Éric Baudelaire filma o diplomata do país que não existe

Letters to Max, viagem ao estado não reconhecido da Abecázia, recebeu o Prémio Especial do Júri no DocLisboa.

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A partir da Abecázia, Letters to Max questiona o próprio conceito de estado-nação

Letters to Max é o registo da correspondência trocada entre Baudelaire, que visitou a Abecázia pela primeira vez em 2000, e Maxim Gvinjia, que foi vice-ministro dos Negócios Estrangeiros logo a seguir à sua declaração de independência. Em 2012, o realizador pôs no correio cartas ao seu amigo de longa data, duvidando que elas chegassem a ser recebidas num país que aos olhos do mundo ocidental não existe. Mas as cartas chegaram ao seu destino. “O impossível tornou-se possível,” diz Baudelaire ao PÚBLICO, “e isso era uma constatação interessante para alguém como eu, que trabalha na zona de fronteira entre o real e a ficção”.

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Letters to Max é o registo da correspondência trocada entre Baudelaire, que visitou a Abecázia pela primeira vez em 2000, e Maxim Gvinjia, que foi vice-ministro dos Negócios Estrangeiros logo a seguir à sua declaração de independência. Em 2012, o realizador pôs no correio cartas ao seu amigo de longa data, duvidando que elas chegassem a ser recebidas num país que aos olhos do mundo ocidental não existe. Mas as cartas chegaram ao seu destino. “O impossível tornou-se possível,” diz Baudelaire ao PÚBLICO, “e isso era uma constatação interessante para alguém como eu, que trabalha na zona de fronteira entre o real e a ficção”.

A partir das respostas que foi recebendo de Max, Baudelaire fabricou em tempo recorde um projecto multimédia do qual Letters to Max é apenas um elemento. “Sabia que as cartas iam dar um filme, mas procuro sempre mostrar algo mais quando proponho uma exposição. Nesses casos, há três elementos: o filme, uma falsa embaixada da República da Abecázia onde o Max conversa com pessoas durante um horário de expediente, e um programa de debates ligado ao filme. O tópico à volta do qual tudo gira é a própria noção de Estado-nação que as situações de territórios em desintegração como a Síria ou o Iraque, ou as recentes convulsões da Ucrânia, têm vindo a levantar. “Quando se fala da construção de um estado, estamos forçosamente a dialogar com a questão da ficção,” explica o realizador. “Todos os estados são construções ficcionais, e a descoberta da Abecázia e de outros estados não reconhecidos que fiz quando comecei a viajar fez-me repensar a questão de uma identidade nacional.”

Baudelaire olha para estados como a Abecázia ou o Líbano como “modelos onde o grande desígnio geopolítico não funcionou”. “Para mim, Letters to Max levanta a questão da distopia, porque quando regressamos ao ano zero – o que acontece quando há uma revolução ou uma guerra civil – olhamos para o futuro com o olhar de alguém que acredita numa utopia. Estes países são locais de grande densidade, diversidade cultural e riqueza geográfica que se isolaram e que se tornaram zonas de excepção.”

Inevitável é o facto da Abecázia ser um “protectorado” russo que praticamente só o país de Putin reconhece como independente, ecoando de modo preocupante o que tem acontecido com a Ucrânia ao longo dos últimos meses. “Quis colocar o espectador na minha própria posição,” diz Baudelaire. “A relação afectiva com o Max, que é meu amigo, com quem tenho uma relação muito forte, é o melhor local para percebermos a situação que existe ali; é importante ter uma dimensão pessoal para falar da ideia de irmãos inimigos, Abel e Caim, de uma proximidade extrema que leva a uma ruptura. Perguntei-lhe se agora que se livraram da Geórgia vão passar a ser o campo de férias dos oligarcas russos, se se limitaram a trocar uma dominação georgiana por uma russa, mas ele não quis responder. O futuro vai jogar-se à volta dessa pergunta, que muita gente lá se faz…”

Letters to Max é exibido hoje às 21h15 no Cinema São Jorge