Estratégia de Marine Le Pen: devorar a direita tradicional

Apenas um terço dos franceses considera Marine apta a governar. Ao contrário do que faz constar, ainda não está às portas do poder.

Sempre que Marine Le Pen obtém uma vitória suscita uma torrente de exorcismos verbais com ressonâncias antifascistas. É um logro. Ao fim de 30 anos, a estratégia de "diabolização" teve um efeito perverso: fez crescer a votação da Frente Nacional (FN) e a sociedade francesa partilha mais do que antes de muitos seus "valores históricos". Desta vez, a razão de alarme deveria ser maior: na primeira volta, a FN ficou à frente em seis das 13 regiões — a direita prevaleceu em quatro e a esquerda em três (incluindo a Córsega).

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Sempre que Marine Le Pen obtém uma vitória suscita uma torrente de exorcismos verbais com ressonâncias antifascistas. É um logro. Ao fim de 30 anos, a estratégia de "diabolização" teve um efeito perverso: fez crescer a votação da Frente Nacional (FN) e a sociedade francesa partilha mais do que antes de muitos seus "valores históricos". Desta vez, a razão de alarme deveria ser maior: na primeira volta, a FN ficou à frente em seis das 13 regiões — a direita prevaleceu em quatro e a esquerda em três (incluindo a Córsega).

Marine Le Pen proclama-se, desde a vitória nas europeias de 2014, líder do "maior partido da França". Em cinco anos, cresceu 16 pontos. E os inquéritos mostram que o seu voto está a deixar ser de protesto para se tornar em voto de adesão.

A primeira ruptura
Que se joga na segunda volta de hoje? A FN tanto pode ganhar duas ou três regiões como não vencer em nenhuma. Mais do que governar uma região, com limitadas competências político-económicas, o que contaria na vitória seria o imenso efeito simbólico e de propaganda, e não só em França e na Europa, confirmando a "dinâmica de vitória" que a FN exibe.

Ao contrário de Jean-Marie Le Pen, Marine quer chegar ao poder. Esta história encerra uma ironia. O pai gostava de ser "diabolizado" e para tal multiplicava as provocações. Queria ser uma força tribunícia ou de protesto especializada em tonitruantes campanhas presidenciais. O acesso de Marine à liderança da FN, em Janeiro de 2011, constitui por isso uma decisiva ruptura.

Rompeu com as provocações anti-semitas, moderou a linguagem, passou a combater o islão em termos de laicidade e "valores republicanos", deu prioridade aos temas económico-sociais e tratou de proceder à implantação territorial da FN, coisa que o pai sempre desleixou. A aposta na "desdiabolização" funcionou e hoje a FN é encarada por um grande número de franceses como um "partido normal".

Para entrar na "área do poder", Marine precisa de desmontar o quadro político-partidário. Para isso, tem uma estratégia firme: fazer implodir a direita tradicional e reorganizá-la em seu proveito, impondo um campo político polarizado entre a esquerda e uma "direita nacional" por ela hegemonizada.

"Potência solitária"
A FN está limitada por um "cordão sanitário" que a impede de fazer os indispensáveis acordos para as eleições legislativas e presidenciais. Com um vasto eleitorado, tem dois deputados. Fazer saltar o "tabu das alianças", forçando a direita a aceitar governar com a FN é o primeiro passo para sair do isolamento e dilacerar os Republicanos (LR, Les Républicains, antiga UMP, de Nicolas Sarkozy). Marcou pontos: o partido de Sarkozy está dividido quanto à sua táctica eleitoral e completamente desorientado. A pensar nas presidenciais de 2017, o ex-presidente atacou por igual esquerda e extrema-direita. O problema é que, à medida que a FN se "normaliza", o centro de gravidade do LR desloca-se para a direita. Em vez de ganhar votos, Sarkozy perdeu eleitores. Foi o grande derrotado do domingo passado.

A primeira volta das regionais confirmou a emergência de um modelo tripartidário, já patente nas eleições europeias de 2014, que a FN venceu. Esquerda, direita e extrema-direita são os três pólos actuais, de força equivalente, entre os 20 e 30%.

