“A nossa concorrência passou a ser a marmita”

O novo director-geral da McDonald’s de Espanha, Mário Barbosa, deixa Portugal com as vendas a crescer e uma rede de 140 restaurantes, 80% geridos por franquiados. Nos próximos três anos diz que a empresa vai empregar 600 novos trabalhadores

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Mário Barbosa está de partida para Espanha

Nestes sete anos enquanto director-geral, qual foi o maior desafio de gestão que teve?
Foi claramente no período de 2011, 2012. Estávamos a crescer a ritmos elevados quando as regras do mercado mudaram. Por um lado, o consumidor perdeu rendimento disponível e deixou de visitar a restauração com a frequência que fazia. A nossa concorrência passou a ser a marmita, a comida que se levava de casa. Por outro lado, deu-se o aumento do IVA, com um enorme impacto no sector. Estas mudanças obrigaram a repensar todo o negócio. O consumidor mudou drasticamente o seu comportamento. Passou a ser mais frugal, racional, a dar mais atenção aos preços e aos descontos. Isso levanta desafios a qualquer marca.

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Nestes sete anos enquanto director-geral, qual foi o maior desafio de gestão que teve?
Foi claramente no período de 2011, 2012. Estávamos a crescer a ritmos elevados quando as regras do mercado mudaram. Por um lado, o consumidor perdeu rendimento disponível e deixou de visitar a restauração com a frequência que fazia. A nossa concorrência passou a ser a marmita, a comida que se levava de casa. Por outro lado, deu-se o aumento do IVA, com um enorme impacto no sector. Estas mudanças obrigaram a repensar todo o negócio. O consumidor mudou drasticamente o seu comportamento. Passou a ser mais frugal, racional, a dar mais atenção aos preços e aos descontos. Isso levanta desafios a qualquer marca.

Mesmo a uma marca como a McDonald’s, associada a preços baixos?
Essa ideia de que é o preço que nos distingue perdura mas não é isso que nos faz ter sucesso e nos distingue. O negócio passou a ter de ser gerido de outra forma. Não pudemos aumentar preços e isso significou imediatamente uma quebra de vendas. Conjugado com o aumento do IVA implica estar a vender todos os produtos com desconto.

Que coisas fizeram e nunca tinham feito até então?
A nível da oferta tivemos de reinventar um pouco. Optámos por lançar produtos com gosto local e que se vieram diferenciar do que tínhamos, como a bifana ou o prego. Ao mesmo tempo, tentámos esticar os preços o mais possível para podermos ser acessíveis a mais consumidores. Este momento foi também um catalisador do crescimento de fornecedores nacionais. Houve necessidade de reforçar essa procura.

Por serem mais baratos?
Não. Para ser fornecedor da McDonald’s é preciso entrar em concursos de nível europeu. No caso das alfaces, houve um concurso entre três fornecedores e ganhou a Vitacress. Claramente o transporte é um ganho adicional. Mas fizemos poupanças a todos os níveis, nos consumos de água e energia (cujo preço também aumentou). Nestes anos, vendemos menos, os impostos subiram, tal como os custos das matérias-primas. Por isso, em termos de gestão o grande desafio foi ter uma empresa com uma estratégia bem definida e a crescer e, de repente, ter de alinhar toda a organização neste caminho de reinventar o negócio, num contexto em que temos muitos franquiados.

Vai gerir a McDonald’s em Espanha onde não terá o problema do IVA. Isso faz toda a diferença nos desafios que terá pela frente?
Não. Obviamente que o sector aqui luta pela baixa do IVA porque quer ser mais competitivo também enquanto catalisador do turismo. Portugal tem um sector que pode crescer, pode modernizar-se e competir com outros. Espanha é dos poucos países que tem mais turistas do que habitantes e nós temos muito potencial para crescer. Defendo a baixa do IVA porque este sector tem de continuar a investir e temos visto muitos empresários a fazê-lo. Mas estamos a competir com mercados onde o IVA é menor. Isso coloca-nos numa posição menor em termos de competitividade. O turismo está a crescer, mas pode crescer mais. É verdade que o IVA em Espanha é mais baixo mas há outros desafios. Tudo é diferente. Os preços são mais altos, a mão-de-obra é mais cara e não acho que isso mude a minha forma de gerir.

