Federações de autocaravanismo criticam restrições nas autarquias do litoral

Há câmaras que “criam sinalética que não consta no Código da Estrada” para proibir o estacionamento de autocaravanas

Foto
AMC

“Há um vazio legal, não há uma lei que oriente o autocaravanismo”, queixa-se o presidente da Federação Portuguesa de Autocaravanismo, José Pires, para quem Portugal acolhe mal os autocaravanistas. “Ao mesmo tempo que se vão criando facilidades no interior do país, na zona costeira estão a criar-se muitas dificuldades”, observa. Na opinião deste dirigente, não faz sentido que um veículo de carga do tamanho de uma autocaravana possa estacionar onde as autocaravanas não podem, porque isso constitui “uma discriminação negativa que, se fosse bem escrutinada, dificilmente passaria nas malhas da constitucionalidade”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

“Há um vazio legal, não há uma lei que oriente o autocaravanismo”, queixa-se o presidente da Federação Portuguesa de Autocaravanismo, José Pires, para quem Portugal acolhe mal os autocaravanistas. “Ao mesmo tempo que se vão criando facilidades no interior do país, na zona costeira estão a criar-se muitas dificuldades”, observa. Na opinião deste dirigente, não faz sentido que um veículo de carga do tamanho de uma autocaravana possa estacionar onde as autocaravanas não podem, porque isso constitui “uma discriminação negativa que, se fosse bem escrutinada, dificilmente passaria nas malhas da constitucionalidade”.

De acordo com o presidente da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, João Luís Queiroz, há câmaras municipais do litoral que “criam sinalética que não consta no Código da Estrada” para proibir o estacionamento de autocaravanas em determinados locais. E sugere que, em vez da colocação de avisos a dizer “proibição a autocaravanas”, sejam colocadas placas com “proibido a veículos com altura superior a x”. Deixaria assim de haver “perseguição aos autocaravanistas”.

José Pires receia que as limitações que tem vindo a ser criadas no litoral, através de regulamentos municipais de trânsito, possam influenciar a capacidade nacional de acolhimento ao autocaravanismo. “Qualquer dia as pessoas não passam de Espanha para cá”, avisa, admitindo que também não concorda com que um autocaravanista esteja durante um mês num parque de estacionamento de uma praia. “Se a autarquia também não concorda, há que criar uma alternativa. Não é proibir sem alternativas”, observa. Segundo este responsável, “mais de 80% dos parques de campismo não estão correctamente adaptados para receber autocaravanas”: é preciso criar bolsas de estacionamento, áreas de serviços e infra-estruturas para fazer o despejo das águas.

Em Portugal, este tipo de turismo itinerante representa cerca de dois milhões de dormidas por ano, dentro e fora dos parques de campismo, o que constitui cerca de 5% do total de dormidas no país, informa o presidente da Federação Portuguesa de Autocaravanismo, explicando que o país tem vindo a acompanhar o crescimento da Europa, que anda “à volta de 20% ao ano”. Trata-se de um turismo maioritariamente sénior: “75% são gente reformada da Europa e Portugal”.

João Luís Queiroz diz que os autocaravanistas são muito bem acolhidos pelas autarquias do interior, que criam espaços dedicados a estes veículos e normalmente não cobram nada. “As autarquias estão um bocado em ronda livre, cada uma a tomar as decisões que melhor entende para a sua cidade. É ai que os autocaravanistas se queixam por causa do tal problema da discriminação negativa”, declara. A federação que dirige quer apresentar ao Governo uma proposta de revisão da lei e já pediu uma audiência ao secretário de Estado do Turismo. Porém, como a pré-campanha já começou, “antes das próximas eleições já não se consegue sentar as pessoas e resolver problemas”.

O objectivo da Federação de Campismo e Montanhismo é regular a situação das autocaravanas a nível nacional, “para não aparecerem sinaléticas que colidam com o Código da Estrada”.


GNR passou 179 multas em 2015
Desde o início do ano e até Julho, a GNR instaurou 179 autos de contra-ordenação associados ao estacionamento e acampamento indevido de autocaravanas, com multas entre os 200 e os 22.500 euros.

