Duas regiões de França prestes a cair nos braços da tia e da sobrinha Le Pen

Os atentados de Paris encaixaram como uma luva no discurso da Frente Nacional, que ameaça obter vitórias inéditas nas eleições regionais. Mas há uma grande mobilização contra o partido de extrema-direita.

Foto
Marine Le Pen, à direita na fotografia, e Marion Marechal Le Pen VALERY HACHE/AFP

Tia e sobrinha, Marine Le Pen e Marion Maréchal Le Pen são desta vez dadas como verdadeiras favoritas para conquistar as presidências de duas grandes regiões francesas, se não já este domingo, então na segunda volta daqui a uma semana. Os atentados em Paris de 13 de Novembro, em que morreram 130 pessoas, viraram do avesso a campanha eleitoral e impuseram os temas caros ao partido de extrema-direita Frente Nacional, da segurança, do terrorismo, da imigração, transformando o debate, que passou a ser sobre política nacional.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Tia e sobrinha, Marine Le Pen e Marion Maréchal Le Pen são desta vez dadas como verdadeiras favoritas para conquistar as presidências de duas grandes regiões francesas, se não já este domingo, então na segunda volta daqui a uma semana. Os atentados em Paris de 13 de Novembro, em que morreram 130 pessoas, viraram do avesso a campanha eleitoral e impuseram os temas caros ao partido de extrema-direita Frente Nacional, da segurança, do terrorismo, da imigração, transformando o debate, que passou a ser sobre política nacional.

Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional (FN), não esconde que uma vitória na região Norte-Pas-de-Calais-Picardia seria apenas mais um passo na viagem da ascensão daquele que é o seu verdadeiro objectivo — ganhar credibilidade e capital político para chegar à vitória nas eleições presidenciais de 2017.

A nível nacional, a FN é dada como vencedora, com 30% dos votos,  e ganhadora em seis regiões na primeira volta. Marine Le Pen tem motivos para estar animada — na região pela qual concorre, tem cerca de 41% dos votos na primeira volta, enquanto Xavier Bertrand, do centro direita (Os Republicanos), tem 30% e Pierre de Saintignon, do PS, 29%. 

Viu o seu discurso justificado por várias medidas tomadas pelo Presidente, François Hollande, após a declaração do estado de emergência. Por exemplo, a extensão dos motivos de retirada da nacionalidade, ou o restabelecimento do controlo nas fronteiras. “Quando se vê um Presidente da República virar as costas a todas as suas ideias e assumir medidas que eram propostas pela FN, há algo de espantoso, é uma homenagem à FN, que ganha credibilidade”, disse Marine Le Pen, citada pelo Le Monde.

A julgar pelo que dizem as muitas sondagens sobre as intenções de voto, a FN e os seus candidatos vão beneficiar dessa credibilidade. Não surpreende assim que Marion Maréchal Le Pen — deputada na Assembleia e já uma figura nacional, apesar da sua juventude — seja dada como vencedora na região de Provence-Alpes-Côte d’Azur, onde herdou a posição de cabeça-de-lista do seu avô caído em desgraça no partido, Jean-Marie Le Pen. Nesta zona do Sul de França fica o feudo tradicional da FN, que se tem alargado.

“A FN está às portas do poder em duas grandes regiões que podem tornar-se bases sólidas para se aproximar do poder a nível nacional”, declarou ao Libération Jean-Michel Bretonnier, redactor-principal do principal jornal do Norte de França, La Voix du Nord, que desta vez se assumiu claramente contra o partido das Le Pen. Fê-lo não só em editorial como numa série de trabalhos em que pretende desmascarar o que é o partido e quais são as suas intenções, desencorajando os eleitores de lhe darem o seu voto. “A situação é inédita”, afirmou, para justificar esta tomada de posição do seu jornal.

“Nem-nem” de Sarkozy
A campanha eleitoral foi interrompida a seguir aos atentados de Paris e, depois, os outros partidos para além da FN deixaram de fazer grandes comícios, por respeito com o grande número de mortos — preferiram organizar “encontros cidadãos”, em salas pequenas, tipo sessões de esclarecimento e convívio com os eleitores. Agora, estas duas regiões são dadas quase como ganhas pelas Le Pen. “Em muitas cabeças, Marine Le Pen já ganhou, porque há um desespero generalizado e a classe política parece completamente desligada”, disse ao Le Monde um reformado da região Norte-Pas-de-Calais-Picardia que contou ter “chorado” ao descobrir o valor da sua pensão.

Estes são os eleitores de uma região de seis milhões de habitantes, que era tradicionalmente de esquerda, mas que hoje é uma terra economicamente deprimida, onde a desindustralização fez feridas e um milhão de pessoas vive abaixo do nível da pobreza. Aqui, já há anos que a FN e Marine Le Pen conquistam terreno. 