Ou seja, não é isso que vai dificultar ou facilitar o seu trabalho.
Não. A concorrência é muito maior, há muito mais restaurantes e no nosso sector há muita concorrência local, com marcas como o 100 Montaditos, o Lizarran e tantos outros. O mercado tem evoluído e tem-se modernizado competindo com as grandes multinacionais e é muito agressivo promocionalmente.

Em Portugal aumentaram as ofertas promocionais?
Uma estratégia baseada em promoções retira valor. E a nossa aposta tem passado, sobretudo, pela diferenciação não só do produto, mas também da experiência, nunca perdendo de vista que temos de ser acessíveis em todos os níveis de segmento de venda. Na experiência, as remodelações dos restaurantes foram um dos exemplos. Vamos abrir um restaurante em Gaia desenvolvido para famílias, com jogos e quiosques interactivos. A área do digital vai ser de grande investimento nos próximos anos porque nos facilita a proximidade com consumidor. Pode fazer o seu pedido através do smartphone, num quiosque ou sentando-se à mesa.

Os pedidos vão poder passar a ser feitos através do telemóvel?
O céu é o limite. Há um universo de ideias que estão a ser exploradas. O que já é realidade são os quiosques. Ao mesmo tempo, temos novos serviços. O McCafé está com crescimentos assinaláveis.

Quantos é que existem?
24, a que se juntarão mais dois até ao final do ano. O drive também é sempre uma área de crescimento e vamos começar agora a colocar em todos os locais a possibilidade de pagamento com Via Verde. A inovação é também uma forma de diferenciação. Hoje há muitas cadeias de hambúrgueres, versões gourmet…

São uma ameaça para a McDonald’s?
Sinceramente não, desde que a empresa tenha capacidade de se ir reinventando, o que tem acontecido nos últimos anos.

Os franquiados da McDonald’s tiveram de fazer grandes investimentos na remodelação dos restaurantes quando as vendas começaram a descer. Foi uma má altura para os empresários?
Houve apreensão. Naquela altura ninguém sabia o que ia acontecer. A grande questão era a incerteza quanto ao futuro. Em 2012 não abrandámos as remodelações porque os nossos franquiados - que estão na base do sucesso em Portugal - continuaram a investir. Nos últimos cinco anos investimos 120 milhões de euros em aberturas, remodelações, digital… Temos um grupo de empresários muito forte. Num momento de crise há duas coisas essenciais: a confiança e poder dar pequenos momentos de prazer. Ir à restauração tornou-se num momento especial. Se tiver um restaurante moderno, com música, com bom serviço, onde as famílias, os adultos, as crianças se sentem bem, serei mais valorizado. Por isso não parámos o investimento. Fomos os primeiros da Europa a terminar as remodelações. Somos um país modelo.

Houve algum encerramento?
Sim, mas apenas porque havia outro ao lado e por questões imobiliárias. Por exemplo, em Vila Franca de Xira tínhamos um num centro comercial que foi decaindo. Deixou de ter elevadores, faltava a luz e por isso não tinha mais condições. Há muitos imponderáveis. Mas temos 140 restaurantes. Este ano vamos abrir quatro, e em 2015 outros cinco.

Alguns nutricionistas disseram que a crise iria levar os portugueses a comer mais fast food. Foi o que aconteceu?
Não concordo com essa associação de maus hábitos alimentares com a McDonald’s. Penso que o trabalho que temos feito de adaptação ao consumidor tem sido enorme. E não vamos parar. Como marca responsável temos de participar neste diálogo e mostrar acções concretas. Fizemo-lo primeiro com o alargamento de sortido, introduzimos frutas, sopas, saladas. Depois, com a formulação dos produtos. Tem de ser um esforço de toda a restauração e não só da McDonald’s. Não conhecemos mais nenhum restaurante de hambúrgueres que dê informação nutricional e vamos investir ainda mais nisso. Mas a correlação com a crise foi negativa. Aliás, 2012 foi o ano em que tivemos resultados negativos, caímos cerca de 5%. Recuperámos, crescemos 2,1% em 2013 e este ano estamos a crescer em vendas totais (nossas e dos nossos franquiados). Se essa teoria fosse verdade teríamos crescido.

