Apelos, divisões e dinheiro na abertura da cimeira do clima em Paris

Iniciativas milionárias para financiar a investigação e o desenvolvimento de energias limpas anunciadas esta segunda-feira, enquanto chefes de Estado e de governo fixam o tom das negociações.

Fotogaleria

Promessas de investimentos milionários para combater o aquecimento global marcaram, mais do que o alcance concreto dos discursos oficiais, o primeiro dia da conferência climática da ONU em Paris. Vinte países, entre eles os Estados Unidos, China, Brasil, Índia, Alemanha e Arábia Saudita, anunciaram que vão tentar duplicar o financiamento à investigação em energias limpas nos próximos cinco anos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Promessas de investimentos milionários para combater o aquecimento global marcaram, mais do que o alcance concreto dos discursos oficiais, o primeiro dia da conferência climática da ONU em Paris. Vinte países, entre eles os Estados Unidos, China, Brasil, Índia, Alemanha e Arábia Saudita, anunciaram que vão tentar duplicar o financiamento à investigação em energias limpas nos próximos cinco anos.

Líderes de instituições bilionárias como Bill Gates (Fundação Bill e Melinda Gates), Mark Zuckerberg (Facebook), Jeff Bezos (Amazon), Jack Ma (Alibaba) e Richard Branson (Virgin) vão completar este esforço com dinheiro do sector privado para a inovação.

Quatro países europeus – Alemanha, Noruega, Suécia e Suíça – irão disponibilizar 500 milhões de euros para ajudar países pobres a reduzirem emissões de CO2. E a Índia lançou uma aliança com 120 países, com a qual pretende juntar 400 milhões de dólares para acelerar o uso da energia solar.

Para quem conhece como funcionam as cimeiras climáticas da ONU, nada se espera verdadeiramente do primeiro dia das duas semanas que estes eventos duram. Mas Paris é diferente. Tal em como Copenhaga em 2009, numa conferência igualmente decisiva, está-se à beira de aprovar, finalmente, um novo acordo internacional para conter o aquecimento global, substituindo o Protocolo de Quioto.

E se Copenhaga falhou na sua missão, Paris tem hipóteses de chegar a um acordo. “Um momento político como este pode não voltar a existir. Nunca tivemos uma oportunidade tão grande”, disse Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, no discurso da cerimónia de abertura.

François Hollande apostou tudo no sucesso. E, além de pôr a sua potente máquina diplomática em campo durante o último ano, está a tentar evitar erros de Copenhaga. Preferiu que os líderes mundiais viessem no princípio da cimeira, e não no final, para dar impulso político às negociações.

E assim foi. Ao longo de toda esta segunda-feira, chefes de Estado e de governo sucederam-se na tribuna em discursos que deveriam ser de três minutos. Eram cerca de 150 e até ao princípio da noite não tinham terminado ainda. Às 19h30, falavam o vice-presidente da Guatemala e o vice-presidente do Burundi.

Como foi o primeiro dia da cimeira ao minuto

António Costa, recém-empossado primeiro-ministro, não discursou. Não estava inscrito, apesar de o anterior ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, ter dito que o Governo cessante deixou tudo preparado para que Costa tomasse a palavra, se quisesse. “Acho que isso é um incidente burocrático que às vezes acontece nas transições de governo. Não valorizo nada”, afirmou António Costa, em Paris, citado pela agência Lusa.

Entre apelos à urgência de se agir, muitos discursos marcaram o tom do que serão as próximas duas semanas em Paris. As divisões Norte-Sul, entre países pobres e ricos, mantêm-se.

O Presidente norte-americano, Barack Obama, admitiu a responsabilidade histórica que cabe ao seu país pelas alterações climáticas. “Aqui estou como Presidente da maior economia mundial, e o segundo maior emissor [de CO2], para dizer que não só os Estados Unidos reconhecem o seu papel na criação deste problema, como não enjeitamos a nossa responsabilidade em fazer algo a respeito”, afirmou.

Obama deixou clara a posição dos EUA. Falou de um acordo que fixe uma “estratégia de longo prazo” e que tenha um “forte sistema de transparência”, com mecanismos de verificação de tudo o que está agora a ser prometido. Numa frase, sintetizou a lógica adoptada, e que está a transformar a diplomacia climática: disse que as metas já não são definidas “para nós”, mas “por nós”. Ou seja, são os países que dizem o que vão fazer, e não a ONU.

Já o Presidente chinês, Xi Jinping, reafirmou que o seu país – o maior emissor mundial de CO2 – vai contribuir para a solução, mas reiterou várias vezes as diferenças de responsabilidade – e de contribuições – entre países ricos e pobres. A referência à convenção climática da ONU de 1992, no arranque do seu discurso, parece ter tido este objectivo, pois lá está o princípio das “responsabilidade comuns mas diferenciadas”.

Xi Jinping referiu ainda que a luta contra as alterações climáticas não pode constranger o desenvolvimento dos países pobres e a sua necessidade de escapar à pobreza.

A Índia alinhou pelo mesmo diapasão. “Os mais prósperos ainda têm uma forte pegada de carbono e os milhares de milhões de pessoas que estão no fundo da ladeira do desenvolvimento precisam de espaço para crescer. Portanto as escolhas não são fáceis”, disse o primeiro-ministro Narendra Modi.

A generalidade dos países, sobretudo os em desenvolvimento, reivindicou um acordo em Paris que seja legalmente vinculativo. A forma legal deste acordo, no entanto, é uma das incógnitas da cimeira. Um tratado internacional seria rejeitado por Obama, já que o Congresso jamais o ratificaria.

No Pacífico, as preocupações são outras. O presidente do Kiribati, Anote Tong, anunciou que as ilhas Fiji já se comprometeram a aceitar os seus habitantes, quando a subida do nível do mar tornar impossível a vida naquele arquipélago. Já o Tuvalu, também um dos estados insulares mais vulneráveis, reclamou um mecanismo de “perdas e danos”, como um seguro mundial para desastres naturais climáticos. Os países desenvolvidos torcem o nariz à ideia, que será necessariamente discutida em Paris.

Pouco entusiasmo provocou o anúncio, pela Austrália, de que ratificará o segundo período de cumprimento do Protocolo de Quioto. O acordo de 1997 está moribundo e apenas países desenvolvidos que representam 11% das emissões mundiais de CO2 aceitaram prolongá-lo até 2020.

O provável acordo de Paris por ora é um texto negocial com algumas dezenas de páginas, repleto de pontos de interrogação. Prevê-se que até sexta-feira surja uma versão mais avançada, já com mais consensos.