Agora Le Pen tem excelentes hipóteses de ficar à frente da região — a não ser que o PS tenha votos suficientes para passar à segunda volta e desista a favor de Xavier Bertrand, o ex-ministro de Nicolas Sarkozy e Jacques Chirac que concorre pelo partido de centro-direita.

A estratégia eleitoral do partido de Sarkozy continua a ser o “nem-nem” na segunda volta: nem apoia um candidato da esquerda face a um da FN, nem um da FN frente a um candidato socialista. Essa é a única coisa que se mantém firme no partido que antes era a UMP e agora se chama Os Republicanos. 

De resto, nestas três semanas após os atentados de Paris, o ex-Presidente já teve várias atitudes públicas na campanha, como um catavento político.

Começou por recusar no apelo à unidade nacional lançado pelo Presidente François Hollande logo na noite dos atentados e, ao ser alvo de críticas, passou para um tom grave, de ex-Presidente, dizendo conhecer bem a seriedade do momento: “Eu fui Presidente da República. Conheço o peso da carga quando surge um drama.” 

Mas não conseguiu aguentar esta posição durante muito tempo: voltou ao papel de chefe de oposição dias depois, criticando Hollande por “não ter feito nada” após os atentados de Janeiro contra o semanário satírico Charlie Hebdo e um supermercado kosher (judeu) em Paris.

Segundo o Le Monde, Sarkozy está irritadíssimo porque Hollande não o avisou, a 15 de Novembro, quando recebeu os líderes de todos os partidos políticos, das alterações à Constituição que iria propor no dia seguinte, na reunião conjunta das duas câmaras do Parlamento, nem das críticas que fez sobre a supressão de dez mil postos de trabalho criados nas forças de segurança entre 2007 e 2012 (durante a sua presidência). E a data de homenagem nacional às vítimas foi demasiado próxima das eleições, considera o líder de Os Republicanos — o que faz aumentar o perfil do Presidente Hollande e, eventualmente, do PS.

Aliás, Hollande já não é neste momento o mais impopular de todos os presidentes franceses — recuperou cerca de 20 pontos, dizem várias sondagens. Segundo o instituto Ifop, terá mesmo chegado aos 50% de popularidade, pela forma como desempenhou as suas funções após os atentados e concentrou nele todas as atenções. Este fenómeno já se tinha verificado em Janeiro, após o ataque ao Charlie Hebdo, embora de forma menos pronunciada.

Tudo isto são coisas que Sarkozy, o homem a quem antes chamavam o “híper-Presidente” não perdoa, e que ainda o indispõem mais a aceitar “desistências republicanas” para evitar a eleição de candidatos da FN na segunda volta das regionais. No entanto, a subida de popularidade de Hollande não se está a reflectir nos candidatos às eleições regionais, diz o jornal Le Figaro, muito conotado com a direita de Os Republicanos.

Alerta dos patrões
O primeiro-ministro socialista, Manuel Valls, não se cansa de pedir as desistências dos candidatos da esquerda ou da direita, na segunda volta das eleições regionais, para barrar a eleição da FN, e de apelar aos franceses para irem votar. “Todos devem assumir as suas responsabilidades, tanto à esquerda como à direita, para impedir a FN de ganhar uma região, disse numa entrevista na rádio Europe 1. “O partido de Marine Le Pen recuaria se todos os franceses fossem votar. A FN engana os franceses, não ama a França”, assegurou.

A onda frontista é maior do que apenas as duas Le Pen. Até em zonas onde o partido nunca teve uma presença muito significativa, como a Île-de-France (a região de Paris). Ali, Wallerand de Saint-Just, o tesoureiro da FN, estava com 25% das intenções de voto, face a Claude Barolone, o presidente socialista da Assembleia Nacional, e Valérie Pécresse, deputada d e Os Republicanos e já várias vezes ministra do centro-direita.

Ao contrário de outras eleições recentes, em que a FN avançou sem ter grande oposição, desta vez há vozes novas a levantarem-se contra o partido de extrema-direita francês. Uma delas é Pierre Gattaz, o presidente da associação dos patrões, o Medef, que numa entrevista ao jornal Le Parisien se dedicou a destruir o programa económico proposto por Marine Le Pen. “Não é economicamente responsável, é exactamente o oposto do que se deve fazer”, declarou.

O regresso à reforma aos 60 anos, o aumento do salário mínimo em 200 euros, a saída do euro ou a subida das taxas sobre as importações são exemplos escolhidos por Gattaz. “Há que não confundir as questões securitárias com os problemas económicos”, sublinhou. Este programa, para ele, “é igual ao da extrema-esquerda”.

Para o patrão dos patrões, a subida da FN é ilustrativa de um mal-estar: “O que espero dos partidos políticos é que compreendam esse mal-estar e que o solucionem. Como? Solucionando os problemas de segurança, do desemprego, dando esperança aos franceses.”