O homem que dá flores por amor no metro fecha ciclo com “crime” colectivo

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Durante um ano, José deixou uma flor todos os dias na última carruagem do metro em Santa Apolónia Rita Chantre

A flor que todos os dias viaja clandestinamente no metro de Lisboa vai dar o salto. O Sinal de Alarme cumpre nesta terça-feira um ano e José convocou todos os seguidores a levar com ele, à mesma hora, flores para Santa Apolónia. Uma espécie de flash mob para fechar um ciclo. Depois, vai dedicar-se ao “terrorismo cultural”. Mas o projecto não morre: internacionaliza-se.

A abertura à própria comunidade é a primeira fase de transformação do Sinal de Alarme, que José mantém sem falhas há um ano: planta diariamente uma flor e um aforismo na última carruagem do metro em Santa Apolónia, sem destinatário definido, para espalhar o amor pela capital. Nunca falhou, passando por cima de férias, festas, viagens, funerais.

Esta ideia e este compromisso inabalável apaixonaram milhares de pessoas, que acompanham o Sinal da Alarme através do Facebook. São esses seguidores (e outros) que José exorta a plantarem flores nos sinais de alarme dos transportes públicos que utilizarem de amanhã de manhã, às 8h29, a fotografar e a enviarem-lhe as provas do “crime”. Vai passar o dia ao computador, a publicar as imagens que for recebendo. “Tirei folga no trabalho. Este dia é sagrado”, diz ao PÚBLICO. (Pelo aniversário do projecto. “O dia dos namorados é um acaso.”)

Cada flor deve ser acompanhada por um aforismo que complete a fórmula “A paixão é… O amor é…” e levar bem visível: “É favor roubar a flor e espalhar o amor”. Deve ainda seguir uma carta de amor, que peça resposta (e instruir para que esta segunda carta comece com a frase escrita por fora: “A paixão é… O amor é…”). As cartas têm de ser anónimas e escritas à mão. As respostas serão endereçadas para um apartado especificamente criado para o efeito. José espera criar um “reportório de cartas anónimas”, embora não saiba o que fará com ele.

Ao início da noite vai ele próprio fazer o “crime” 365. Mas não quer ir sozinho desta vez e por isso convocou toda a comunidade a juntar-se a ele em Santa Apolónia, às 20h29 (“porque é um minuto antes das 20h30; só por isso”) e a entrar (“se coubermos”) na última carruagem do metro. Cada um munido de flor e carta, claro. Depois, José segue para o Sou – Movimento e Arte, espaço cultural nos Anjos, em Lisboa – onde durante 12 horas estarão a passar todas as fotografias do Sinal de Alarme –, para anunciar o manifesto do projecto e deixar cair o anonimato. “É o melhor para terminar a coisa e não alimentar mitos como o José.”

Exportar cartas de amor

A segunda fase da transformação começa aí. O Sinal de Alarme deixa de ser diário e passa a mensal. A autoria dos aforismos muda de mãos, das de José para as da comunidade: todos os meses serão votadas, no Facebook, frases enviadas pelos seguidores do Sinal de Alarme; a vencedora acompanhará a flor desse mês. As flores passam a ser plantadas a 14 de cada mês, Santa Apolónia deixa de ser local obrigatório e José deixa de ser o único a fazê-lo. A ideia é que todos deixem flores nos transportes públicos que utilizam no mesmo dia e com a mesma frase.

Em qualquer parte do planeta. José pretende criar “uma corrente a nível mundial” para espalhar o amor. E não é tão megalómano quanto parece. Há gente disposta a promover essa internacionalização: nos últimos meses, José recebeu pedidos para replicar o projecto em Paris, Londres, Salamanca, Pequim e São Paulo. Com este novo modelo, mensal, passa a ser possível. Mas José impõe uma regra: que as frases que acompanham as flores sejam escritas em português, mesmo que seja plantada na China. “É obrigatório que a frase seja escrita em português e sem acordo ortográfico, com os cc e com os pp. As instruções são na língua de cada país.”

“Podem ir ao Google descobrir o significado das frases. Nós também somos obrigados a traduzir as troikas da Alemanha e da França. De resto, causa mais curiosidade a quem vai no metro ver um bilhete numa outra língua”, afirma. “Foi uma coisa que nasceu aqui, em Santa Apolónia, Lisboa, e tem potencial para se transformar numa coisa mundial porque é muito simples. E o português é uma marca da sua identidade.”

“É uma das línguas mais faladas do mundo. É um expoente da nossa cultura e tem potencial para ser mais exportada do que os pastéis de Belém. Não se estraga com o calor, não tem muitas calorias e os aforismos de amor fazem muito melhor ao coração do que açúcar e canela”, continua.

“As respostas podem vir em qualquer língua, desde que comecem com aquela frase. Pode haver quem queira escrever em português mesmo com erros. Cartas de amor com erros são das coisas mais belas que pode haver, porque revela a fragilidade das pessoas.”

O meu amor é um falcão

A fragilidade de José é esta: apesar de o Sinal de Alarme deixar de ser diário, de Santa Apolónia deixar de ser uma obrigatoriedade física quotidiana, de o compromisso com o projecto ser aparentemente muito menor – o que cabe nos conselhos e preocupações de família e amigos –, José não consegue deixar de intervir incessantemente no espaço público. Por esta altura, já descobriu uma evolução deste projecto para ocupar os seus dias. Chama-lhe “terrorismo cultural”.

“Neste sítio [Santa Apolónia] vou ter de parar, mas talvez continue a deixar uma flor todos os dias em sítios diferentes – por exemplo, num balcão do Montepio, à porta do Banco de Portugal, num carro da GNR. Terá algo de terrorismo cultural: num determinado dia posso pensar que é preciso um sinal de alarme num lugar específico, uma resposta à realidade”, adianta ao PÚBLICO. “A arma será sempre o amor.”

“A maior lição que retiro do Sinal de Alarme é que uma acção feita de forma regular, diária, tem um resultado explosivo que ultrapassa as nossas expectativas”, conta. “E a ligação à realidade é importante. Uma das fotografias mais bonitas [do Sinal de Alarme] foi a [do dia] da greve do metro.” Outro dos “crimes” que José recorda para o balanço é o que foi cometido a 19 de Maio, depois de o FC Porto vencer a Liga Europa. Escreveu assim: “O meu amor é um falcão que não distingue o céu do mar”.

Essa ligação com a realidade vai poder ser vista na exposição preparada para o Sou, onde serão projectadas as fotografias de todos os crimes ao longo de 12 horas (uma hora para cada mês), “com as pessoas completamente alheadas a ir para o trabalho, a namorar, o músico a pedir esmola… Lisboa num ano”. O bilhete para entrar é uma flor que, além da entrada, vale um papelinho com a frase de um dos crimes. Mais? “Não sei se haverá bolachas. Depende dos cúmplices.”

A cumplicidade dos amigos permitiu-lhe que as flores nunca tivessem falhado no metro. Isto porque houve três que não foram plantadas por José. “Foi uma peça de teatro para crianças que, por estar em itinerância, me impossibilitou de cá estar fisicamente”, conta. Duas dessas flores foram as de sexta-feira e sábado passados. José deixou as flores com um amigo e as cartas no Sou. Quando o amigo as foi buscar, não se sabia onde estavam. Ligaram-lhe. Voltaram a procurar. Quando ligaram de volta para dizer que tinham encontrado, já José estava num táxi, em Ílhavo, a caminho da estação de comboios de Aveiro, para voltar a Lisboa e regressar para fazer a peça. “Ia sair-me caro, mas tinha de ser a minha letra, com aquelas frases.”

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