E foi quando chegou Lonely boy que toda a gente dançou

O público queria ouvir as canções mais célebres dos Black Keys e guardou-se, alheado, até que elas se apresentassem. Assim foi ao longo de quase todo o segundo dia do Nos Alive, com excepção dessa revelação chamada Parquet Courts e da festa ininterrupta dos Buraka Som Sistema.

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Os cabeças-de-cartaz, os Black Keys, já tinham tocado. O grupo que se seguiu ao rock caminhava para o final da sua actuação. “Wegue wegue”, ouve-se aqui, e ali, e em todo o lado, enquanto a multidão transforma o espaço frente ao palco principal numa gigantesca pista de dança, muito animada e cheia de graça. Em palco, os Buraka Som Sistema. E, por fim, toda a gente parece entregar-se à música – e a responder à música; à dança e à voz de Blaya; às incitações de Conductor e Kalaf.

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Os cabeças-de-cartaz, os Black Keys, já tinham tocado. O grupo que se seguiu ao rock caminhava para o final da sua actuação. “Wegue wegue”, ouve-se aqui, e ali, e em todo o lado, enquanto a multidão transforma o espaço frente ao palco principal numa gigantesca pista de dança, muito animada e cheia de graça. Em palco, os Buraka Som Sistema. E, por fim, toda a gente parece entregar-se à música – e a responder à música; à dança e à voz de Blaya; às incitações de Conductor e Kalaf.

No segundo dia de Nos Alive, sexta-feira, 11 de Julho, a animação veraneante foi uma constante interrompida, aqui e ali, pelo entusiasmo que provocavam velhas conhecidas, “aquelas” canções que se queria mesmo ouvir. Foi assim, concentremo-nos no palco principal, com os Black Keys, provavelmente a banda rock'n'roll mais popular da sua geração (neste preciso momento, que o mundo avança rápido e não sabemos o que acontecerá daqui a dois anos). Com eles e com os MGMT, o grupo que, com um par de singles incrivelmente certeiros, os do primeiro álbum, Oracular Spectacular, de 2007, alcançou um estrelato que sabotou com prazer para seguir uma rota psicadélica com tanto de fascinante quanto de insular.

Os Black Keys de Dan Auerbach e Patrick Carney, apoiados em palco por um teclista e um baixista (Richard Swift, produtor e cantautor de culto na música americana recente), subiram a palco iluminados pelas dezenas de holofotes que decoravam o palco e não demoraram a carregar no fuzz e dar as voltas (rock'n'roll) ao blues.

Dead and gone, a arrancar, o poderoso groove serpenteante de Next girl, logo a seguir. Só podia correr bem. Horas antes, entrevistado pelo PÚBLICO, Patrick Carney dizia que o “rock é todo ele sobre diversão”. E que é “uma partilha” entre palco e plateia. Ora, no Nos Alive, o concerto dos Black Keys teve grande parte do tempo de sentido único. A qualidade do som, demasiado baixo e falho de definição, não ajudava a que a banda nos envolvesse e o alheamento de parte considerável do público, excepção feita “àquelas” canções (Gold on the ceiling e a linha de teclado entoada como refrão; o assobio de “Tighten up” cantado por todos; o blues-rock libidinoso de Howling for you; o delírio generalizado, por fim, com a inevitável Lonely boy), impedia quem o desejasse de mergulhar verdadeiramente no concerto. Pena que assim tenha sido, porque a banda de Akron mostrou-se uma máquina rock'n'roll bem afinada e pouco preocupada com o estatuto de celebridade que lhe caiu em cima após a edição de Brothers, em 2010.

Os Black Keys são clássicos modernos que sabem perfeitamente o que fazer com a história (os Led Zeppelin, John Lee Hooker, os T. Rex) que lhes preenchia os sonhos na adolescência. Dan Auerbach é vocalista convincente no abandono rock'n'roll e guitarrista talentoso. Patrick Carney, por sua vez, é o baterista que aprendeu a utilizar a simplicidade em seu favor – não lhe interessa brilhar, interessa que o ritmo mantenha a canção no trilho certo.

O alinhamento revelou um verdadeiro concerto de festival: passaram por vários pontos da discografia mais recente (recordemos que a banda se estreou no já longínquo 2002, com The Big Come Up), sem privilegiar o recente Turn Blue, o mais denso e menos directo dos seus álbuns. Planaram como os Pink Floyd na longa Bullet in the brain, fizeram sobressair, em Nova baby, o baixo Motown que serve de âncora à canção, foram festa glam (no ponto em que os riffs de Chuck Berry encontram os Slade) na muito dançável Gotta get away.

Em encore, depois de uma belíssima interpretação de Little black submarines (inclui inadvertida citação da melodia de Stairway to heaven), que passou da delicadeza acústica à vertigem eléctrica banhada de fuzz, regressaram ao início de tudo. Dan Auerbach e Patrick Carney, sós em palco, para a crueza garage de I got mine. Por essa altura, já a plateia estava mais despida de gente. A contagiante Lonely boy chegara antes do encore e Lonely boy era, entre “aquelas” que o vasto auditório pretendia ouvir, a mais desejada. Ou seja, canção despachada e dançada, parte do povo decidira rumar a outras paragens.

