Obama pressionado pelo Congresso a apertar sanções contra a Rússia

Presidente dos EUA recebe autorização para sufocar ainda mais a economia russa e para vender material militar à Ucrânia, mas faz saber que a iniciativa do Congresso "envia uma mensagem confusa aos aliados".

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Putin e Obama em 2013 Grigori Dukor/Reuters (Arquivo)

O novo pacote de sanções chegou à secretária do Presidente Barack Obama com a assinatura de todos os membros do Congresso norte-americano, republicanos e democratas, numa demonstração de bipartidarismo que deixou pouca margem de manobra à Casa Branca, apesar de haver sinais de que este não seria o melhor momento para apertar ainda mais o cerco à Rússia.

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O novo pacote de sanções chegou à secretária do Presidente Barack Obama com a assinatura de todos os membros do Congresso norte-americano, republicanos e democratas, numa demonstração de bipartidarismo que deixou pouca margem de manobra à Casa Branca, apesar de haver sinais de que este não seria o melhor momento para apertar ainda mais o cerco à Rússia.

"O Presidente tem a intenção de assinar a lei que passou no Congresso. Mas é verdade que temos alguns problemas com o texto, porque envia uma mensagem confusa aos nossos aliados ao incluir um tipo de linguagem que não reflecte as conversações em curso, apesar de garantir alguma flexibilidade", disse na terça-feira o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest.

Também o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, teve o cuidado de não fechar ainda mais as portas a Moscovo, após um encontro com o ministro dos Negócios Estrangeiros russo em Roma: "Estas sanções poderão ser levantadas numa questão de semanas ou até de dias, dependendo das escolhas do Presidente Putin." Mais do que repetir a posição oficial do Governo norte-americano, Kerry disse mesmo que a Rússia deu passos "construtivos" nos últimos tempos.

A lei aprovada pelo Congresso não obriga a Casa Branca a fazer nada; é antes uma autorização para que faça alguma coisa se se justificar – há uma lista de sanções contra a exportadora estatal de armas, a Rosoboronexport, de que Barack Obama poderá escolher três, mas que também poderá ignorar se estiver convencido de que a segurança interna dos Estados Unidos está em causa; a mesma avaliação poderá ser feita em relação a várias empresas do sector energético, e fica também em cima da mesa a possibilidade de fechar o investimento ou o crédito ao gigante Gazprom.

Também o envio de ajuda militar letal para a Ucrânia, no valor de 350 milhões de dólares (280 milhões de euros), fica sujeito à avaliação da Casa Branca, um caminho que Barack Obama tem evitado seguir para não acicatar o conflito no Leste do país. Numa indicação de que a Administração norte-americana quer manter todas as hipóteses em aberto, o The New York Times avança que o Congresso deixou cair a exigência de apenas levantar as sanções se a Rússia retirar as suas tropas da Ucrânia (onde Moscovo diz não estar presente), da Moldova e da Geórgia.

Peso das sanções discutido
O peso das sanções aplicadas à Rússia pelos Estados Unidos e pela União Europeia por causa da anexação da Crimeia, em Março, e do alegado envolvimento (sempre desmentido por Moscovo) na guerra no Leste da Ucrânia, a partir de Abril, tem interpretações diferentes no Partido Democrata e no Partido Republicano.

"É difícil retirar do contexto geral os efeitos das sanções. É óbvio que o preço do petróleo é o principal motor, mas não há dúvidas de que as sanções provocam incertezas na economia russa. O próprio ministro do Desenvolvimento Económico da Rússia disse que o rublo está a cair mais depressa do que sugeriam os indicadores macroeconómicos", disse ao site do jornal Politico Michael McFaul, embaixador norte-americano em Moscovo entre 2012 e 2014 e principal conselheiro de Barack Obama nas questões relacionadas com a Rússia.

Já os republicanos consideram que "o impacto das sanções é absolutamente marginal" na crise económica russa. "Penso ser muito difícil comprar a ideia de que é a estratégia de sanções que está a provocar a queda do rublo", disse ao Politico um representante do Partido Republicano no Congresso que o jornal não identifica.

A guerra das sanções pode não ter sido a causa directa do descalabro económico russo nos últimos meses, mas contribuiu para um ambiente de desconfiança entre os investidores, criando o efeito de bola de neve esperado por quem a declarou – Estados Unidos e União Europeia, com a ajuda do Canadá, da Austrália e da Noruega.

"Lembro-me muito bem de 1998, e estamos de volta a esses tempos", disse à BBC o analista de crédito russo Egor Fedorov, da representação em Moscovo do grupo holandês ING.

Fedorov referia-se à crise financeira em que o país mergulhou no final da década de 1990, que levou o Governo russo de então, liderado por Boris Ieltsin, a desvalorizar o rublo e a deixar de pagar as suas dívidas, com a inflação a atingir um máximo de 84%.

À imagem do que acontece agora, a queda do preço do petróleo também teve um papel fundamental na crise financeira de 1998. A situação é hoje diferente, mas muitos analistas estão preocupados com a aparente inabilidade do Banco Central russo para lidar com os problemas actuais – num anúncio feito na madrugada de terça-feira (hora local), o banco anunciou um aumento das taxas de juro de 10,5% para 17%. Apesar de estar ainda longe dos mais de 100% a que chegou há 16 anos, é o maior aumento desde essa época.

"Os mercados já não confiam no Banco Central. A situação muda de hora para hora", disse à BBC o economista russo Sergei Guriev, que se instalou em Paris há dois anos e meio, dizendo-se perseguido por causa das suas opiniões políticas e económicas. "O maior choque para os russos será a queda do poder de compra dos seus salários e pensões", antecipa Guriev.

Mais pessimista ainda está Sergei Aleksashenko, antigo vice-ministro das Finanças, vice-presidente do Banco Central russo e crítico das políticas de Vladimir Putin. Aleksashenko descreve a situação actual como muito mais grave e complexa do que no final da década de 1990: "Foi muito doloroso, mas os erros eram evidentes, e o Governo sabia o que tinha de fazer."

Ainda assim, os líderes políticos russos continuam confiantes na recuperação da economia a curto prazo, a julgar pelas declarações públicas. "A Rússia não vai apenas sobreviver, como irá ficar muito mais forte. Já estivemos em situações muito piores na nossa história, e saímos sempre mais fortes", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, em declarações à estação francesa France 24, acusando também os congressistas norte-americanos de terem aversão aos russos: "Se olharmos para o Congresso, 80% deles nunca saíram dos Estados Unidos, por isso não fico surpreendido com a russofobia no Congresso."