Portugal na União Europeia – contributo para um diálogo necessário

O diálogo à esquerda sobre Portugal e a União Europeia é possível e necessário para se construir uma alternativa credível de governo.

Um programa de governo é um compromisso de acção para responder com soluções credíveis aos principais problemas e anseios de um povo. Estando as forças de esquerda em maioria na Assembleia da República, só a sua incapacidade de entendimento programático permite à direita governar.

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Um programa de governo é um compromisso de acção para responder com soluções credíveis aos principais problemas e anseios de um povo. Estando as forças de esquerda em maioria na Assembleia da República, só a sua incapacidade de entendimento programático permite à direita governar.

O destino de Portugal está hoje muito dependente das políticas conduzidas ao nível da União Europeia. Para erguer uma alternativa de esquerda é necessária uma maior convergência quanto às opções de Portugal no quadro europeu.

A União Europeia vive uma deriva que ameaça a sua sobrevivência e os interesses vitais de Portugal. A direita acomodou-se. E o coro anti-austeridade das esquerdas é insuficiente, enquanto não conduzir a um entendimento sobre as alterações políticas indispensáveis.

Se a esquerda conseguir dialogar e chegar a uma plataforma de acção face à participação de Portugal na União Europeia, dará um passo importante para uma alternativa de governo.

Será isso possível?

A evolução da União Europeia desde a aprovação do Tratado da UE (1992) e da criação da União Económica e Monetária (UEM) conduziu a UE a uma crise que ameaça os seus fundamentos. A UEM foi moldada pela confiança cega nos mercados e pela prioridade dada à estabilidade dos preços, menosprezando a solidariedade, o crescimento e o emprego e acentuando as desigualdades entre Estados, regiões e cidadãos. Mais recentemente conduziu a uma supervisão reforçada das políticas orçamentais nacionais, impondo medidas de austeridade e reformas que reduzem o potencial de crescimento e a intervenção do Estado na provisão dos serviços essenciais aos cidadãos. Para preservar a União Europeia, no respeito pelos seus valores humanistas e democráticos e pelos princípios da solidariedade, igualdade e cooperação leal entre os Estados, é essencial alterar a sua trajectória.

Algumas das regras da UEM devem ser revistas porque minam a coesão europeia e as condições de sustentabilidade do Euro e da própria União Europeia. A revisão deverá incidir em especial no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) e nas normas dos Tratados que estabelecem os objetivos da política económica e monetária.

O Tratado Orçamental deve ser revogado, pois agravou as imposições sobre as políticas orçamentais nacionais e a austeridade para além do previsto no PEC e foi aprovado à margem do normal funcionamento institucional da União. Os defensores da moeda única, em particular os que criticam as políticas de austeridade e o desrespeito pelas instituições e o direito da União, deviam estar na primeira linha de oposição ao Tratado Orçamental.

Por essa razão e, também, porque nenhum dos programas eleitorais dos partidos de esquerda, incluindo o do PS, defendeu o Tratado Orçamental, a invocação de divergências insanáveis a este propósito no seio da esquerda, para justificar compromissos do PS com a direita, é uma atitude deplorável e objectivamente contrária ao voto maioritário dos portugueses contra a política da coligação PSD/CDS.

O enorme aumento pós-2010 da dívida externa de Portugal deveu-se à passividade das autoridades europeias face a ataques especulativos dos mercados e aos programas de austeridade impostos desde 2011, com a colaboração da coligação PSD/CDS. Urge promover a negociação multilateral da reestruturação das dívidas, para reduzir os juros da dívida e assegurar a sua sustentabilidade, sem mais cortes na despesa ou aumentos de impostos. Urge também reforçar o investimento para estimular o crescimento e o emprego.

Para recuperar a coesão europeia é ainda necessário reverter a centralização do poder no seio da União. Até à criação do Euro e aos alargamentos a leste, muitas das decisões do Conselho exigiam a unanimidade; e o peso dos Estados de menor dimensão nas decisões por maioria era muito superior ao da sua população. A partir de 2001, este equilíbrio foi sendo liquidado: o âmbito das decisões por unanimidade foi comprimido e o peso dos Estados nas decisões por maioria passou a ser proporcional ao da sua população, concentrando o poder nos maiores Estados. A influência de Portugal e de outros países de dimensão média sofreu um rude golpe. As consequências estão à vista. Há que arrepiar caminho.

Considerando os tópicos anteriores e os diversos programas de esquerda, nuns pontos há convergência e nos de maior divergência não há tabus, salvo para quem se opõe à participação de Portugal na União Europeia.

O diálogo à esquerda sobre Portugal e a União Europeia é, pois, possível e necessário para se construir uma alternativa credível de governo. Até quando sacrificaremos as aspirações populares e as necessidades do país às pequenas razões e interesses que nos dividem?

Professor de Economia e Políticas Europeias (candidato pelo Livre/Tempo de Avançar às legislativas de 2015)