"Uma república de cidadões"

O primeiro foi a famosa proposta de lei que-não-chegou-a-ser sobre a cobertura das campanhas eleitorais. Em princípio não se justificaria gastar mais tempo com ela, uma vez que foi divulgada num dia, ridicularizada no segundo, e enterrada no terceiro.

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O primeiro foi a famosa proposta de lei que-não-chegou-a-ser sobre a cobertura das campanhas eleitorais. Em princípio não se justificaria gastar mais tempo com ela, uma vez que foi divulgada num dia, ridicularizada no segundo, e enterrada no terceiro.

Convém não esquecer, porém, que aquela proposta não representa só o falhanço de alguns poucos membros da elite política. Ela chegou depois de um processo que representa o falhanço de toda a nossa elite — política,  institucional, mas também jornalística. Só isso pode descrever o que se passa num país que já teve duas eleições sem cobertura e sem debates, e que se arrisca a ter uma terceira eleição sem cobertura e sem debates, sem que se encontre uma solução partilhada para um problema simples.

Convém não esquecer, também, que não teria sido impossível combinar relevância e critério jornalístico com a lei que existe — só que nunca foi tentado. É assim que nos arriscamos agora a fazer aquela transição tipicamente portuguesa de uma lei igualitária que nunca foi cumprida para uma nova lei descaradamente inigualitária que beneficiaria só os interesses instalados.

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O segundo facto não gerou qualquer escândalo — e é nessa medida que esclarece muito bem o primeiro.

No próprio dia 25 de Abril, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas convocaram os jornalistas para um hotel e anunciaram que iriam defender perante os “órgãos nacionais” dos seus partidos a formação de uma coligação pré-eleitoral entre eles.

A referência aos “órgãos nacionais” foi de um requinte notável. Como era notório, ninguém se preocupou com o que pensam os militantes dos ditos partidos. Na crença comum, estes servem apenas para validar as decisões dos líderes e esperar para ver em que lugar aparecem nas listas. Não passou pela cabeça dos dois líderes partidários — Pedro Passos Coelho e Paulo Portas — convocar cada um dos seus partidos para uma reflexão real sobre os anos de governação e uma ponderação sobre quais seriam as vantagens ou desvantagens de uma coligação. Um processo desses deveria ser a rotina fundamental da vida partidária. Mas em Portugal os partidos da direita coligam-se com a mesma facilidade com que os partidos de esquerda não se coligam: depende do que dá jeito à direção do partido.

E isto acontece, note-se, com os dois partidos que nunca deixaram de avaliar trimestralmente a sua prestação — com a troika, é claro. Afinal, tratava-se de senhores estrangeiros. Os portugueses, mesmo quando são militantes do partido, não precisam dessas finezas.

Nenhum jornalista ou comentador, que eu desse conta, questionou este facto. O que é revelador: o escândalo do dia anterior foi apenas a ponta do iceberg. A 25 de Abril, desgraçadamente, prosseguiu a nossa cultura de fechamento político — e essa é que é determinante.

Por isso, ao contrário do que dizem, o Presidente não se enganou quando no seu discurso de 25 de Abril nos chamou “uma República de cidadões”. Ainda falta um pouco para que as nossas elites nos promovam a cidadãos.