Têm feito um esforço na diversificação de produtos, mas têm restaurantes ao lado de escolas. Porque é que não evitam esses locais?
Não temos como estratégia estar ao pé de escolas. Consigo ir a dezenas de restaurantes que não estão localizados ao lado de escolas.

Os miúdos acabam muitas vezes por almoçar nos restaurantes que estão mais perto.
No novo EU Pledge [iniciativa voluntária de empresas de alimentação e bebidas para mudar a forma como fazem publicidade] que será assinado um dos compromissos é não publicitar ao lado de escolas. A indústria tem de ser capaz de se auto-regular e a McDonald’s mostra isso há muitos anos, com a diversificação de produtos. Temos uma variedade de frutas que não encontra em muitos restaurantes. A alteração do sal nas batatas, a informação nutricional,… o nosso compromisso é trabalhar nestas áreas.

Como é gerir uma empresa constantemente sob pressão devido ao produto que vende?
Não acho que isso altere a forma de trabalhar. Aquilo que nos faz é ser firmes nos compromissos, de combater um pouco essa associação que existe. Os nutricionistas dizem que é preciso ter uma alimentação variável e na McDonald’s isso é possível.

Mas sente que são o bode expiatório?
Não iria por aí. O compromisso não é de agora.

O Big Mac continua a ser o campeão de vendas?
Sim. Mas temos hoje muitos mais produtos e mais clientes que antes não nos visitavam.

Mas houve mudança de perfil?
Continuamos com um perfil jovem mas alargou para outros targets. As mães quando vinham com as crianças nem sempre comiam e agora temos produtos para os pais. Chegamos agora a mais pessoas.

Qual é a loja que mais vende?
A do Colombo.

É verdade que a McDonald’s é o maior distribuidor de brinquedos do mundo ou é um mito urbano?
Será um dos maiores. Porque através do Happy Meal distribuiu muitos brinquedos.

As manifestações de trabalhadores nos Estados Unidos por melhores salários (15 dólares à hora) tiveram alguma repercussão em Portugal?
Estamos a falar de um sector e de um tema muito específico dos EUA. A legislação é muito diferente em Portugal. Aqui há uma convenção colectiva negociada com a Ahresp [Associação que representa a restauração], uma tabela. Em todos os restaurantes pagamos acima do salário mínimo e o valor de referência que praticamos é de 520 euros quando se começa a trabalhar. A partir daí é possível subir substancialmente até gerente, director de operações, director-geral… Mas o que queria sublinhar é que somos uma porta de entrada para o mercado de trabalho jovem, com muitas dificuldades nesta atura. Trabalhar na McDonald’s é algo que vou querer que os meus filhos façam. Cerca de 60% das pessoas que trabalham aqui nos escritórios começaram nos restaurantes, tal como 90% dos gerentes. O director de operações e o director-geral começaram nos restaurantes.

Ter no currículo uma passagem pela McDonald’s é uma experiência valorizada?
Deveria ser valorizada e nos Estados Unidos é. Mas pelas pessoas que trabalham e estudam é valorizada. Temos uma percentagem elevada de estudantes, seguramente mais de metade. Somos uma empresa que acredita na juventude. Pomos pessoas muito jovens à frente de restaurantes com 50, 100 pessoas. São responsáveis pela gestão de trabalhadores, gestão financeira, gestão das compras… Apostamos na juventude portuguesa e isso não oiço ninguém dizer. Oiço apenas dizer que pagamos mal. Mas criamos emprego. Quando outras empresas estavam a fechar, nós abríamos restaurantes. Vamos criar 600 postos de trabalho nos próximos três anos, damos oportunidades e confiamos na juventude, dando-lhes autonomia.

Com a crise houve um aumento de candidaturas de emprego?
Sim. De pessoas mais velhas, de todas as áreas, formadas. Em geral houve um aumento. As pessoas não têm emprego e quiserem vir conhecer a realidade da McDonald’s.