Riscos gregos

 Mesmo não olhando ao conteúdo dos programas aplicados (mesmo aceitando a sua indispensabilidade), é preciso reconhecer que a falta da velha “cultura comunitária” na estratégia europeia acabou por contribuir para reforçar o flanco das propostas políticas mais radicais.

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 Mesmo não olhando ao conteúdo dos programas aplicados (mesmo aceitando a sua indispensabilidade), é preciso reconhecer que a falta da velha “cultura comunitária” na estratégia europeia acabou por contribuir para reforçar o flanco das propostas políticas mais radicais.

Os radicais chegaram ao poder na Grécia. Chegaram com toda a legitimidade e isso tem de ser respeitado. Não sabemos – é cedo para tanto – se moderarão a sua estratégia e o seu discurso e, com isso, atenuarão os riscos da dinâmica de expansão dos extremismos e populismos. Em todo o caso, convém não pôr a cabeça na areia e estar ciente dos riscos que esta vitória e a sua agenda radical podem comportar.

2. O primeiro risco – a que chamo “risco constitucional” – foi ontem lapidarmente identificado aqui no Público, por João Carlos Espada, em termos que subscrevo por inteiro e que, por conseguinte, me escuso de desenvolver. A agenda de ligação à Rússia de que falei neste espaço há quinze dias é motivo de profunda preocupação. A coligação com uma extrema-direita de vinco nacionalista e confessamente anti-semita é geradora das maiores inquietações. A agenda interna de colectivização e socialização da economia também não dá azo a esperança. Há riscos para a democracia liberal tal como a entendemos no mundo ocidental, mundo de que a Grécia faz parte. Esse é o risco constitucional.

3. O segundo risco é o “risco internacional” e prende-se essencialmente com a imediata conjuntura geoestratégica internacional, designadamente com a crise ucraniana. Rui Ramos, também ontem, mas no Observador, chamava a atenção, com absoluta razão, para que a crise na Ucrânia é bem mais grave do que o problema grego. A questão é que a combinação de ambas e a evidente “conexão russa” no respectivo desenvolvimento não é de molde a deixar ninguém tranquilo. A Rússia não terá condições para resgatar financeiramente a Grécia; como, de resto, e na altura em melhor situação, demonstrou não ter para resgatar Chipre. Mas dispõe de capacidade de perturbação e destabilização em alto grau e não deixará de explorar todas as oportunidades que possam enfraquecer a União Europeia e a NATO. Ora, a emergência de uma querela grega com os seus parceiros tradicionais será música celestial para os ouvidos de Putin.

Não pode demais excluir-se – e isso talvez explique a hesitação no retrocesso da privatização do porto do Pireu – um recurso do governo grego à China. A China, como bem sabem os portugueses, tem vindo a aproveitar a crise das dívidas soberanas para colocar as suas pedras no tabuleiro europeu. A crise grega poderia dar-lhe a oportunidade de colocar a pedra angular.

4. Se o risco constitucional e o risco internacional poderiam depor no sentido de tentar um acordo e uma cedência de maior tomo ao actual governo grego, a verdade é que isso é altamente desaconselhável por aquilo que denomino de “risco europeu”. O risco europeu é um risco eminentemente político e é o risco de indução e contágio dos populismos e extremismos.

O caso mais glosado, mas que não é sequer o mais iminente, é o do contágio dos extremismos de esquerda. E aqui aparece com mais saliência do que qualquer outro, o exemplo do Podemos em Espanha. É natural que, por força de causas estruturais e conjunturais, a que agora se somaria a experiência grega, um partido com aquelas características possa ter uma base de apoio ampla. Basta pensar na agenda republicana (que alteraria o regime em Espanha, com a provável desagregação do Estado) ou na contemporização com a secessão catalã para imaginar o tremendo câmbio político que uma vitória do Podemos poderia provocar. Já não falando no programa de colectivização e socialização e nos seus efeitos. Numa situação destas, com mudanças tectónicas de nível geopolítico, Portugal seria muito afectado e a União Europeia ficaria decerto em muito maus lençóis.

Não menos inquietante é o risco de indução. Como se viu pelo entusiasmo de Marine Le Pen, a vitória do radicalismo de esquerda é um catalisador para os radicais da direita. As forças anti-europeias de direita (Verdadeiros Finlandeses, Partido da Liberdade e Aliança do Futuro na Áustria, Jobbik na Hungria, Partido do Povo na Dinamarca, Aurora Dourada e Gregos independentes na Grécia, Democratas Suecos, Liga Norte na Itália, Partido da Liberdade na Holanda, Frente Nacional na França, UKIP e BNP no Reino Unido) têm muito a ganhar com a vitória do Syriza. Irão explorar os sentimentos anti-europeus, irão diabolizar qualquer gesto de aproximação ao governo grego, irão acentuar a fractura Norte-Sul. E se algum deles chegar ao poder, irá retaliar e bloquear todo o processo decisório na União Europeia. A vitória do Syriza e os eventuais ganhos da sua agenda serão um enorme indutor do radicalismo de direita, em especial na Europa do Norte. Com radicalismo de esquerda no Sul e radicalismo de direita no Norte, a paisagem política da Europa ficará irreconhecível. E a democracia liberal que fundámos e em que acreditámos, irrespirável.

SIM. Papa Francisco. Na cena mundial, tem sido a única voz de referência. O apelo a que a Igreja acolha os marginalizados, acampe na rua humana e seja o hospital de campanha é todo um programa de recomeço a nível global.

NÃO. António Costa. Cria taxas para o turismo; aumenta as taxas dos bens essenciais. Mas perdoa magnanimamente mais de um milhão de euros ao futebol. É o regresso da velha política. Um escândalo.