Há mais euro depois da Grécia?

Este euro é insustentável, ou temporariamente sustentável, mas num quadro disciplinar incompatível com a democracia. Que fazer então?

As instituições da União Europeia quiseram transmitir uma mensagem clara: na zona euro nenhuma dissidência é tolerada. No euro, para as “periferias”, só há duas alternativas - ou austeridade, ou rua. Mas na realidade, a mensagem que transmitiram não é só essa. Aos especuladores nos mercados da dívida soberana disseram - “o euro não é irreversível” - aos povos da europa sinalizaram - no euro não há lugar para escolhas políticas significativas, isto é, a democracia é limitada.

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As instituições da União Europeia quiseram transmitir uma mensagem clara: na zona euro nenhuma dissidência é tolerada. No euro, para as “periferias”, só há duas alternativas - ou austeridade, ou rua. Mas na realidade, a mensagem que transmitiram não é só essa. Aos especuladores nos mercados da dívida soberana disseram - “o euro não é irreversível” - aos povos da europa sinalizaram - no euro não há lugar para escolhas políticas significativas, isto é, a democracia é limitada.

A Europa construiu para si uma moeda única sem as instituições características de uma União Política democrática. Essa moeda transformou-se numa prisão onde a única política que tem condições para prevalecer é a que garante a liberdade dos capitais e das mercadorias em detrimento das pessoas. A única coisa que essa União Monetária tende a ter de comum é precisamente a moeda. Tudo o resto é divergência, poder hierárquico do centro sobre a “periferia”.

Esta União Monetária pode mudar? Em tese pode. Uma União dotada, não só de uma moeda, mas também de um orçamento e de uma dívida comuns, capacidade de cobrança de impostos progressivos num sistema fiscal uniforme, sem lugar para paraísos, e sobretudo de um parlamento diretamente eleito e de um executivo que dele emane seria uma outra União.

Mas será que a partir das tensões que existem é possível construir a verdadeira União Política que poderia transformar o euro noutra coisa? Entre as poucas coisas que parecem claras, esta é uma delas: uma tal transformação depende de um consenso, de uma quase unanimidade que não pode existir precisamente porque as tensões que o euro alimenta inviabilizam os consensos que seriam necessários para resolver as tensões do próprio euro. A cada acrescento que é feito ao edifício, alargam-se as rachas nas paredes.

Compreendemos também facilmente que o edifício não é transformável por uma acumulação de mudanças políticas país a país quando cada mudança enfrenta a parede e se transforma em derrota que prejudica a emergência de alternativas noutros países.

A única mudança possível, a que de facto está na forja, é a apropriação do pouco que resta de soberania dos estados membros. Na linha do que vai acontecendo com a União Bancária, toda a política orçamental e toda a política social passariam para a esfera de competência da União. Chamar-lhe-ão “reforço da governação económica” e procurarão fazer passar esta transformação musculada como um passo, um avanço, para a União Política.

Este euro é insustentável, ou temporariamente sustentável, mas num quadro disciplinar incompatível com a democracia. Que fazer então?

Há evidentemente soluções racionais. A mais racional de todas, com menos danos colaterais, seria, como defendeu Ashoka Mody, um ex-director do FMI num artigo na Bloomberg, a saída do euro da própria Alemanha. Neste caso, o euro subsistiria, mas sem a economia que acumula excedentes sistemáticos que o sobrevalorizam impedindo que meia europa possa competir nos mercados mundiais. Mas à falta de soluções racionais, a verdade é que, do passado fim-de-semana em diante, qualquer governo determinado na realização de um programa “dissidente” terá de enfrentar na zona euro uma negociação extremamente difícil. Mesmo não tendo como objetivo a saída da zona euro, tal governo poderá ter de responder ao ultimato “ou mais austeridade ou rua”. E para não ter de escolher entre austeridade em dose reforçada, ou expulsão nas condições impostas pelos credores, terá de estar política, moral e tecnicamente preparado para defender o seu país. Isto é, terá de ter acautelado a necessidade de uma saída da zona euro que em último caso poderá ter de encarar, mesmo não a tendo desejado.

Economista, Investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra