Morreu Omar Sharif, o egípcio internacional

A estrela de Dr. Jivago e o Sherif Ali de Lawrence da Arábia não resistiu a um ataque cardíaco.

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Não era: Omar Sharif, que tinha então 29 anos, era uma das maiores estrelas Egipto, que possuía então um cinema industrial e popular de considerável pujança mas que não era exportado, pelo menos para os mercados ocidentais. Com essa sua participação no famosíssimo filme de Lean, Sharif tornou-se no primeiro actor egípcio a conquistar uma fama global.

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Não era: Omar Sharif, que tinha então 29 anos, era uma das maiores estrelas Egipto, que possuía então um cinema industrial e popular de considerável pujança mas que não era exportado, pelo menos para os mercados ocidentais. Com essa sua participação no famosíssimo filme de Lean, Sharif tornou-se no primeiro actor egípcio a conquistar uma fama global.

Sharif morreu esta sexta-feira aos 83 anos na sequência de um ataque cardíaco num hospital no Cairo.

Lean chamou-o logo para o seu filme seguinte, o Doutor Jivago (1965), que ficou tão célebre como Lawrence ou mais ainda, e definitivamente estabeleceu Sharif como vedeta internacional, de allure romântica e sedutora. Mas, como acontece frequentemente no cinema americano, destinado primordialmente a interpretar “estrangeiros”: foi russo (no Jivago), foi espanhol, foi mexicano, foi jugoslavo – e até foi Che Guevara, no bizarríssimo biopic realizado por Richard Fleischer em 1969 (Che!). Para escândalo de alguns compatriotas, até foi judeu, no Funny Girl de William Wyler (e respectiva sequela, Funny Lady), ao lado da judia Barbra Streisand, com quem – duplo escândalo – manteve um affair.

Funny Girl e Funny Lady mostram uma faceta de Sharif que talvez não tenha sido muito explorada mas onde ele se revelou exímio, a de actor de comédia, capaz de com elegância virar um bocadinho ao prego da sua imagem de charme. Blake Edwards, que o pôs a contracenar com Julie Andrews num melodrama de 1974 (A Semente de Tamarindo, mais um papel de russo), percebeu-o bem quando, numa das várias sequelas da Pantera Cor de Rosa, lhe deu um pequeno papel, um especialíssimo cameo, na pele de um assassino profissional que salta ao caminho do Inspector Clouseau – “honni soit qui mal y pense”, Sharif podia finalmente fazer de egípcio num filme americano…

Seis décadas de “clássicos” e “maus”

O actor, cujo filho tinha revelado em Maio deste ano que sofria de doença de Alzheimer, seria nomeado uma única vez para um Óscar (de Actor Secundário) por Lawrence da Arábia. Do filme sairia ainda uma amizade estreita com Peter O'Toole, que classificava o nome escolhido em 1954 pelo amigo nascido Michel Demetri Chalhoub, quando rodou o seu primeiro filme no Egipto, como "ridículo". Por isso mesmo, tratava-o por "Fred".

Nascido católico em Alexandria em 1932 numa família abastada, estudou matemática e física na Victoria College da sua cidade e, depois treinaria para actor na Royal Academy of Dramatic Art em Londres. Falava cinco línguas e converter-se-ia ao Islão.

Desde 1954, fez então mais de 20 filmes no seu país - alguns dos quais contracenando com a sua futura mulher, a estrela egípcia Faten Hamama (divorciaram-se em 1974 e Sharif não voltou a casar-se).  

Sharif, cujo percurso de mais de 60 anos de carreira não foi tocado pela falta de trabalho mas não voltaria a ter o ritmo intensíssimo dos anos 1960, não escapou às críticas sobre as suas escolhas de papéis ou qualidades no ecrã. "Só quero saber de chegar ao estúdio a horas e lembrar-me das minhas falas", simplificou na rodagem de Mayerling (1968) com Deneuve e Ava Gardner. Mas reflectia e pesava o positivo e o negativo da sua carreira regularmente nas conversas com a imprensa - “Fiz três filmes que são clássicos, o que já de si é muito raro”, perspectivou em 1995 numa entrevista ao New York Times; uma década depois, admitiria ao diário britânico Guardian que “desde 1972,73” só fez “filmes maus”.

Dizia também viver dividido entre o trabalho no estrangeiro e o Egipto e a vida que poderia ter tido sem ter sido escolhido por David Lean para o épico que o lançou. "Mesmo com Lawrence da Arábia não pedi para ser um actor internacional. Ao ir para a América e tornar-me famoso, isso deu-me glória mas deu-me solidão”, “saudades” da sua terra, povo e família, diria em 2007.

Entre os seus papéis recentes contam-se um cameo no filme Um Castelo em Itália (2013), de Valeria Bruni Tedeschi, vários telefilmes e séries, o drama francês Rock the Casbah (2013) ou o filme norte-americano Hidalgo (2004). Outros dos traços públicos de Sharif eram a sua paixão e talento para o bridge e o facto de ter sido um dos poucos receptores da medalha Sergei Eisenstein da UNESCO pelo seu contributo para o cinema e para a diversidade. Deixa por estrear a curta 1001 Inventions and the World of Ibn Al-Haytham, de Ahmed Salim, ainda em fase de pós-produção.