As infracções foram detectadas no Parque Natural da Ria Formosa e no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Em 2014, a GNR contabilizou um total de 217 multas, com maior incidência nos meses de Julho (56) e Agosto (64). A corporação não tem contabilizado o valor total das coimas.

No caso do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, o que o respectivo plano de ordenamento proíbe é a pernoita das autocaravanas nos parques de estacionamento situados junto às praias. Em todas as áreas protegidas é igualmente “proibida a circulação ou estacionamento de todo o tipo de viaturas fora de parques de estacionamento e caminhos preexistentes, situados nas praias, dunas, plataformas adjacentes às arribas e zonas de protecção total ou parcial”, refere o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que também actua em caso de estacionamento e acampamento indevido de autocaravanas em áreas protegidas. A maioria dos infractores é estrangeira.

A Autoridade Marítima Nacional, através da Polícia Marítima, também actua no âmbito das irregularidades verificadas nas praias por utilizadores da orla costeira, sendo “o maior número de contra-ordenações apuradas por circulação e estacionamento de veículos motorizados, nas praias, dunas e arribas, fora dos locais estabelecidos para o efeito”, bem como nos locais identificados em planos de ordenamento ou de gestão de áreas classificadas e ainda nas zonas definidas nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira.

Em 2014 foram contabilizadas 106 infracções em Cascais (55), Nazaré (22) e Faro (18). Contudo, os dados não especificam quais as relacionadas com autocaravanas.

 
Em Lisboa só podem acampar em Monsanto
A percorrer quilómetros numa casa sobre rodas, os autocaravanistas que visitam Lisboa surpreendem-se com multas de estacionamento ou de acampamento indevido. O único espaço para acamparem legalmente na capital é o parque de campismo de Monsanto.

Segundo a Câmara de Lisboa, é junto à estação fluvial de Belém que são detectadas mais infracções de estacionamento e acampamento por parte de autocaravanistas, apesar de ali existir sinalização que “proíbe expressamente o estacionamento de autocaravanas e caravanas”.

Diariamente, existem dezenas de veículos deste tipo, a maioria com matrícula estrangeira, estacionados na zona de Belém, pelo que a Polícia Municipal tem passado multas que podem “variar entre 19,95 e 60 euros” e usado bloqueadores automáticos. A autarquia não tem contabilizado o número de autos instaurados e o valor total das multas, mas esclarece que são “garantidamente valores residuais, face ao número total de autos levantados por infracções ao direito estradal”.

As autocaravanas podem estacionar “em qualquer lugar, excepto nos locais expressamente proibidos”. Para acampar, “o único espaço que existe é o parque de campismo de Monsanto”, informa a Câmara de Lisboa.

José Pires diz que a cidade de Lisboa precisa de ter mais espaços onde os autocaravanistas possam estacionar durante 48 horas. “Não está certo ter apenas o parque de campismo”, observa o dirigente associativo. Segundo a administração do parque de campismo, a dimensão do recinto, cerca de 38 hectares, “é suficiente para receber todos os autocaravanistas, caravanistas e campistas que visitam Lisboa”.

A administração do parque defende uma actuação mais enérgica por parte das autoridades administrativas e policiais no espaço público. “A falta de controlo dos turistas que nos visitam e a permissividade na ocupação indevida no espaço é preocupante, transformando espaços de estacionamento em autênticos acampamentos”, afirma. O recinto possui “171 alvéolos equipados para autocaravanas” com preços entre 24,80 e 34,90 euros, 1800 lugares de acampamento livre e 70 bungalows, com capacidade de ocupação de 355 camas.

“O ano 2013 foi o menos favorável dos últimos anos, devido à conjuntura económica não apenas nacional mas também europeia, uma vez que recebemos muitos clientes franceses e espanhóis. 2014 foi um pouco melhor e este ano estamos com um crescimento de cerca de 20% face ao período homólogo”, refere  a administração.