Portugal aterra no coração das trevas

Posto Avançado do Progresso, encenação do colonialismo como teatro de aparências, foi o primeiro filme português a ser mostrado em Berlim 2016. Estreia mais do que digna.

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No Coração das Trevas era o nome original da história de Joseph Conrad que inspirou Apocalypse Now a Francis Ford Coppola. E não fala de outra coisa o primeiro filme português em Berlim 2016, Posto Avançado do Progresso, de Hugo Vieira da Silva (Forum). É uma descida ao coração das trevas no mais profundo da selva congolesa que questiona exactamente o que é que a civilização anda a fazer em sítios com os quais não tem nada a ver. Por acaso, é também um filme rodado on location nos remotos de Angola, e essa aposta no exterior como factor central para a própria arquitectura narrativa do filme é comum às quatro longas que Portugal traz a Berlim este ano.

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No Coração das Trevas era o nome original da história de Joseph Conrad que inspirou Apocalypse Now a Francis Ford Coppola. E não fala de outra coisa o primeiro filme português em Berlim 2016, Posto Avançado do Progresso, de Hugo Vieira da Silva (Forum). É uma descida ao coração das trevas no mais profundo da selva congolesa que questiona exactamente o que é que a civilização anda a fazer em sítios com os quais não tem nada a ver. Por acaso, é também um filme rodado on location nos remotos de Angola, e essa aposta no exterior como factor central para a própria arquitectura narrativa do filme é comum às quatro longas que Portugal traz a Berlim este ano.

Posto Avançado do Progresso, então, deu ao fim da tarde de sexta-feira o "tiro de partida" da "invasão lusa" da Berlinale – a primeira das quatro sessões para o público teve apresentação de Hugo Vieira da Silva e a presença do produtor Paulo Branco e dos actores Nuno Lopes e Ivo Alexandre. A tarde deste sábado traz a apresentação à imprensa de Eldorado XXI de Salomé Lamas (Forum), que só terá estreia pública na segunda-feira, e a primeira das quatro projecções da curta de Marie Losier produzida pelo IndieLisboa, O Pássaro da Noite (Forum Expanded). Domingo é, claro, o dia das Cartas da Guerra de Ivo Ferreira (Competição), em estreia mundial aberta ao público com direito a passadeira vermelha e presença em Berlim do primeiro-ministro António Costa (o filme terá ao todo cinco projecções durante o festival, mais a sessão de imprensa da manhã de domingo). A internacional jornalística acreditada está com os ouvidos à escuta (mesmo que não em excesso), enquanto do lado do EFM, o poderoso mercado da indústria que é o centro negocial de Berlim, só as primeiras reacções públicas permitirão aferir o interesse de distribuidores e exibidores. 

Mesmo com o "selo" do veterano de festivais Paulo Branco, Posto Avançado do Progresso é uma carta um pouco fora do baralho, vindo como vem de um realizador ainda com currículo discreto. Mas a terceira longa de Hugo Vieira da Silva justifica a aposta do Fórum e é, de longe, o seu melhor e mais conseguido filme até agora, confirmando o modo como Joseph Conrad parece inspirar os cineastas que o adaptam. O espantoso plano de abertura, que se afasta de dois comerciantes portugueses deixados num cais improvisado no coração da selva, resume desde logo a questão central do filme: dois arautos impecavelmente de branco vestidos, que vêm trazer à selva profunda e aos negros pagãos as sólidas virtudes civilizacionais do comércio e da educação. 

Daí para a frente, está-se mesmo a ver, é tudo a descer. Exilados pela Companhia do Congo Portuguez para os recônditos da selva, num posto comercial que, quem sabe?, pode dar origem a toda uma próspera cidade, sem contacto com outros ocidentais, João de Mattos e Sant'Anna embarcaram na verdade para o coração das trevas do qual ninguém sai incólume. Vieira da Silva faz jogar o isolamento dos exteriores a seu favor, criando com a ajuda da câmara húmida e pegajosa do argentino Fernando Lockett uma espécie de claustrofobia ao ar livre, um sonho febril que parece não ter fim, mais coreografado e representado do que parece – porque o que é a colonização senão um imenso teatro de aparências, onde o colono finge mandar e o colonizado finge obedecer, mas onde os papéis estão constantemente em fluxo? (Curiosamente, é também de teatro de aparências, e de claustrofobia ao ar livre, que fala Eldorado XXI, ao qual voltaremos oportunamente.) 

Nem todas as opções do realizador funcionam, e alguns interregnos semi-burlescos, semi-experimentais na última meia hora destroem o ambiente de letargia lânguida, muito fiel à escrita de Conrad, que Vieira da Silva consegue sustentar com a ajuda preciosa de Lockett e dos actores (sobretudo do trio central formado por Lopes, Alexandre e David Caracol). Mas visto por onde se quiser ver, Posto Avançado do Progresso é o melhor filme de Hugo Vieira da Silva até agora, e uma estreia mais do que digna da presença portuguesa em Berlim.