Imaginarius: há 15 anos a demonstrar que as ruas também têm coração

Performances de 19 países transformam centro histórico de Santa Maria da Feira num palco sem paredes nem tecto.

Fotogaleria

Pessoa e os seus heterónimos andam por ali de óculos redondinhos e fato escuro. O bem e o mal lutam e, por vezes, o Céu e o Inferno misturam-se. Se Esta Rua Fosse Minha é o espectáculo criado por um grupo de oito especialistas de teatro físico de vários países e por amadores que durante semanas frequentaram um workshop para mostrar que as ruas também têm alma. “O coração, se pudesse pensar, pararia” é uma das evocações que o giz vincou no asfalto. Elas e eles com o desassossego no corpo, no peito, na voz. Andam com Pessoa na cabeça. O Imaginarius também é assim, dá que pensar. O Festival Internacional de Teatro de Rua de Santa Maria da Feira anda há 15 anos a mostrar que a apropriação do espaço público, do chão ao céu, pode ser feita com classe. Voltou a fazê-lo sexta e sábado num programa que começa às 14h e fecha com os homens vestidos de negro da Fanfarra Kaustica depois das três da manhã deste domingo.  

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Pessoa e os seus heterónimos andam por ali de óculos redondinhos e fato escuro. O bem e o mal lutam e, por vezes, o Céu e o Inferno misturam-se. Se Esta Rua Fosse Minha é o espectáculo criado por um grupo de oito especialistas de teatro físico de vários países e por amadores que durante semanas frequentaram um workshop para mostrar que as ruas também têm alma. “O coração, se pudesse pensar, pararia” é uma das evocações que o giz vincou no asfalto. Elas e eles com o desassossego no corpo, no peito, na voz. Andam com Pessoa na cabeça. O Imaginarius também é assim, dá que pensar. O Festival Internacional de Teatro de Rua de Santa Maria da Feira anda há 15 anos a mostrar que a apropriação do espaço público, do chão ao céu, pode ser feita com classe. Voltou a fazê-lo sexta e sábado num programa que começa às 14h e fecha com os homens vestidos de negro da Fanfarra Kaustica depois das três da manhã deste domingo.  

E do céu negro surgem 12 performers, suspensos por fios, que dançam ao som de enérgicas músicas tocadas ao vivo por uma banda com os pés assentes no chão. As roupas, os elementos cénicos, os confettis e a espuma que atiram, mais os corpos que giram, se abraçam, se separam, dançam, descem ao chão e voltam a subir, constroem um cenário visual de outra dimensão. Como um espanta-espírito humano que confirma que é possível dançar rock psicadélico no céu. E a música não pára. Cabeças e corpos tapados por fatos às riscas e ao xadrez branco e preto, dedos iluminados. Senhoras e senhores, eis a companhia argentina e espanhola Voalá com Muaré. “A palavra para descrever isto é incrível, eles estão a voar”, diz Inês que pela segunda vez vem do Porto ao Imaginarius. Quando sai de casa para o festival acredita que será surpreendida. Não se enganou. “Estava à espera de algo incrível e foi isso que aconteceu”.

A Praça da República, a Praça Gaspar Moreira, as ruas dos Descobrimentos, Roberto Alves e o Rossio estão habituados à agitação. O holandês Bram Graafland tem uma bancada de cozinha verde que é um teclado, um fogão, uma bateria, o que o cozinheiro-músico quiser. Promete fazer uma panqueca e a odisseia começa com ovos, farinha e manteiga que nem sempre caem no sítio certo. É a primeira vez que está em Portugal. A plateia está atenta para ver o que acontece e o que acontece não é que se passa numa cozinha convencional. A receita aqui não interessa nada. E numa parede do Rossio, um pontinho branco desenhado num tablet projecta-se no betão e transforma-se em muitas coisas. Numa porta que se abre, em sacos de compras, em números e nomes que devassam a intimidade, em declarações de amor. Uma rapariga agarra o pontinho, dá-lhe liberdade, tenta perceber de que forma ele pode comandar a sua vida em Dancing Grafiti, da dupla húngara Bandart Productions. "Quem sou eu?" é a pergunta que se faz no início e a que o pontinho branco que ganha vida na parede não quer dar resposta.

José Augusto Almeida está neste Imaginarius do lado de dentro e do lado de fora. Como actor e como espectador. Acompanha o festival, conhece-lhe as mudanças de mais para menos dias, de um modelo com espectáculos sequenciais no horário para performances em simultâneo. Este ano, veste uma camisa branca com frases estampadas e calças pretas em Se Esta Rua Fosse Minha, o intenso espectáculo em redor de Pessoa. “É um espectáculo muito físico”, descreve. “A parte mais interessante é a partilha”, refere. A partilha com gente de várias partes do mundo na preparação do espectáculo e em que o inglês se tornou a língua comum para chilenos, alemães, polacos, um japonês e um macaense, húngaros, portugueses. E a partilha que se segue às performances com quem deu o corpo ao manifesto. “Quem está dentro percebe que há muita qualidade nos bocadinhos que se fazem, que há muito trabalho”, refere.   

Em frente ao mercado municipal está um casal que une Argentina e Uruguai pelo mundo fora. Ela faz o que quer dos aros que rodam e rodam no seu corpo vestido com um corpete cor-de-rosa. Por momentos, usa barbas, espeta uma faca na perna, cospe fogo, transforma-se numa ave que pede comida. Ele veste a pele de um apresentador de circo clássico e recorre ao humor com requinte. Clap Clap Circo não precisa de muito espaço para deslumbrar e fazer rir. "Clap clap" para quem faz da rua o seu maior palco.