Cursos profissionais garantem melhores salários, mas só no início da carreira

Estudo elaborado pela economista Sofia Oliveira teve na base o percurso de mais de 600 mil trabalhadores com o ensino secundário.

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Os trabalhadores que fizeram o ensino secundário através dos cursos profissionais têm, em média, vencimentos no início da carreira superiores em cerca de 2% aos que concluíram o 12.º ano nos cursos do ensino regular, mas esta vantagem de partida dissipa-se ao longo da vida profissional: após cinco anos ganham 0,68% mais; após 10 anos, já estão a receber menos 0,61% e ao fim de 15 anos inverte-se a situação de partida – ganham em média menos de 2% dos trabalhadores que fizeram o ensino regular.

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Os trabalhadores que fizeram o ensino secundário através dos cursos profissionais têm, em média, vencimentos no início da carreira superiores em cerca de 2% aos que concluíram o 12.º ano nos cursos do ensino regular, mas esta vantagem de partida dissipa-se ao longo da vida profissional: após cinco anos ganham 0,68% mais; após 10 anos, já estão a receber menos 0,61% e ao fim de 15 anos inverte-se a situação de partida – ganham em média menos de 2% dos trabalhadores que fizeram o ensino regular.

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 Esta é uma das constatações a que chegou a economista Sofia Oliveira, num trabalho intitulado “Regresso ao ensino vocacional em Portugal”, que será apresentado esta segunda-feira numa conferência sobre o ensino profissional, promovida pelo Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson-Correia da Serra, que decorrerá no Instituto Superior de Gestão e Economia, em Lisboa.

A economista lembra a propósito que o ensino vocacional tem sido tema de investigação de muitos autores em vários países. Vários têm enfatizado as vantagens deste tipo de formação, por garantir competências que são valorizadas pelas empresas e propiciar assim uma transição mais fácil para o mercado e trabalho, para além de contribuir para a redução do abandono escolar ao servir de alternativa a estudantes menos motivados ou com resultados académicos mais fracos.

Mas Sofia Oliveira resume também outros argumentos, que poderão justificar a evolução que constatou no “prémio” salarial garantido por ambas as formações. Por exemplo, ao  garantir uma formação mais orientada para capacidades técnicas, por oposição a um ensino mais orientado para o conhecimento, os cursos profissionais poderão dar origem a “uma força de trabalho menos flexível e conduzir a uma menor taxa de crescimento do país neste tempo de rápidas mudanças tecnológicas”.

“O ensino regular garante uma componente de conhecimento geral que constitui a base para ajustamentos eficientes durante a carreira de trabalho e para uma resposta rápida à mudança tecnológica”, defende também Frank Corvers, professor da Universidade de Maastricht, outro dos autores citados por Sofia Oliveira.

No seu trabalho, Sofia Oliveira adianta que o fenómeno de evolução dos salários registado em Portugal repete-se também no Reino Unido e na Alemanha, onde os trabalhadores com cursos profissionais começam por ganhar mais cinco e 10%, respectivamente, mas que esta diferença é ultrapassada ao fim de cerca de seis anos de carreira pelos trabalhadores com habilitações do ensino regular. Já na Holanda, as diferenças entre os dois contingentes praticamente não existem.

Para elaborar este estudo empírico, a economista baseou-se nos dados existentes nos chamados Quadros de Pessoal, um inquérito que anualmente as empresas são obrigadas a entregar no Ministério do Trabalho e onde estão coligidas informações sobre os trabalhadores e as remunerações em vigor, entre outras variáveis. Sofia Oliveira seguiu o percurso de trabalhadores nascidos entre Janeiro de 1974 e Dezembro de 1990, que concluíram o ensino secundário, representando um total de 633.459 pessoas. Destes, 86,63% concluíram o secundário no ensino regular e só 13,37% o fizerem por via do ensino profissional.

Este fosso poderá ser explicado pelo facto de o ensino profissional só ter renascido em Portugal em 1989 com a criação das escolas profissionais e do seu grande incremento se ter iniciado a partir de 2004, quando as escolas secundárias públicas começaram também a ter esta oferta, sendo agora o seu peso maioritário neste ramo. Há dois anos, 42% dos alunos que frequentavam o secundário estavam em cursos profissionais. A meta é chegar aos 50%

Com o ministro Nuno Crato, a partir do ano lectivo de 2012/2013 foram também criados os cursos vocacionais, que têm como modelo o ensino dual alemão, onde a componente de formação prática pode chegar aos 70%. No ano lectivo passado, frequentavam estes cursos cerca de 25 mil alunos do ensino básico (podem ser desviados para esta formação a partir dos 13 anos de idade se tiverem dois chumbos) e cerca de dois mil do secundário. No programa do actual Governo prevê-se que os cursos vocacionais só continuem a existir no secundário.

Redefinir a oferta vocacional
Segundo Sofia Oliveira, a recente aposta de Portugal no ensino vocacional, que tem uma componente prática muito superior à dos cursos profissionais, poderá vir a aumentar a diferença salarial em início de carreira entre os que completam esta formação e aqueles que seguem o ensino regular. “No entanto é mais difícil prever como os salários evoluirão ao longo da vida profissional”, frisa, lembrando que os cursos vocacionais “têm uma componente de formação geral reduzida”.

Para Sofia Oliveira, o que já se sabe sobre os impactos na vida profissional de ambas as formações impõe que se redefinam políticas, nomeadamente garantido que os estudantes que sigam as vias vocacionais tenham uma componente geral de formação que seja relevante e exigente. Por outro lado, frisa, para que o ensino vocacional tenha sucesso em Portugal e para que o “prémio" salarial daí resultante aumente, “é necessário alinhar a oferta de formação com as  necessidades das actividades económica, e investir na credibilidade deste ramo de educação”.

Tanto investigadores, como directores de escolas, têm criticado este modelo: ao ser essencialmente dirigido a alunos com insucesso escolar, o ensino vocacional tende a ser a visto como “uma oferta de segunda”; por outro lado, não está garantida a qualidade da sua formação prática, já que muitas vezes esta é feita em grande parte nas escolas, em vez de nas empresas, e aquelas não têm condições para a garantir.

Também as expectativas manifestadas pelas empresas deixam a desejar. Um inquérito recente desenvolvido pela Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino profissional a 1630 empresas, destinado a ajustar a oferta dos cursos profissionais às necessidades do mercado de trabalho, teve este resultado: a maioria indicou que as qualificações que mais procuravam estavam relacionadas com o comércio e a restauração.