Dia Mundial das Hepatites: olhar para a doença de uma perspectiva diferente

Não será pertinente a aposta em políticas de droga que reduzam os comportamentos de risco?

 Em Dezembro de 2012, o Global Burden of Disease Study, registou 1.445.000 de mortes causadas por hepatite viral em 2010. As infecções pelos vírus das Hepatites B e C contribuem anualmente em cerca de 57% de casos de cirrose hepática e 78% de casos cancro do fígado.

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 Em Dezembro de 2012, o Global Burden of Disease Study, registou 1.445.000 de mortes causadas por hepatite viral em 2010. As infecções pelos vírus das Hepatites B e C contribuem anualmente em cerca de 57% de casos de cirrose hepática e 78% de casos cancro do fígado.

Para além de ser uma doença com impacto na saúde, representa também um elevado encargo financeiro para os Governos. Em Portugal, estima-se que o impacto económico e o número de casos de cancro do fígado continuem a aumentar e que os custos médicos directos associados à gestão da Hepatite C, sem incluir os custos com anti-víricos, ascendem a 70 milhões de euros por ano. 

Graças ao desenvolvimento de medicamentos que já permitem falar de cura da Hepatite C, o seu tratamento têm sido amplamente falado. Contudo, para além de se falar do tratamento, factor irremediável, é essencial a abordagem à prevenção, pois este é o único aspecto que pode evitar danos na saúde e despesas por parte dos sistemas de saúde. Não será altura de reflexão sobre a doença, formas de transmissão e tendências e de existir uma maior aposta em formas de minorar a transmissão da Hepatite C em Portugal, sobretudo no grupo actualmente responsável pela maior incidência de transmissão, os utilizadores de drogas injectáveis?

Sabe-se que a principal via de transmissão da Hepatite C em Portugal ocorre pela utilização de drogas injectáveis. Nos utilizadores de drogas injectáveis a prevalência da infecção pelo Vírus da Hepatite C (VHC) atinge níveis elevados de cerca de 80%. No Relatório Europeu sobre Drogas 2014, uma análise que incidiu sobre 18 países, com dados disponíveis de 2011–2012, concluiu que o consumo de droga injectada é responsável por 64 % dos casos de VHC diagnosticados e por 50 % dos casos agudos notificados .  

Portugal apresentou uma prevalência de anticorpos de VHC entre os consumidores de droga injectada acima dos 80% - sendo o terceiro país, juntamente com a Suécia e a Grécia, a apontar uma maior percentagem.

A elevada prevalência de VHC entre os utilizadores de drogas por via endovenosa apela a que se continue a disponibilizar material esterilizado de forma gratuita e com fácil acesso. O controlo da doença tem, ainda, de passar pela minimização do aparecimento de novos casos, através da mobilização activa de uma política de redução de risco, formação dos cidadãos para a prevenção e medidas que limitem o contágio. A prevenção da transmissão das hepatites viral é um objectivo importante das políticas europeias em matéria de droga.

Relativamente aos consumidores de opiáceos injectados, está já claramente demonstrado que o tratamento de substituição reduz o comportamento de risco, havendo estudos que sugerem que o efeito de protecção aumenta quando este tratamento é combinado com programas de distribuição de agulhas e seringas.

Na Europa, o tratamento de substituição, normalmente combinado com intervenções psicossociais, é o tratamento mais comum para a dependência de opiáceos. Os dados disponíveis confirmam que esta abordagem combinada contribui para manter os doentes em tratamento e para reduzir o consumo de opiáceos ilícitos, bem como os danos e a mortalidade relacionados com a droga.

Se não há dúvidas quanto à necessidade dos tratamentos de manutenção e de investimento para protecção da saúde pública, no que diz respeito à ligação entre Hepatite C e consumo de drogas injectadas, convém agora analisarmos qual a atenção que Portugal tem despensado a esta correlação, de forma a proteger a saúde pública e diminuir os custos associados.

O Reino Unido, por exemplo, fez as contas e o National Health System libertou um documento onde justificava a importância de se investir no tratamento da dependência, pelo enfoque na protecção da saúde pública: prevenir, além das mortes associadas à dependência, restringe as infecções pelos vírus VIH e VHC, bem como reduz o peso no Serviço Nacional de Saúde. No documento pode ler-se que cada libra investida no tratamento da dependência corresponde a uma poupança de 2,5 libras em custos para a sociedade.

Sabendo-se que o consumo de droga injectada é a principal via de transmissão e que os custos com o tratamento da hepatite viral são elevados e estão a aumentar, não será pertinente a aposta em políticas de droga que reduzam os comportamentos de risco, previnam a transmissão neste grupo responsável, permitindo um acesso alargado ao tratamento de substituição mais seguro?

Médico Psiquiatra, Presidente da Associação Portuguesa de Adictologia (APEDD)