À procura dos sinais discretos (no genoma) do cancro do pâncreas hereditário

Cientistas do Instituto de Biologia Molecular e Celular do Porto participam em investigação internacional que está a identificar as marcas genéticas ligadas ao aparecimento de um dos tipos de cancro mais letais. O modelo animal é o peixe-zebra.

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Para estudar a formação do pâncreas humano, os cientistas usaram as células iniciais deste órgão in vitro e posteriormente confirmaram os resultados no pequeno peixe-zebra (Danio rerio), cujo genoma apresenta cerca de 70% de genes homólogos aos do homem. “O principal objectivo era perceber qual a região do genoma associada à formação das células imaturas de pâncreas humano”, diz José Bessa, envolvido neste estudo liderado pelo espanhol Jorge Ferrer, do Imperial College de Londres, e que inclui ainda a portuguesa Inês Cebola.

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Para estudar a formação do pâncreas humano, os cientistas usaram as células iniciais deste órgão in vitro e posteriormente confirmaram os resultados no pequeno peixe-zebra (Danio rerio), cujo genoma apresenta cerca de 70% de genes homólogos aos do homem. “O principal objectivo era perceber qual a região do genoma associada à formação das células imaturas de pâncreas humano”, diz José Bessa, envolvido neste estudo liderado pelo espanhol Jorge Ferrer, do Imperial College de Londres, e que inclui ainda a portuguesa Inês Cebola.

Concluiu-se então que a maior parte dos genes envolvidos no processo de formação do pâncreas constituem a via de hippo — uma cadeia molecular que controla o tamanho dos órgãos através da regulação da proliferação celular, da renovação das células estaminais e da morte celular programada. A desregulação dos genes desta via está associada ao desenvolvimento do cancro.

Através da inactivação de determinados genes reguladores da cadeia hippo, verificou-se que os embriões do peixe-zebra eram incapazes de desenvolver o pâncreas. Desta forma, a equipa pôde estabelecer um mapa dos genes reguladores ligados ao processo, e identificar essa cadeia como a responsável pelo desenvolvimento das células iniciais do pâncreas.

Publicados em Abril na revista Nature Cell Biology, estes resultados podem contribuir para a evolução das terapias regenerativas da diabetes de tipo 1, provocada pela destruição das células produtoras de insulina no pâncreas. “Hoje em dia estão-se a desenvolver protocolos de diferenciação de células produtoras de insulina in vitro, mas ainda não se introduziram estas células em doentes”, explica José Bessa, coordenador do grupo de desenvolvimento e regeneração de vertebrados no IBMC. “Estes protocolos ainda são pouco eficientes e requerem um conhecimento bastante profundo sobre células que dão origem ao pâncreas e sobre os mecanismos de diferenciação das células produtoras de insulina.”

“Pontos quentes” da doença 
Mas outras doenças associadas a esta cadeia podem também tentar agora compreender-se melhor. É o caso do cancro hereditário do pâncreas. Para tal, está em curso um segundo estudo, na qual estão envolvidos alguns dos cientistas do primeiro.

O cancro do pâncreas é um dos mais agressivos, sendo o quarto tipo de cancro a nível mundial que mais mata. A taxa de sobrevida para cinco anos é menos de 5%. A sua forma hereditária representa cerca de 10% do número total de casos. Para compreender melhor a doença, os investigadores estão agora a identificar e catalogar as marcas no genoma humano associadas a mutações que irão causar o cancro hereditário.

O objectivo é conseguir prever o risco de uma pessoa vir a ter cancro do pâncreas, através da identificação de hotspots ligados à doença. Para isso, os investigadores regressaram ao peixe-zebra dos aquários para identificar as sequências de ADN que, sofrendo mutações, irão potenciar o desenvolvimento da doença.

O genoma do animal tem 26 mil genes codificantes de proteínas, os únicos que são expressados, e que representam 5% do genoma total. Para o genoma humano, o número não difere muito, rondando os 27 mil genes codificantes. “A complexidade não está associada ao número de genes, mas às combinações que podem existir entre eles”, explica José Bessa, cujo grupo trabalha agora com Jose Luis Gómez-Skarmeta, do Centro Andaluz de Biologia do Desenvolvimento, em Sevilha, e Jorge Ferrer.

“Queremos identificar estas sequências [genéticas] no peixe-zebra e induzir mutações nelas, para ver o potencial que têm de originar cancro do pâncreas. Depois pretendemos fazer a correlação das sequências com o genoma humano, e criar um catálogo de hotspots”, diz José Bessa.

Os hotspots são marcas epigenéticas de proteínas, em torno das quais está o ADN inactivo, e que funcionam como uma espécie de marcador para identificar determinadas funções deste ADN não codificante — a porção do ADN que não comanda o fabrico de proteínas e que, portanto, não é expressada. O ADN não codificante representa cerca de 95% do genoma humano e, apesar de inactivo, pode induzir alterações na porção codificante do genoma, como a activação de genes e o controle da sua transcrição, ou “leitura”, para se iniciar a produção de uma proteína.

As sequências de ADN não codificante que activam os genes do ADN codificante são conhecidas por amplificadores (enhancers), e realizam essa função através da interacção com outras proteínas — os factores de transcrição. Uma mutação nestas sequências pode causar o mau funcionamento dos amplificadores e impedir a sua função.

“A hipótese que estamos a colocar é se as mutações nos enhancers podem gerar problemas na activação de alguns genes e, consequentemente, serem a causa do cancro pancreático”, explica José Bessa. “Há algumas variantes de sequências de ADN não codificante que foram associadas ao cancro pancreático em humanos, mas são ainda muito poucas.”

Quando conseguirem identificar os “pontos quentes” ligados ao cancro do pâncreas hereditário, os cientistas pretendem criar mutações genéticas nessas sequências no peixe-zebra, para confirmar se realmente estão na origem deste cancro. Depois desta etapa, irão isolar as sequências genéticas equivalentes nos seres humanos e, em seguida, regressarão ao peixe-zebra para as inserir no seu genoma, junto de uma proteína que fica verde fluorescente e é usada para monitorizar a actividade de um determinado gene. Se o peixe apresentar uma zona do seu corpo fluorescente, significa que os genes inseridos têm a função de activação da transcrição.

Com este segundo estudo, que deverá chegar a resultados nos próximos cinco anos, os investigadores esperam desenvolver um modelo que identifique antecipadamente as regiões no genoma humano susceptíveis a mutações que originam doenças do pâncreas, em particular o cancro hereditário, e prevenir o seu aparecimento. “O objectivo será chegar a um teste genético que nos permita definir o factor de risco de se desenvolver cancro pancreático”, sublinha José Bessa. “Pessoas com um risco elevado seriam aconselhadas a ficar sob vigilância, para se diagnosticar mais precocemente a doença, mesmo antes de algum sintoma.”

O diagnóstico é um dos grandes problemas do cancro pancreático, que geralmente é detectado já em estados muito avançados. “Apesar do prognóstico do cancro pancreático ser pouco optimista, mesmo quando detectado precocemente, esse diagnóstico iria aumentar a taxa de sobrevida a esta doença.”

Ainda num campo teórico, as terapias genéticas estão também na mira dos cientistas. “Encontrados os genes de risco, poderíamos proceder à procura de fármacos que revertessem as ligeiras modificações na transcrição destes genes, de modo a atrasarmos o aparecimento do cancro”, explica. “Neste caso nem seria uma terapia, mas sim uma prevenção, que não implicaria engenharia genética e todos os problemas éticos. Mas ainda temos um longo caminho a percorrer nesta direcção.”

Texto editado por Teresa Firmino