Um corpo estranho

Um policial de série B como já não se faz hoje, e aí estão as suas fraquezas e as suas forças.

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Mas Oito Milhões de Maneiras de Morrer, dirigido por Hal Ashby a partir de um guião de Oliver Stone e Robert Towne, não ficou na história. O projecto de O Caminho entre o Bem e o Mal andou vários anos aos tombos por Hollywood antes de finalmente ser concretizado pelo veterano argumentista Scott Frank (Romance Perigoso para Soderbergh e Relatório Minoritário para Spielberg, entre outros), na sua segunda realização após Vigilante (2006). É uma entrada “fora de tempo” num género que os grandes estúdios praticamente abandonaram, o policial de “classe média”, “série B”, onde se formou gente tão interessante como Don Siegel ou Richard Fleischer.

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Mas Oito Milhões de Maneiras de Morrer, dirigido por Hal Ashby a partir de um guião de Oliver Stone e Robert Towne, não ficou na história. O projecto de O Caminho entre o Bem e o Mal andou vários anos aos tombos por Hollywood antes de finalmente ser concretizado pelo veterano argumentista Scott Frank (Romance Perigoso para Soderbergh e Relatório Minoritário para Spielberg, entre outros), na sua segunda realização após Vigilante (2006). É uma entrada “fora de tempo” num género que os grandes estúdios praticamente abandonaram, o policial de “classe média”, “série B”, onde se formou gente tão interessante como Don Siegel ou Richard Fleischer.

E é nesse lado, na solidez despretensiosa que não faz cedências a exigências mais ou menos comerciais, que o filme se ganha: há aqui um tom sombrio, glauco, uma abordagem “clássica” a uma realidade brutal nunca escamoteada, um universo puramente masculino mas desencantado e muito pouco heróico herdado do film noir, no qual o irlandês Liam Neeson (actor de recursos erguido surpreendentemente a herói de acção) ferra os dentes com gosto. O seu Matt Scudder é um ex-alcoólico desiludido mas com um sentido aguçado da moral, espécie de “homem da limpeza” que sobrevive nas margens e cujo estatuto não oficial lhe permite aceitar os casos-limite, como esta história brutal de serial killers psicóticos que escolhem como alvos as esposas de traficantes de droga.

Mas é também nessa modéstia de filme sem ambições que O Caminho entre o Bem e o Mal se perde, porque é um filme de argumentista, onde a realização é mais ilustrativa e funcional do que inspirada, sem correr riscos nem arvorar uma personalidade. Ao mesmo tempo herdeiro de muitos dos policiais de série B que a Universal produzia nos anos 1970 e corpo estranho na produção corrente de Hollywood, é um objecto suficientemente singular nos tempos que correm para lhe prestarmos alguma atenção.