Tempos elétricos

Há pouco menos de cem anos a política portuguesa viveu um dos seus dias mais trepidantes.

Há pouco menos de cem anos a política portuguesa viveu um dos seus dias mais trepidantes, no sentido literal. No dia 3 de julho de 1915 o líder do Partido Democrático (e ex-chefe de governo) Afonso Costa ia descansado a caminho de Algés. Viajava de carro eléctrico. Na Avenida 24 de Julho deu-se um curto-circuito no disjuntor da carruagem, que produziu um estrondo e um clarão. Julgando ser vítima de um atentado à bomba, ou encontrar-se no fogo cruzado de um tiroteio, Afonso Costa lançou-se da janela do eléctrico e ficou gravemente ferido, tendo sofrido um traumatismo craniano.

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Há pouco menos de cem anos a política portuguesa viveu um dos seus dias mais trepidantes, no sentido literal. No dia 3 de julho de 1915 o líder do Partido Democrático (e ex-chefe de governo) Afonso Costa ia descansado a caminho de Algés. Viajava de carro eléctrico. Na Avenida 24 de Julho deu-se um curto-circuito no disjuntor da carruagem, que produziu um estrondo e um clarão. Julgando ser vítima de um atentado à bomba, ou encontrar-se no fogo cruzado de um tiroteio, Afonso Costa lançou-se da janela do eléctrico e ficou gravemente ferido, tendo sofrido um traumatismo craniano.

O traumatismo político não foi menor. Os seus adversários riram-se daquele alarmismo e verberaram-lhe uma suposta cobardia. Afonso Costa mencionou o acidente como um pretexto para não assumir de novo a chefia de governo (a que se chamava então “a Presidência do Ministério”) e continuar a manobrar a favor da entrada de Portugal na Grande Guerra.

Em contexto, Afonso Costa tinha boas razões para temer um atentado. Mês e meio antes tinha sido baleado numa carruagem de comboio outro líder republicano, João Chagas, também ex- (e futuro) Presidente do Ministério. João Chagas perdeu um olho; o autor dos disparos, que era o senador João José Freitas, de Trás-os-Montes, foi espancado pela multidão e morreu ali mesmo, aparentemente com o contributo de um disparo por uma carabina da GNR. Atentados e violência política havia; talvez se esperasse apenas que os políticos os sofressem estoicamente.

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Uma das acusações que trocavam entre si os republicanos desavindos — democráticos à esquerda e evolucionistas, mais do centro, ou unionistas, mais à direita — era a de corrupção. O próprio João José Freitas tronitruava insinuações na câmara do Congresso: “para certos Republicanos a República tem sido um pé-de-cabra com que vêm aumentando os seus valores!”, segundo está documentado no boletim parlamentar de 11 de junho de 1913 (e repetido pela wikipedia). A mesma acusação viria a ser repetida a propósito da entrada de Portugal na Grande Guerra, que se daria em 1916.

Curiosamente — e ao contrário de certos relatos que dizem que só recentemente foi preso sob suspeitas de corrupção um ex-primeiro-ministro — Afonso Costa foi preso em 1917. Curiosamente, a detenção deu-se quando regressava de Paris, mas de comboio. Curiosamente, ficou preso no Alentejo, mas em Elvas. E curiosamente, escrevia furiosas cartas da prisão nas quais se comparava ao Marquês de Pombal, e os seus acusadores à Inquisição, enquanto respondia a questões sobre a sua vida de rico e a posse, rara à época, de um automóvel: “para que serve isto, não se tendo estranhado que CINCO ANOS ANTES DA REPÚBLICA eu já tivesse e sustentasse automóvel para me deslocar mais facilmente no exercício da minha profissão?”.

A citação, incluindo as maiúsculas, vem na curta e ótima biografia de Afonso Costa pelo historiador Filipe Ribeiro de Meneses e serve para nos lembrar que há muitas coisas que mudam na política e na história. Como, por exemplo, os meios de transporte.