Afegãos reconquistam centro de Kunduz aos taliban mas embaraço não foi apagado

Forças especiais americanas entraram em combate. Taliban retiram de parte da cidade, depois de um avanço que lhes rendeu armas e alento estratégico.

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Ao final do dia ainda havia combates em várias zonas da cidade Reuters

A contra-ofensiva foi lançada a coberto da noite pelo Exército afegão, com o apoio das forças especiais norte-americanas, parte dos quase dez mil efectivos que os EUA mantêm no país. Um porta-voz confirmou que os militares americanos estiveram sobretudo a aconselhar os soldados afegãos, mas entraram em combate quando confrontados com fogo inimigo.

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A contra-ofensiva foi lançada a coberto da noite pelo Exército afegão, com o apoio das forças especiais norte-americanas, parte dos quase dez mil efectivos que os EUA mantêm no país. Um porta-voz confirmou que os militares americanos estiveram sobretudo a aconselhar os soldados afegãos, mas entraram em combate quando confrontados com fogo inimigo.

Ao nascer do dia os combates perderam intensidade, para algumas horas depois darem lugar a acesas trocas de tiros em várias zonas. “As pessoas estão de novo dentro de casa e sentir-se muito preocupadas com a situação”, contou à BBC um comerciante da zona de Baba Hisar, uma colina que se ergue sobre a cidade e que, tal como o aeroporto, serviu de abrigo às forças afegãs quando na segunda-feira os taliban entraram em Kunduz.

Ao final do dia, o vice-chefe das Forças Armadas afegãs assegurou que a maioria dos rebeldes tinha abandonado a cidade, mas outros continuavam entrincheirados. “O nosso plano é expulsá-los. Vamos retirá-los de todos os distritos e depois de toda a província”, disse Murad Ali Murad à Reuters, admitindo que os combates ainda prosseguiam, depois de durante a manhã a situação ter sido dada como controlada.

Um representante dos rebeldes garantiu à BBC que a “bandeira dos taliban continuava hasteada” em parte da cidade, mas um comandante no terreno ouvido pela AFP admitiu que o objectivo da ofensiva tinha sido cumprido e a retirada estava em curso. “Queríamos mostrar a nossa força e conseguimos. Provámos que podemos capturar qualquer cidade que quisermos.”

Kunduz não é uma cidade qualquer. É a quinta maior do Afeganistão, com estradas que a ligam a Cabul, a Mazar i-Sharif, a maior cidade do Norte do país, mas também ao vizinho Tajiquistão, através de uma fronteira porosa pela qual o ópio afegão é encaminhado para a Ásia Central e daí para a Europa. Controlar a cidade é controlar os vários tráficos de que se faz a economia local e uma fatia de território estratégico. E os taliban são já senhores de 70% da província, calcula Ahmed Rashid, jornalista paquistanês especialista na rebelião.

Mas a rápida ofensiva teve propósitos mais imediatos que a retirada não apagará: permitiu à rebelião apoderar-se de armas e equipamento dos militares, carimbou a autoridade até agora contestada do novo líder, mullah Akhtar Mansour, escolhido depois de conhecida a morte do carismático mullah Omar; e provou que os taliban continuam capazes de lançar ataques contra forças que são superiores em número mas não em combatividade – em Kunduz uma guarnição de sete mil homens recuou contra pouco mais de mil rebeldes.

Rashid diz que o desaire “é desastroso” para o Presidente Ashraf Ghani, que a acaba de cumprir o primeiro ano de mandato. Um período marcado por lutas internas que impediram o Governo de combater a estagnação da economia ou travar a violência crescente – na primeira época de combates sem a presença das tropas da NATO, as baixas militares aumentaram 50% face a 2014, ao passo que a rebelião redobrou a sua pegada no Norte e controla já a quase totalidade da província de Helmand, no Sul.

O revés não é menor para a Administração norte-americana e a sua narrativa de que os 350 mil soldados treinados pela NATO estão aptos para enfrentar sozinhos a ameaça taliban. Saem reforçados os que pedem ao Presidente Barack Obama que adie os planos de retirada – o grosso do contingente deveria sair do Afeganistão até ao final de 2016, deixando apenas uma força de mil homens na embaixada norte-americana. “Espero que o Presidente perceba que não podemos continuar com este plano ou veremos a repetição do que aconteceu no Iraque”, disse ao Wall Street Journal o senador John McCain, um dos republicanos que vê na retirada americana uma das razões para a emergência dos jihadistas no Iraque e na Síria.

Ao contrário de Bagdad, o Governo em Cabul quer os soldados dos EUA no país e uma das razões que invoca é o Estado Islâmico, depois de grupos afegãos dissidentes terem anunciado a sua filiação no movimento jihadista. Apesar de serem ainda uma força residual, tomaram alguns distritos na província de Nangahar (Leste) e há receios que possam atrair novos recrutas entre os rebeldes. Um risco que alarma norte-americanos, mas também a Rússia, a China ou o Paquistão, diz Ahmed Rashid, atentos já às informações de que há combatentes uzebeques, tchetchenos e até uigures chineses ao lado dos afegãos que tomaram Kunduz.