Duas Palmas de Ouro, duas decepções

Nanni Moretti e Gus van Sant não convencem. Mesmo que o filme do primeiro tenha sido bem recebido pelo público.

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Nanni Moretti na conferência deste sábado, em Cannes BERTRAND LANGLOIS/AFP

É verdade que em fases anteriores o cineasta americano fez as suas experiências como realizador da indústria (Good Will Hunting em 1997, por exemplo) antes de se exercitar como experimental (Gerry, 2002). Mas não se trata aqui da progressão de uma narrativa de intermitência numa carreira, antes a inacreditável reiteração por um filme, sequência a sequência, da convenção e do cliché que é o argumento de Chris Sparling.

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É verdade que em fases anteriores o cineasta americano fez as suas experiências como realizador da indústria (Good Will Hunting em 1997, por exemplo) antes de se exercitar como experimental (Gerry, 2002). Mas não se trata aqui da progressão de uma narrativa de intermitência numa carreira, antes a inacreditável reiteração por um filme, sequência a sequência, da convenção e do cliché que é o argumento de Chris Sparling.

Este é o encontro entre o americano Matthew McConaughey e o japonês Ken Watanabe na floresta de Aokigahara, conhecida como a Floresta dos Suicídios. McConaughey apanhou o avião para lá, o objectivo é óbvio. O encontro com a personagem de Watanabe, figura de estatuto também obviamente fantasmagórico, é entrecortado com flashbacks da vida de McConaughey com a mulher (Naomi Wats). McConaughey passa o filme a contar a Watanabe aquilo que o espectador já viu nos flashbacks (já lhe vaticinaram, por causa desses monólogos, o final de uma série impositiva de prestações). E passa o filme a cair (literalmente) nos twists que o argumento lhe arranjou, um concentrado tão previsível que assusta sentir que alguém filmou e montou este material sem se ter incomodado.

À saída de Mia Madre, de Nanni Moretti, as reacções não foram essas. Houve aplausos, e comentários do género: é “divertido” e “emocionante”, como que a marcar o regresso de Moretti a um dois em um que se conheceu dele. Divertido e emocionante? Só se for lado a lado, como filmes separados. De um lado temos a história de uma realizadora (Margherita Buy) em plena rodagem do seu filme, que tem como principal actor um americano que chega a Roma. É o momento em que as suas angústias artísticas sinalizam (mesmo quando escondem) a sua turbulência emocional – é a mãe que está no hospital, é o irmão (Moretti) que se apresenta sempre como um modelo…

Do outro, temos John Turturro, que interpreta o actor que chega a Itália para filmar. É um desenho de composição que tem traços diferentes de tudo o resto no filme. Mas pelos vistos é um crowd pleaser. De qualquer forma, não nos contentamos com a forma como Moretti parece dosear Turturro, intervalos de humor para entreter: é que toda a dimensão fantasmática do mundo de Margherita Buy (há uma bela sequência, aliás, um sonho: filas e filas de gente para entrar em As Asas do Desejo, de Wenders, filas e filas de gente para ir ao cinema, é mesmo um sonho…), e o que se cala na sua relação com o irmão, se esvaem. Não chegam a ser tocados, ou é um toca e foge, o filme não se chega a intensificar. É um condensado light dos momentos de humor e de fantasmagoria em que Moretti foi, como cineasta, bastante turbulento.