Michel Houellebecq, uma página em branco

Em vez do ruído, do circo mediático, um redentor silêncio. É um daqueles actores que é uma página em branco.

Foto

Mas não se esperaria que, e logo na semana em que é editado em Portugal Submissão, um daqueles livros condenados a serem comentados antes de serem lidos, Houellebecq chegasse com silêncio. Experiência de Quase Morte, de Gustave Kervern e Benoît Delépine, é uma folha em branco à espera que se comece de novo. À espera de quem estiver disposto a (re)escrever a sua história com Michel Houellebcq. Como todos os objectos (mesmo que ligeiramente) não identificados, começa por exigir que se ajuste o foco.

Para que não se pense que é um one-shot, olhe-se para a sala/sessão ao lado, onde num “falso documentário”, O Rapto de Michel Houellebecq, de Guillaume Nicloux, o escritor torna-se intérprete de si próprio e de factos que não ocorreram na sua vida (um suposto rapto) e espalha o apaziguamento: raptores e vítima em acordo quase perfeito, universos dispostos para a guerra a comunicarem com a quase graça dos não-acontecimentos – se o registo fosse delirante e explosivo, podia ser a irrupção de um mundo ao contrário como em algumas comédias de Frank Capra.

Em Experiência de Quase Morte Houellebecq é Paul. Quer suicidar-se. Já o teria feito antes se não fossem os filhos, mas a verdade é terminal, diz num dos seus solilóquios: um pai morto é melhor do que um pai sem vida que se veja. É assim que se sente Paul, sem capacidade de ser útil ao sistema de produção – como a personagem de Gérard Depardieu em Mammuth (2010), anterior filme da dupla Kervern/Delépine.
Paul atira-se para a natureza vestido de ciclista, o que desenha na paisagem, em cores garridas, um burlesco que na verdade é eremita, silencioso. Paul procura um momento pudico para o golpe de misericórdia. Mas a natureza é incómoda – uma pessoa passa a vida, continua ele, a trabalhar o seu conforto, a personalizar o seu sofá, para acabar assim...

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Mas não se esperaria que, e logo na semana em que é editado em Portugal Submissão, um daqueles livros condenados a serem comentados antes de serem lidos, Houellebecq chegasse com silêncio. Experiência de Quase Morte, de Gustave Kervern e Benoît Delépine, é uma folha em branco à espera que se comece de novo. À espera de quem estiver disposto a (re)escrever a sua história com Michel Houellebcq. Como todos os objectos (mesmo que ligeiramente) não identificados, começa por exigir que se ajuste o foco.

Para que não se pense que é um one-shot, olhe-se para a sala/sessão ao lado, onde num “falso documentário”, O Rapto de Michel Houellebecq, de Guillaume Nicloux, o escritor torna-se intérprete de si próprio e de factos que não ocorreram na sua vida (um suposto rapto) e espalha o apaziguamento: raptores e vítima em acordo quase perfeito, universos dispostos para a guerra a comunicarem com a quase graça dos não-acontecimentos – se o registo fosse delirante e explosivo, podia ser a irrupção de um mundo ao contrário como em algumas comédias de Frank Capra.

Em Experiência de Quase Morte Houellebecq é Paul. Quer suicidar-se. Já o teria feito antes se não fossem os filhos, mas a verdade é terminal, diz num dos seus solilóquios: um pai morto é melhor do que um pai sem vida que se veja. É assim que se sente Paul, sem capacidade de ser útil ao sistema de produção – como a personagem de Gérard Depardieu em Mammuth (2010), anterior filme da dupla Kervern/Delépine.
Paul atira-se para a natureza vestido de ciclista, o que desenha na paisagem, em cores garridas, um burlesco que na verdade é eremita, silencioso. Paul procura um momento pudico para o golpe de misericórdia. Mas a natureza é incómoda – uma pessoa passa a vida, continua ele, a trabalhar o seu conforto, a personalizar o seu sofá, para acabar assim...

Este desejo de se retirar pertence à personagem Paul ou é do escritor Houellebecq?A fumar colocam ambos o cigarro entre o par de dedos menos óbvio, lugar que se torna perigoso como um trapézio; têm a mesma boca hirta, a expressividade grave que só se dobra com o sorriso. Paul, a personagem, não encontra – não procura – redenção porque o actor Michel colocou isso como condição aos realizadores: nada de encontros salvíficos com a prodigiosa natureza, este é um pacto de não-ingerência e a favor da morte. Michel quis interpretar a personagem porque, contou, houve um tempo em que também sentiu o desejo de se retirar de vez – e gostava do espírito sujo, punk (aqui também metaleiro, versão Black Sabbath) do trabalho de Kervern/Delépine, aceitou a proposta sem ter visto Honra de Cavalaria, de Albert Serra, ou Gerry, de Gus Van Sant, que lhe poderiam dar indicações; e sem exigências de maior a não ser que na rodagem se pudesse fumar. Paul é Michel? E o que se responde sobre Woody Allen ou João César Monteiro... ? E o que dizer do Depardieu de Mammuth, onde a obesidade de Obélix é o ponto de chegada de um estado de graça sensual do actor, o seu período Les Valseuses (Bertrand Blier, 1974), mais comida, mulheres e outras nostalgias, como a da solidariedade masculina na masturbação?

O trabalho de Kervern/Delépine faz-se a partir das marcas e máscaras das “personalidades” que escolhem para os filmes (há quem diga que é oportunista porque se faz à custa delas...). Quer Houellebecq quer Depardieu são destemidos a lidar com as versões de si mesmos. O corredor que atravessa um património assim pode levar ao caricatural. Mas o silêncio que fica depois do ruído é – que Houellebecq não saiba disto - redentor.