Imediatamente antes, e num grau bem mais agudo, o mesmo acontecera com os MGMT. A banda de Andrew VanWyngarden, vocalista e guitarrista bem destacado, e de Benjamin Goldwasser, teclista mais discreto lá atrás, actuava no palco principal antes dos cabeças-de-cartaz devido a um álbum, Oracular Spectacular, e de três canções nele: Time to pretend, Electric feel e Kids, irresistíveis pérolas de synth-pop mutante que não mais repetiriam. Daí para cá, com o belíssimo Congratulations, o segundo álbum, e o arriscado MGMT, mergulharam num caldeirão psicadélico tão garrido quanto as animações digitais retro expostas nos ecrãs durante o concerto. A viagem é agora contemplativa, mas num festival de massas não há espaço nem capacidade de concentração para contemplar. Quer-se recompensa imediata: e por isso Kids, quase no fim, desperta a multidão do seu torpor, e por isso algo como a Siberian breaks longa de dez minutos não provoca o mínimo sobressalto.

Foi, portanto, e simplesmente, mais um dia de Nos Alive. Muito público (lotação quase esgotada), bandeiras às costas a assinalar proveniência (Inglaterra ou África do Sul, por exemplo), música em permanência nos quatro palcos e música também no estreante Palco Comédia (passava da meia-noite e César Mourão cantava nele com sotaque brasileiro).

Um dia em que se confirmou que a pop digital onírica das Au Revoir Simone continua a atrair muito público (o palco Heineken recebeu-as às 24h muito bem composto) e em que, dizem-nos, Sam Smith se descobriu figura de culto em Portugal (infelizmente, não nos foi possível assistir ao concerto do inglês revelado em canções dos Disclosure).

Antes de Smith, no mesmo palco Heineken, vimos o futuro do rock'n'roll e o seu nome é Parquet Courts. Exageramos, naturalmente, mas a hipérbole, a quente, justifica-se. A banda de Brooklyn, Nova Iorque, assinou o concerto mais entusiasmante do dia. Porque há neles uma sofreguidão pela vida e uma energia quase neurótica a que é impossível ficar indiferente. Porque ao ver o guitarrista Andrew Savage cantar, zangado, disparando palavras em golfadas, enquanto o outro guitarrista, Austin Brown, cobre o frenesim da secção rítmica com solos e melodias próprios de uns Television afogados em anfetaminas, sentimo-nos agitados e vivíssimos, despertos.

As canções são curtas, quais comprimidos punk de efeito imediato (imaginemos que os Pavement haviam nascido entre Ramones, Patti Smith, Lou Reed e Tom Verlaine na Nova Iorque punk de final dos anos 1970). Os álbuns são três e o último, Sunbathing Animal, acabou de ser editado. Não os podemos perder de vista.

Tal como não perderemos de vista os D'Alva e as suas canções luminosas extraídas do melhor plástico 80s (D'Alva Teixeira, o vocalista, tem a pinta inconfundível de um ícone pop, como comprovámos ao final de tarde no palco Nos Clubbing). Tal como quereremos reencontrar os Last Internationale de Delila Paz (e agora também de Brad Wilk, baterista dos Rage Against The Machine), vocalista que crê tão fervorosamente que o rock pode ainda ser revolucionário que, quando o concerto acaba, acreditamos também (nela e no rock e na versão de Buffy Saint Marie, Codine, que interpretaram – a de Grândola, vila morena foi apenas uma cortesia algo atabalhoada).

Os Last Internationale foram a segunda banda no palco principal no segundo dia do Alive. Antes deles, os Vicous Five, os lisboetas que agitaram a primeira década do século XXI com canções feitas de urgência punk e refrães para berrar em comunidade, regressou para uma despedida condigna. Separaram-se em 2009 e anunciaram-se no Nos Alive, ano 2014, pela voz de Joaquim Albergaria, hoje baterista dos PAUS: “Nós fomos os Vicious Five e bem-vindos ao nosso funeral”. Um funeral sem lágrimas. Tudo celebração para os fãs da velha guarda agrupados nas primeiras filas, tudo novidade para os miúdos que eram novos demais para saber de Young divorce, Bad mirror ou Sounds like trouble. O funeral continuará, daqui a duas semanas, no Milhões de Festa, em Barcelos.

Os Vicious Five, no palco principal, foram o início. Nessa altura, estávamos ainda longe da multidão que se reuniria horas depois para ouvir “aquelas” canções dos Black Keys. No fim, depois de a banda de El Camino se ter despedido, os Buraka Som Sistema trouxeram os clássicos, como Yah ou We stay up all night, apresentaram novidades como Parede ou Vuvuzela, lançaram fumos, dispararam confettis, chamaram umas dezenas de dançarinas ao palco e não, obviamente não mostraram temperamento para serenar. O povo acordou e dançou. Sem pausas, sem distracções. Entregue, por fim, à música. Foi bonito de se ver. Já sentíamos falta.