Figura de urso

Se Leonardo diCaprio em O Renascido tem lá dentro personagem à espera de ser descoberta, então o urso que o ataca também. É tudo “efeito especial” no cinema de Iñárritu.

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O Renascido esbraceja para que o vejam mas está parado.

Alejandro G. Iñárritu andou a ver cinema americano dos anos 60 e 70 para fazer dele um parque temático em O Renascido, amálgama de Altman, Penn, Cimino ou Malick — que descobre como um deslumbrado dos últimos dias, toca a fazer cópia. Esqueceu-se de As Brancas Montanhas da Morte/Jeremiah Johnson (1972), de Sidney Pollack, com Robert Redford sozinho no deserto branco, sozinho perante a possibilidade do humano se esvair. Iñárritu  esqueceu-se da vertigem que pode estar nessa quietude e nesse silêncio, esqueceu-se de fazer o espectador querer saber algo das personagens, passa-lhe ao lado, porque talvez não seja a sua “história” nem o seu património, ou ele não soube fazê-los seus, toda uma tradição do western terminal e o sentimento de fim - da Hollywood clássica, por exemplo - que impregnou com nostalgia e euforia o cinema da América dos 70s. Como não pode habitar isso, Iñárritu, que sempre foi mais astuto do que sincero, compensa com proeza, com ruído.

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Alejandro G. Iñárritu andou a ver cinema americano dos anos 60 e 70 para fazer dele um parque temático em O Renascido, amálgama de Altman, Penn, Cimino ou Malick — que descobre como um deslumbrado dos últimos dias, toca a fazer cópia. Esqueceu-se de As Brancas Montanhas da Morte/Jeremiah Johnson (1972), de Sidney Pollack, com Robert Redford sozinho no deserto branco, sozinho perante a possibilidade do humano se esvair. Iñárritu  esqueceu-se da vertigem que pode estar nessa quietude e nesse silêncio, esqueceu-se de fazer o espectador querer saber algo das personagens, passa-lhe ao lado, porque talvez não seja a sua “história” nem o seu património, ou ele não soube fazê-los seus, toda uma tradição do western terminal e o sentimento de fim - da Hollywood clássica, por exemplo - que impregnou com nostalgia e euforia o cinema da América dos 70s. Como não pode habitar isso, Iñárritu, que sempre foi mais astuto do que sincero, compensa com proeza, com ruído.

Do primeiro ao último plano O Renascido insiste em demonstrar: coloca obstáculos para provar que os consegue ultrapassar. As personagens — os actores — são meros peões dessa ofensiva, mas isto acontece desde os inícios em que Iñárritu andou a enganar com a promessa de epifanias. As histórias e personagens que se cruzavam em 21 Gramas (2003) ou em Babel (2006) têm a mesma natureza que o ilusório plano único de Birdman (2014): ginástica acrobática. E se Leonardo diCaprio em O Renascido tem lá dentro uma personagem à espera de ser descoberta, então o urso que o ataca também - “efeito especial”.

A coincidente estreia de Os Oito Odiados de Tarantino (na próxima semana), outro filme sobre a América como Hell's Gate, torna isto mais irónico e até amargo. Eis o querido dos Óscares e dos Globos de Ouro, o realizador mexicano, eis um eterno outsider, o americano: descubram-se as diferenças. Em Os Oito Odiados, huis clos, Tarantino coloca dentro de um saloon a América e o seu cinema (dos 70s, 80s e 90s..., Altman, Penn, DePalma, Carpenter ou ele próprio, Tarantino) e o resultado é uma esplêndida experiência de movimento, de expansão pelo território da memória e dos fantasmas. O Renascido não tem universo, não tem fantasmas, esbraceja e está parado.