Putin culpa "vencedores da Guerra Fria" pela crise na Ucrânia

Conversações de paz em Minsk ainda podem não se realizar.

Foto
O chefe de Estado russo está de visita ao Egipto Asmaa Waguih/Reuters

"As promessas de não alargamento da NATO ao Leste, feitas às autoridades soviéticas, foram declarações vazias. Temos visto a infra-estrutura da NATO a chegar cada vez mais perto das fronteiras da Rússia e os interesses russos a serem ignorados", disse Putin numa entrevista ao diário egípcio Al-Ahram, publicada nesta segunda-feira.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

"As promessas de não alargamento da NATO ao Leste, feitas às autoridades soviéticas, foram declarações vazias. Temos visto a infra-estrutura da NATO a chegar cada vez mais perto das fronteiras da Rússia e os interesses russos a serem ignorados", disse Putin numa entrevista ao diário egípcio Al-Ahram, publicada nesta segunda-feira.

Depois de um fim-de-semana passado em Moscovo a discutir um plano de paz para a Ucrânia em que poucos acreditam, Putin partiu para o Egipto, numa tentativa de alargar a sua influência junto do Presidente Abdel Fattah al-Sissi, aproveitando um momento de maior fragilidade nas relações entre o Cairo e Washington.

Na entrevista ao Al-Ahram, o Presidente russo criticou também a parceria da União Europeia com os países do Leste europeu, que descreve como "uma tentativa de afastar da Rússia os Estados que fizeram parte da antiga União Soviética, levando-os a fazerem uma escolha artificial entre a Rússia e a Europa".

Ao agravamento da situação no Leste ucraniano o Ocidente respondeu com sanções económicas, que têm sido reforçadas ao longo do último ano. Esperava-se que os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia autorizassem esta segunda-feira mais um reforço dessas medidas, mas a decisão foi adiada para a próxima semana – os governantes querem aguardar pelos resultados da reunião marcada para quarta-feira, em Minsk, entre Vladimir Putin, a chanceler alemã, Angela Merkel, e os Presidentes de França, François Hollande, e da Ucrânia, Petro Poroshenko.

"A decisão sobre o tipo de sanções e as pessoas abrangidas foi tomada, mas só será publicada na segunda-feira, para que possa decorrer a reunião em Minsk. Se, no fim, houver êxito, as sanções podem ser revogadas", disse à Lusa o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete.

No entanto, as hipóteses de todas as partes chegarem a acordo esta semana é muito reduzida, como admitem os próprios líderes envolvidos nas conversações.

Na entrevista ao jornal egípcio, Putin disse que não haverá "estabilização" sem um cessar-fogo imediato mas, acima de tudo, deixou claro que os rebeldes pró-russos têm de ser reconhecidos como interlocutores, uma ideia que dificilmente será aceite pelo Governo de Kiev.

O plano preparado por François Hollande e Angela Merkel visa aplicar os acordos de paz concluídos há cinco meses, em Minsk, prevendo uma maior autonomia para as regiões rebeldes e aceitando a actual linha de frente – outra solução inaceitável para as autoridades de Kiev. Neste momento, os separatistas, ocupam mais 500 km2 do que em Setembro.

Por isso, é ainda incerto que as partes se juntem em Minsk na quarta-feira, sublinhou o chefe da diplomacia alemã, Frank-Walter Steinmeier.

O agravamento da situação na Ucrânia levou também os EUA a ameaçarem enviar armas para o Exército ucraniano, uma ideia mal vista pela maior parte dos países da União Europeia, principalmente pela Alemanha.

Os dois lados do Atlântico têm-se desdobrado em declarações para mostrarem que continuam unidos na estratégia para lidar com a Rússia, mas os avanços dos separatistas no terreno e o receio do alargamento do conflito levam alguns analistas a aconselharem prudência.

"Enviar armas para a Ucrânia não vai salvar o seu Exército e vai provocar uma escalada dos combates. Este passo é particularmente perigoso porque a Rússia tem milhares de armas nucleares e está a procurar defender um interesse estratégico vital", escreve no jornal The New York Times John J. Mearsheimer, professor de Ciência Política na Universidade de Chicago e autor do livro A Tragédia da Política das Grandes Potências (Gradiva, 2007).

"É essencial que a Rússia ajude a pôr fim aos combates no Leste da Ucrânia, e que Kiev volte a assumir o controlo dessa região. Ainda assim, as províncias de Donetsk e Lugansk devem ter uma grande autonomia, e a protecção da língua russa deve ser uma prioridade", defende o especialista.

Embora por outras razões, também a jornalista norte-americana Anne Applebaum considera que os Estados Unidos não devem enviar armas para a Ucrânia. Applebaum escreve no The Washington Post que o debate sobre o envio de armas é "um argumento sobre tácticas de curto prazo, e não uma estratégia a longo prazo – e ignora a verdadeira natureza do jogo russo".
 
A finalidade desta guerra não é a vitória. A finalidade é impedir o aparecimento de algo que se assemelhe a uma Ucrânia europeia e próspera, porque um Estado desse tipo seria uma ameaça ideológica para o Putinismo." Nem um eventual cessar-fogo irá levar a paz ao Leste da Ucrânia – no máximo, escreve a jornalista, o fim dos combates terá como resultado a criação de um "conflito congelado", à semelhança do que acontece na Moldova e na Geórgia.

Ao contrário de John J. Mearsheimer, Applebaum defende o reforço do papel da União Europeia junto da Ucrânia, com vista à sua integração "ao longo de vários anos". "Não queremos uma nova Guerra Fria – mas até isso seria preferível a uma nova Guerra Mundial. E se não definirmos uma estratégia séria para a evitarmos, é isso mesmo que teremos."