Ordem dos Médicos até parece "um sindicato"

Fernando Leal da Costa, secretário de Estado adjunto da Saúde, diz que a Ordem dos Médicos tem abandonado o papel que lhe compete.

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Para Fernando Leal da Costa, o sector da saúde tem sido muito prejudicado por causa das greves Rui Gaudêncio

Há uma greve de médicos marcada para 8 e 9 de Julho. Está preocupado?
Uma greve é sempre desagradável, contudo, se olharmos para aquilo que é o panorama de greves em Portugal, o sector da saúde nem tem sido muito assolado.

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Há uma greve de médicos marcada para 8 e 9 de Julho. Está preocupado?
Uma greve é sempre desagradável, contudo, se olharmos para aquilo que é o panorama de greves em Portugal, o sector da saúde nem tem sido muito assolado.

Os médicos não têm razão para estar zangados?
Não diria isso. Há um sindicato que, violando um acordo que pressupunha a existência de paz social, entende que tem razões suficientes para fazer greve. Parece-nos ser uma decisão essencialmente motivada por razões de carácter político-partidário.

Mas os dirigentes da Ordem dos Médicos alegam que não têm razões para confiar no ministério, porque as promessas feitas não têm sido cumpridas.
A Ordem dos Médicos não é uma organização sindical, tem havido alguma confusão. Em particular, alguns dos seus corpos dirigentes têm tido uma deriva sindical, o que significa que o país passou a ter três sindicatos médicos [em vez de dois]. Mais preocupada  em fazer trabalho de natureza sindical, a OM tem abandonado o papel ético-normativo que lhe compete.

O que aconteceu no Hospital de S. João, em que todas as chefias pediram a demissão por falta de condições de trabalho, não é um sinal claro que há muita coisa a funcionar mal?
Convirá não fazer análises demasiadamente simplistas. O que aconteceu [ali] foi a necessidade de se fazer ouvir o descontentamento, foi uma crítica à espera e à burocracia. A máquina do Estado ainda é lenta.

Quer dizer com isso que temos Estado a mais?
Não, temos é Estado lento a mais.

Além do Código de Ética, em que já houve um recuo, os sindicatos e a OM contestam o despacho que pôs os médicos de família a fazer medicina do trabalho.
Há um conjunto de reivindicações que não são suficientes para justificar uma greve, é fácil encontrar um entendimento. Com a medicina no trabalho o que se pretende é a prestação de cuidados a um grupo específico de trabalhadores que não tem  acesso a esse tipo de serviços.

Mas os médicos de família dizem estar já assoberbados com trabalho e com grandes dificuldades com o sistema  de prescrição electrónico que não funciona…
Os médicos de família continuarão a fazer tudo aquilo que já faziam, a única coisa diferente é que, da mesma maneira que já emitem certificados de incapacidade para o trabalho, também passam a emitir estes certificados.

Eles queixam-se de que já têm muito trabalho burocrático…
É uma burocracia que não pode deixar de ser praticada pelos médicos. Se aventássemos a hipótese de pôr outro profissional  [a desempenhar essas tarefas],  a Ordem viria alegar que estávamos a retirar funções aos médicos.

Foi o que aconteceu com a questão dos enfermeiros de família? Por isso é que estes profissionais não podem, por exemplo, prescrever medicação aos doentes crónicos, como chegou a ser pensado?
A criação da figura do enfermeiro de família só peca por atraso. [Quanto à medicação crónica], é uma matéria que merece ser discutida e aprofundada, não se devem fechar portas à priori.

Ainda há muitos portugueses sem médico de família?  
A situação melhorou, temos agora um número utentes registados muito próximo do número de habitantes, 10,6 milhões, quando chegamos a ter mais de 12 milhões. Houve uma redução de 20% no número de utentes sem médico de família. Mas há grandes assimetrias regionais: no Norte, 6% da população não tem médico de família, enquanto no Algarve [esse número] ronda os 30%. Mesmo no Algarve é totalmente distinta a situação entre o Sotavento  (quase todas as pessoas têm médico de família) e o Barlavento (45% não têm).

Como é que isso se resolve?
Resolve-se de várias formas, por exemplo concebendo algum sistema de incentivos diferenciados.

Mas há condições financeiras para isso?
A pouco e pouco vão ter que ser criadas. É preciso fazer escolhas inteligentes, entre gastar dinheiro com medicamentos de eficácia duvidosa….

Está a referir-se aos medicamentos inovadores?
Temos que saber fazer escolhas, perceber quais são verdadeiramente inovadores e com uma relação preço--benefício altamente compensadora. Não podemos cair no erro de vir a sacrificar o atendimento da população em geral.

Os doentes queixam-se de não ter acesso a estes medicamentos.
Não se deve substituir aquilo que é a assistência médica por dar medicamentos. Estou convencido de que em Portugal os medicamentos que são efectivamente necessários chegam sempre às pessoas.

Quando entrou no ministério, disse que os portugueses tinham que estar preparados para abdicar de determinadas coisas.
Eu nunca disse isso.