Muitos grupos [que festejam uma efeméride] estão parados há dez ou 15 anos. É como eu costumo dizer: também podia comemorar os meus 20 anos de casamento, mas já estou separado há dez [risos].”