Síria, uma “solução” a meio caminho

O acordo de Munique permitirá ampliar a ajuda humanitária, mas não garante o calar das armas.

Na madrugada de sexta-feira, John Kerry veio anunciar o que, à primeira vista, seria uma “boa nova”: estava garantido um cessar-fogo na Síria, não a 1 de Março, como até esse momento reivindicava a Rússia, mas já na próxima semana; e o alargamento da ajuda humanitária a uma série de cidades sírias martirizadas pelos constantes combates. Isto aconteceu em Munique, após um encontro do Grupo Internacional de Apoio à Síria, e para dar maior ênfase ao momento, o secretário de Estado dos EUA surgiu perante a imprensa ao lado do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov. Bastará isto, no entanto, para fazer suspirar de alívio a comunidade internacional? De modo algum. A data do cessar-fogo, resultado de um compromisso entre americanos (que o queriam imediato) e russos (que preferiam adiá-lo por razões estratégicas), não é garantia rigorosa, ou sequer aproximada, da sua concretização. Basta notar que, no interior da Síria, o ditador Bashar-al Assad continua decidido a recuperar o controlo da totalidade do país, como afirmou à agência AFP, em Damasco, esta quinta-feira. “Não é lógico dizermos que há uma parte do nosso território à qual vamos renunciar.” O plural não se refere aos sírios, por oposição a terroristas externos, mas ao próprio regime. É Assad que quer recuperar o poder perdido, e quere-o agora (de forma até mais tranquila, devido à protecção do apoio militar russo) tanto quanto sempre o quis desde o início da guerra. Uma Síria em paz, que para o Ocidente significaria um regime não-ditatorial, com liberdade políticas e respeito pelos direitos humanos, é para Assad uma Síria sob o seu comando. “Sejamos capazes ou não de o fazer, é um objectivo que procuraremos atingir sem hesitações”, disse Assad na entrevista. E falou em combates “longos”, como se estes terríveis cinco anos não tivessem sido longos o suficiente, com o seu saldo de quase meio milhão de mortos e uma vaga sem precedentes de refugiados pelo mundo.

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Na madrugada de sexta-feira, John Kerry veio anunciar o que, à primeira vista, seria uma “boa nova”: estava garantido um cessar-fogo na Síria, não a 1 de Março, como até esse momento reivindicava a Rússia, mas já na próxima semana; e o alargamento da ajuda humanitária a uma série de cidades sírias martirizadas pelos constantes combates. Isto aconteceu em Munique, após um encontro do Grupo Internacional de Apoio à Síria, e para dar maior ênfase ao momento, o secretário de Estado dos EUA surgiu perante a imprensa ao lado do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov. Bastará isto, no entanto, para fazer suspirar de alívio a comunidade internacional? De modo algum. A data do cessar-fogo, resultado de um compromisso entre americanos (que o queriam imediato) e russos (que preferiam adiá-lo por razões estratégicas), não é garantia rigorosa, ou sequer aproximada, da sua concretização. Basta notar que, no interior da Síria, o ditador Bashar-al Assad continua decidido a recuperar o controlo da totalidade do país, como afirmou à agência AFP, em Damasco, esta quinta-feira. “Não é lógico dizermos que há uma parte do nosso território à qual vamos renunciar.” O plural não se refere aos sírios, por oposição a terroristas externos, mas ao próprio regime. É Assad que quer recuperar o poder perdido, e quere-o agora (de forma até mais tranquila, devido à protecção do apoio militar russo) tanto quanto sempre o quis desde o início da guerra. Uma Síria em paz, que para o Ocidente significaria um regime não-ditatorial, com liberdade políticas e respeito pelos direitos humanos, é para Assad uma Síria sob o seu comando. “Sejamos capazes ou não de o fazer, é um objectivo que procuraremos atingir sem hesitações”, disse Assad na entrevista. E falou em combates “longos”, como se estes terríveis cinco anos não tivessem sido longos o suficiente, com o seu saldo de quase meio milhão de mortos e uma vaga sem precedentes de refugiados pelo mundo.

É curioso que, há exactamente um ano, em Fevereiro de 2015, a revista Foreign Affairs publicava uma reportagem do seu director executivo, Jonathan Tepperma, na qual este, recém-chegado de Damasco, onde entrevistara Bashar Al-Assad, dizia ter encontrado um homem “sem remorsos e inflexível”, que lhe garantiu que o povo sírio continuava a apoiar o governo; ou seja, ele próprio. Um ano e muitos mortos depois, Assad não mudou, a guerra piorou e a ausência de soluções políticas reais (e não apenas sonhadas) não abre caminho a grandes esperanças. Nos próximos dias, até ao tal cessar-fogo, o mais provável é que os bombardeamentos russos se intensifiquem e o exército de Assad procure ganhar posições no maior número de lugares entretanto reconquistados. Depois, a exemplo do que se passou noutros cenários de guerra (e a Ucrânia e um “bom” mau exemplo), os combates deverão continuar, a coberto de uma retórica aparentemente conciliadora. Assad não desistiu, os sírios continuam a sofrer e o mundo, atordoado, assiste, envolvendo-se numa “solução” a meio caminho do que antes sonhou.