Trata-se, contudo, de um "tripartidarismo imperfeito" e instável. Nenhum dos três partidos se pode aliar com um dos outros. A V República foi estruturada numa base bipartidária e o seu funcionamento depende de acordos de desistência eleitoral para a segunda volta. É o modelo que Marine Le Pen tenta destruir. O modo de escrutínio (uninominal e maioritário a duas voltas) é, por enquanto, uma garantia para os dois partidos governamentais. Mas a prazo surgirá um problema de legitimidade: uma "maioria" com uma base eleitoral cada vez mais estreita e a exclusão das instituições de um partido com um quarto do eleitorado.

Para tentar impedir o trauma de uma vitória da FN, o Partido Socialista retirou-se em três regiões, em favor dos Republicanos. É a política de "frente republicana" para barrar o caminho à extrema-direita.

"A FN tornou-se uma potência eleitoral mas é por enquanto uma potência solitária", explica o politólogo Pascal Perrineau. "Joga-se no domingo o novo desafio da FN: pode ultrapassar a barra dos 50% quando perante ela se ergue uma ‘união republicana’? (…) Se a FN consegue demonstrar uma vocação maioritária, os partidos de governo têm razões para se preocuparem. Se não for o caso, [a FN] ficará acantonada na sua condição de potência solitária."

Os mapas e as presidenciais
A FN permanece amarrada aos fundamentos nacionalistas de extrema-direita. "A armadura da sua doutrina permanece uma concepção determinista e étnica da identidade, impermeável aos valores universalistas dos Direitos do Homem e da cidadania republicana. Quer refundar a democracia numa base identitária", explica Sylvain Crépon, estudioso da FN.

A par da denúncia das elites "indiferentes ao sofrimento popular", assumiu um programa de choque económico e nacionalista: o combate ao desemprego, a defesa do sistema de protecção social (para os franceses), o rearmamento económico da França, o proteccionismo, a rejeição da globalização, o encerramento das fronteiras e o fim da imigração. E acrescentou-lhe o arsenal dos temas antieuropeus.

Um dos seus trunfos é a explicação simplista do mundo. "O programa da FN repousa numa análise falsa: fazer crer aos franceses que os seus problemas, tanto económicos como sociais, vêm do exterior e são causados pela globalização e pela Europa. A solução seria fechar as fronteiras e deixar a Europa. (...) Deve ser combatida onde é mais perigosa, no terreno económico e social. Se chegasse ao poder, o seu programa ultrademagógico destruiria o país em poucos meses", sublinha o veterano jornalista François de Closets. E destruiria a União Europeia.

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Pode Marine chegar ao poder em 2017? Tem todas as hipóteses de passar à segunda volta. Se falhar, o bipartidarismo ressuscitará. É útil olhar os mapas em cima. Eles ilustram a implantação nacional da FN. A diferença das cores entre o mapa das presidenciais e o das regionais poderia indicar uma "maré negra" lepenista. A razão está noutro lado: nas presidenciais votaram quase 80% dos inscritos, nestas regionais menos de 50%.

Quer isto dizer que a percentagem de Marine cresce exponencialmente à medida que eleitores de esquerda e direita se abstêm. Ela teve, aliás, mais votos em 2012 do que a FN no domingo. Os partidos tradicionais, de esquerda e direita, respondem cada vez menos às preocupações dos eleitores. A "crise" não se resume à ascensão da FN. Deve-se muito à impotência política, às querelas intestinas e à desorientação dos dois grandes partidos. A "resposta final" pode residir neles e não em Le Pen. François de Closets gostaria até que a ameaça de Marine nas presidenciais fosse mais grave "para mudar radicalmente o jogo político. (...) Seria um grande perigo e uma grande esperança."

Uma grande vantagem da FN é ter sabido ditar a agenda política e, sobretudo, a agenda mediática — Marine e o seu estratego Florian Phillipot dominam os palcos televisivos. Mas contra ela há um pesado argumento: o da credibilidade. Apenas um terço dos franceses considera Marine apta a governar. Ao contrário do que faz constar, ainda não está às portas do poder.