Capicua numa ponte romana e o Paredes de Coura já cheio antes de começar

Quarta-feira é o primeiro dia do festival, início reservado a concertos nocturnos no palco principal. É o dia de recepção, mas o Vodafone Paredes de Coura já está repleto de público. Na Praia Fluvial do Taboão, a azáfama é grande. A alguns quilómetros de distância, durante a tarde, alguns felizardos viram Capicua a sós com as palavras, horas antes de subir a palco.

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Colocavam-se no posto respectivo as últimas placas de sinalização e o porco no espeto, ainda inteiro, estava quase no ponto. No palco secundário, o Vodafone FM, os técnicos de iluminação subiam as longas escadas e instalavam o necessário para que, a partir de quinta-feira, a música ganhe a cor devida. Mas não é por isso, por esta azáfama relaxada, passe o paradoxo, que isto não parece um primeiro dia de festival.

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Colocavam-se no posto respectivo as últimas placas de sinalização e o porco no espeto, ainda inteiro, estava quase no ponto. No palco secundário, o Vodafone FM, os técnicos de iluminação subiam as longas escadas e instalavam o necessário para que, a partir de quinta-feira, a música ganhe a cor devida. Mas não é por isso, por esta azáfama relaxada, passe o paradoxo, que isto não parece um primeiro dia de festival.

O verde dos campos em redor da praia fluvial do Taboão estava já parcialmente tapado pelo brilho metalizado dos carros estacionados ou pelo colorido das tendas montadas. A meio da tarde, chegavam mais e mais. Mochilas às costas, tendas às costas, cadeiras seguradas o mais firmemente possível, o público ia chegando e distribuía-se pela berma da estrada, esperando amigos que tardavam, ou na fila formada junto à entrada dos stands onde os bilhetes eram trocados por pulseiras. Este público ia chegando para se juntar aos muitos, aos tantos, que encontrávamos já junto na praia fluvial do Taboão, descontraindo na relva, aproveitando o fresco do rio Coura ou, na outra margem, preparando-se na tão arborizada zona de campismo para o festival que ainda não começara (mas parecia que sim).

Os barcos insufláveis flutuavam pachorrentos no rio, havia vólei na relva e rodas de amigos em volta de quem sabe o que fazer de uma guitarra ou de uma harmónica. O Vodafone Paredes de Coura está cheio como se fosse já dia oficialíssimo – justifica-se, portanto, que tenham passado para o palco principal os concertos de abertura do festival, habitualmente cumpridos no secundário. Ali vemos (passa agora das 21h) Capicua continuar a apresentação do seu último e celebrado álbum, “Sereia Louca”, perante um anfiteatro já recheado de público. Ali veremos depois dela o rock com pitadas glam dos Cage The Elephant, a soul futurista de Janelle Monáe e o duo britânico Public Service Broadcasting.

Durante a tarde, a alguns quilómetros dali, já víramos Capicua. Ouvimo-la na ponte romano-medieval de Peorada, com a sua voz erguendo-se sobre o rumor das águas do rio e dos sons de pássaros e insectos. Foi o primeiro concerto das Vodafone Music Sessions. O conceito é tão simples quando cativante: algumas dezenas de pessoas são convidadas a assistir a concertos surpresa em locais improváveis, como uma ponte romana perdida no Minho, outrora parte da via romana que ligava Bracara Augusta (Braga) a Asturica Augusta (Astorga, Espanha). Foi ali que ouvimos Capicua a sós com as palavras. “A minha ligação à música é sempre feita através delas”, explicou no início, antes nos mostrar “Sereia louca” sem instrumental, antes de recitar a “Sardenta” de Cesário Verde, primeiro, e, depois, a sua resposta em verso ao poeta lisboeta.

Foi como que um workshop do pensamento Capicua: a sua feminilidade, o seu activismo, o seu romantismo, o seu gosto pela palavra falada e rimada. Termina com os versos que criou para a série “Notícias com Rima”, desafio lançado pelo PÚBLICO a uma série de músicos portugueses no final de 2012. O objectivo era criarem uma música inspirada numa notícia publicada no jornal. Capicua escolheu uma história de Hugo Torres, acerca do homem que todos os dias, durante um ano, deixou uma flor numa carruagem do metropolitano de Lisboa “em nome do amor”: “Era poesia e romance. Merecia uma homenagem”, apresentou Capicua. E depois rappou, recitou as palavras que, depois do PÚBLICO, surgiram também na sua colaboração numa mixtape de Orelha Negra. “A paixão é às vezes, o amor é todos os dias”, ouviram-na as dezenas de privilegiados num cenário igualmente privilegiado.

O Vodafone Paredes de Coura já começara. Inesperadamente, junto a uma ponte romana. Com a animação esperada, mas com mais gente que o que se poderia antecipar, na praia fluvial do Taboão.