Em Veneza ressuscita-se um glorioso filme esquecido: Romance em Nova Iorque

A Nova Hollywood morreu e por isso está viva. Arthur Penn e Peter Bogdanovich, dois dos seus protagonistas, são objecto de documentários aguardados para o Festival de Veneza. E num deles ressuscita-se um grande filme esquecido: Romance em Nova Iorque.

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O primeiro, Mise-en-scène with Arthur Penn (a conversation), de Amir Naderi, tem por base uma entrevista que Naderi começou a fazer a Penn (1922-2010) em 2005. São mais de três horas de viagem pela obra de um cineasta que se "formou" na televisão durante os anos 50, fazendo parte de uma vaga de realizadores que a partir dessa experiência amplificou, complexificou e violentou os géneros cinematográficos americanos. Que (re)apareceriam no grande ecrã transfigurados pela angústia e pela violência.

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O primeiro, Mise-en-scène with Arthur Penn (a conversation), de Amir Naderi, tem por base uma entrevista que Naderi começou a fazer a Penn (1922-2010) em 2005. São mais de três horas de viagem pela obra de um cineasta que se "formou" na televisão durante os anos 50, fazendo parte de uma vaga de realizadores que a partir dessa experiência amplificou, complexificou e violentou os géneros cinematográficos americanos. Que (re)apareceriam no grande ecrã transfigurados pela angústia e pela violência.

E os primeiros passos no cinema de Penn, desde o princípio icónicos, surgem associados aos novos actores e aos novos corpos que por esses anos encarnavam a beleza da dúvida: Paul Newman (The Left Handed Gun, 1958), Warren Beatty (Mickey One, 1965), Dustin Hoffman (Little Big Man, 1970) ou Marlon Brando (Perseguição Impiedosa, 1966; Duelo no Missouri, 1976, com Jack Nicholson). E, claro, Penn é um dos nomes ligados a Bonnie and Clyde (1967). "Um dos" porque, sendo um filme realizado por ele, não é a ele só que se deve a autêntica revolução que foi a releitura da mitologia americana do outlaw feita à luz do novo chic daqueles anos, a contra-cultura. E à luz do fascínio dos americano pelos feitos da nouvelle vague e da própria revolução desses ex-críticos tornados cineastas: a mise-en-scène  não por acaso o documentário chama-se Mise-en-scène with Arthur Penn (a conversation). Penn terá de partilhar a "autoria" desse momento fundador da Nova Hollywood com a estrela do filme, Warren Beatty, também produtor, e com os argumentistas David Newman e Robert Benton – argumento que, note-se, chegou primeiro às mãos de François Truffaut, que o recusou.

Naderi é um realizador de origem iraniana que abandonou o seu país em 1980 para ir viver e trabalhar para os Estados Unidos. Numa das suas participações em competição no Festival de Veneza, Vegas: Based on a True Story (2008), vimo-lo também a reler uma das mitologias do american way of life – o dinheiro – e por isso este reencontro talvez seja o reconhecimento de um modelo.

História de muitas histórias

Talvez mais esperado seja ainda One Day Since Yesterday: Peter Bogdanovich & The Lost American Film, de Bill Teck. Que começa por ser algo também da experiência pessoal do próprio realizador, um homem de Miami que vem da ficção televisiva e que faz deste seu primeiro documentário uma homenagem a um filme que o emocionou quando o viu aos 14 anos: Romance em Nova Iorque/They All Laughed (1981), de Bogdanovich.

O título do filme pode não dizer muita coisa, pode mesmo dizer nada, a muitos, mas One Day Since Yesterday: Peter Bogdanovich & The Lost American Film é, como o título do documentário indica, essa história: a história de um desaparecimento. Ou como um dos grandes filmes de Bogdanovich e um dos grandes filmes do cinema americano se tornou The Lost American Film.

Antes de mais, é a história de um amor malfadado, o de Bogdanovich pela sua musa da altura, a playmate Dorothy Stratten, assassinada pelo marido, quando este descobriu a ligação, pouco antes de Romance em Nova Iorque estrear. (Bob Fosse faria com essa tragédia um filme, Star 80, em 1983, com Mariel Hemingway e Eric Roberts nos papéis de Stratten e do marido Paul Snider, respectivamente). Bogdanovich viu-se em apuros para distribuir o filme, ninguém se queria aproximar de uma comédia romântica ao com de country music que parecia tintada de violência, tiros e sangue. Ainda por cima, uma comédia – curiosamente apresentada em Veneza nesse ano, 1981 – que parecia a dança de um memento mori, mostrando uma Nova Iorque que já não existia e amores que aprendiam a despedir-se (Bogdanovich escreveu o filme a pensar em dois actores que tinham abdicado do seu amor pelas respectivas vidas conjugais, Audrey Hepburn e Ben Gazzara – hoje já desaparecidos, como Stratten e como outro intérprete, John Ritter).

Foi outro dos cantos de cisne – como As Portas do Céu, de Michael Cimino, ou Do Fundo do Coração, de Coppola – da Nova Hollywood. É um dos grandes momentos da arte amorosa e necrófila de Bogdanovich, que nesses anos experimentara uma série de insucessos: Daisy Miller, At Long Last Love – no cume da impopularidade do casal que formou com a actriz Cybill Shepherd –, Nickelodeon, ou o estarrecedor Noites de Singapura, já com Gazzara, que quis ser o regresso do cineasta ao mundo dos vivos depois do insucesso que muitos consideraram o castigo merecido pela atitude de arrogância do realizador e da sua actriz. Mas Romance em Nova Iorque acabou por enterrar a sua carreira, que tinha sido projectada para o cume com uma rapidez impressionante (A Última Sessão/The Last Picture Show chegou a ser aproximado a O Mundo a Seus Pés, de Orson Welles). E Bogdanovich afogou-o no seu desgosto.

Com os anos, o filme tem sido descoberto pelo público, e de forma comovida pelos novaiorquinos que encontram uma cidade que a maior parte deles já não conheceu – chegou a existir ou, como a Ararene de A Última Sessão/The Last Picture Show, é memória e mito no habitat do cinema? E tem sido objecto de afeição gritado pelo novo star-system autoral americano, gente como Wes Anderson, Noah Baumbach ou Quentin Tarantino, que o chegou a colocar no top 10 de uma lista dos seus filmes da vida.

Esta história não acabou, isto é, no caso de Bogdanovich, o passado como sinal vivo da morte. Veneza vai ver fora de concurso o novo filme do realizador, uma comédia romântica, She’s Funny That Way – segundo a sinopse, um encenador da Broadway apaixona-se por uma prostituta que se tornou actriz e tenta fazer pela sua carreira. No cast, Jennifer Aniston, Owen Wilson ou Will Forte (Nebraska, de Alexander Payne, que podia ser um The Last Picture Show dos maduros). Mas também gente do passado de Bogdanovich, Cybill Shepherd ou Tatum O'Neal (Óscar em 1973 por Lua de Papel). O argumento é de Bogdanovich e da ex-mulher do realizador, Louise Stratten. A irmã de Dorothy Stratten.