Cecil Beaton: retratos com câmara e caneta

Fotógrafo britânico escrevia sobre as estrelas que passavam pela sua objectiva e era muitas vezes brutalmente honesto.

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Cecil Beaton: Portraits & Profiles (edição Frances Lincoln, 2014), compilação organizada pelo seu biógrafo, Hugo Vickers, já tem uns meses nas prateleiras das livrarias mas merece bem um olhar mais atento e pode ser uma boa sugestão para as festas que se aproximam. Porquê? Porque é um volume que combina a fotografia sofisticada de Beaton, tantas vezes elogiosa para o modelo, com excertos dos seus textos cuidados e francos – é o mínimo que se pode dizer – que chegam a raiar o insulto quando se trata de falar, por exemplo, da designer de moda Coco Chanel ou da actriz Elizabeth Taylor. Comum aos dois registos - o da câmara e o da caneta, ambos reflexo de um autor talentoso – é o olhar incisivo do homem a quem se devem retratos icónicos do século XX e a quem, graças aos comentários verrinosos e cheio de duplos sentidos, o poeta francês Jean Cocteau chamava “Malice in Wonderland”.

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Cecil Beaton: Portraits & Profiles (edição Frances Lincoln, 2014), compilação organizada pelo seu biógrafo, Hugo Vickers, já tem uns meses nas prateleiras das livrarias mas merece bem um olhar mais atento e pode ser uma boa sugestão para as festas que se aproximam. Porquê? Porque é um volume que combina a fotografia sofisticada de Beaton, tantas vezes elogiosa para o modelo, com excertos dos seus textos cuidados e francos – é o mínimo que se pode dizer – que chegam a raiar o insulto quando se trata de falar, por exemplo, da designer de moda Coco Chanel ou da actriz Elizabeth Taylor. Comum aos dois registos - o da câmara e o da caneta, ambos reflexo de um autor talentoso – é o olhar incisivo do homem a quem se devem retratos icónicos do século XX e a quem, graças aos comentários verrinosos e cheio de duplos sentidos, o poeta francês Jean Cocteau chamava “Malice in Wonderland”.

 “Ele era um homem de grande inteligência visual”, escreve Hugo Vickers na introdução de Portraits & Profiles, um texto curto em que fala um pouco do seu método de trabalho quando fotografava em estúdio – foi também repórter de guerra (norte de África, Médio Oriente e Índia), escritor, figurinista, cenógrafo e decorador de interiores – e do seu hábito de registar em palavras os seus modelos, fosse em frases soltas, fosse em forma de pequenas biografias. “Cecil identificava as falhas de cada um e trabalhava para as eliminar”, explica, acrescentado que o britânico fotografava quem queria e que foram poucos os que lhe disseram “não” (a escritora Virginia Woolf está entre eles).

Com Audrey Hepburn, por exemplo, Beaton escolheu uma pose para lhe esconder o pescoço demasiado fino, o queixo pontiagudo e o nariz longo, escreve o biógrafo e organizador do volume. Com Marilyn Monroe decidiu persegui-la pelo seu quarto de hotel durante 45 minutos, disparando sem parar. Quando se sentou para escrever sobre ela, mal deu por terminada a sessão, fez notar a sua ingenuidade, falou de uma criança a brincar no mundo dos adultos e vaticinou-lhe um fim triste: “A sua voz tem a sensualidade da seda ou do veludo”, diz, e a “verdade desconcertante é que Miss Monroe é uma sereia de faz-de-conta, tão pouco sofisticada como uma criada do Reno, tão inocente como um sonâmbulo”.

Já com Liz Taylor, Cecil Beaton foi tudo menos complacente - “Ela é tudo o que eu não gosto”, escreveu. “Sempre abominei os Burton [Liz e o marido, o actor Richard Burton] pela sua vulgaridade”, admite, indo ainda mais longe: “Os seus seios, enormes e caídos, eram como os de uma camponesa a amamentar o filho no Peru”, “comparada com ela, qualquer pessoa é delicada”.

Mas nem só as actrizes passam pelos seus settings elaborados – para Beaton, pensar a fotografia é, antes de mais, pensar o cenário em que ela acontece - nem pelas páginas dos seus cadernos. O artista plástico Salvador Dalí tinha mau hálito, o pintor Lucian Freud revelou-se um “ser humano profundamente vibrante” e o amigo Francis Bacon era de um “charme tremendo”; Aldous Huxley, como acontece com muitos dos “altamente inteligentes” era “a simplicidade em pessoa”; e Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones, tinha um talento “natural” para posar, com “uma figura, mãos e braços extremamente femininos” e, apesar de “sexy”, com um género impossível de definir: “Ele podia ser um eunuco”, concluiu.

As fotografias de Cecil Beaton e as suas pequenas biografias são crónicas de época escritas por um snob que não se importava nada de o ser. E ainda bem.